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DECISÃO JUDICIAL DE ACORDO COM O RELATOR

A decisão judicial é  suficiente para justificar o dever funcional de fundamentá-la?

   Toda decisão judicial, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal, no inciso IX do artigo 93, deve ser fundamentada, sob pena de nulidade. Os fundamentos aludidos no preceito constitucional são os de fato e os de direito. Os de fato decorrem do acontecimento que levam a parte a bater nas portas do judiciário a quem foi atribuído o Poder/Dever de dirimir os conflitos aplicando a lei ao caso concreto para garantir a cada um o seu direito.

   O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 apresenta uma novidade que tem passado despercebida dos operadores do direito e que compromete a qualidade da prestação jurisdicional que já é prejudicada pelo aumento dos litígios e falta de nomeação de novos magistrados. Em Minas Gerais dezenas de concursados que foram aprovados no último concurso da magistratura não tomaram posse por falta de recursos financeiros do Estado.

   É bem verdade que existe um esforço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em conjunto com os Tribunais no sentido de melhorar os números e estatísticas do tempo de tramitação dos feitos.

   No entanto, esta celeridade não se pode fazer em detrimento da qualidade, acerto e convencimento das decisões.  E para tratar dessa qualidade e acerto o legislador inseriu no artigo 489 do Código de Processo Civil os requisitos essenciais da decisão judicial, sentença ou acórdão.

Ordenamento jurídico é fundamento

   Pela Constituição Federal, pela Lei de Introdução às normas do direito brasileiro, pelo Código de Processo Civil (artigos 8º e 489º), o ordenamento jurídico ainda é o fundamento de direito que deverá orientar as razões do convencimento do magistrado.

   É possível que essa obsessão pela eficiência e celeridade estejam contribuindo para a superficial instrução do feito, com prejuízo à produção de prova, em especial da prova pericial, às vezes indeferida sem fundamentos de direito, em detrimento à boa-fé e lealdade processual com que as partes devem proceder no processo conforme determina o artigo 5º do CPC.

   Isso reflete nas sentenças sucintas e desprovidas de fundamentos baseados no ordenamento jurídico e nas provas, causando inclusive prejuízos dos recursos. O indeferimento da prova pericial, pelo simples fato do juiz ter pressa, entender que é desnecessária ou por ter em mente que a mesma afrontará seu ponto de vista resulta em cerceamento do direito da parte realizar provas que poderão fundamentar a decisão judicial dos desembargadores dos Tribunais e dos ministros do STJ e do STF de maneira mais acertada.

Recursos avaliados de forma superficial

   Os recursos por sua vez, não obstante a novidade processual que explicita o dever de fundamentar têm sido examinados de forma cada vez mais superficial dificultando até a subida de recurso especial ou extraordinário para o STJ e STF, já que não explicitam qual o dispositivo da Constituição ou da Lei que levaram o resultado do julgamento firmado em posicionamento jurisprudencial da Câmara, do Tribunal ou dos Superiores.

   Outra questão interessante e que merece uma reflexão são os votos do 1º e 2º vogais. Na sua maioria são singelos “de acordo com o relator”. Observa-se ainda em alguns casos o voto com a seguinte afirmação: “ressalvado entendimento em sentido contrário posiciono-me de acordo com o relator ”, mesmo em processos mais complexos.

   Nas duas hipóteses à luz dos artigos 5º e 489º do Código de Processo Civil, este voto está suficientemente fundamentado para compor o acórdão nos termos do princípio que rege o julgamento colegiado?

   A segunda hipótese afigura-se ainda mais emblemática, pois qual seria o entendimento do vogal? Acaso seria uma tese capaz de infirmar o entendimento adotado? O princípio da boa-fé que norteia o dever de fundamentar (§2º do artigo 489 CPC) estaria contemplado nesse monossilábico pronunciamento?

   Lanço aqui essas ponderações na expectativa de abrir o debate objetivando o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, pois é fundamental a população obter decisões onde a prova pericial e os fundamentos legais não sejam relegados à jurisprudência, pois esta nunca foi fonte do Direito.

 

Belo Horizonte 11 março 2018

 

Este artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio.


Kênio de Souza Pereira

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)

kenio@keniopereiraadvogados.com.br