Todos os anos tragédias previsíveis se repetem em inúmeras cidades, dentre elas Belo Horizonte, com as casas sendo inundadas, carros sendo levados pelas chuvas ou submersos nas garagens, lojas tendo seus estoques e mobiliários destruídos. Configuram “flashbacks” da negligência e omissão da prefeitura por esses problemas acontecerem nos mesmos lugares e circunstâncias. Diante da postura omissa da administração municipal em deixar de realizar as obras necessárias à prevenção, diminuição ou atenuação dos efeitos decorrentes das enchentes, fica evidente o direito das pessoas e empresas prejudicadas exigirem a indenização por danos materiais e morais, sendo estes devidos à angústia e sofrimento que poderiam ser evitados.
Conforme já decidido inúmeras vezes nos Tribunais de Justiça de todo do país, o município não pode cogitar a existência de força maior quando as inundações são previsíveis e que ocorreram por falta de obras de infraestrutura que deixaram de ser realizadas em administrações sucessivas. A Constituição Federal (CF) é clara ao impor tal responsabilidade ao município, conforme o art. 37, § 6º, “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Importante frisar que até mesmo os danos ocorridos em casas e prédios localizados em loteamentos que foram mal projetados e implantados de forma irregular, podem gerar o dever do município indenizar. Nos termos do art. 40, da Lei 6.766/79, cabe a ele, que tem o poder-dever, fiscalizar o loteador e regularizar o loteamento, pois consoante com art. 30, VIII, da CF, lhe compete “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante o controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”, o que inclui o escoamento de águas pluviais.
O Poder Judiciário não tem aceito a alegação das prefeituras de caso fortuito ou força maior para se livrarem do dever de indenizar ou mesmo de serem condenadas a fazer determinada obra, caso conste esse pedido no processo judicial. Consiste obrigação do município realizar obras de saneamento e canalização que venham a suportar a maior chuva já registrada. Uma perícia prova que os danos ocorridos na maioria dos lugares poderiam ser evitados se o município tivesse realizado as obras que são prometidas há décadas, especialmente nos períodos de campanhas eleitorais. Na realizada, apenas alguns danos decorreram do enorme volume de águas registrado em janeiro/20.
Muitos desses prejuízos aos cidadãos se repetem por eles deixarem de cobrar a devida indenização, que diante da “Teoria do Risco Administrativo” não exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a vítima provar a omissão ou a ação equivocada do gestor público que tem deixado de fazer obras subterrâneas por não serem boas geradoras de votos como asfaltar novas ruas que aumentam a impermeabilização do solo. Em grande parte dos casos estão claros os prejuízos sofridos e o nexo causal que geram o dever do município arcar com os danos materiais e morais, mas cabe à quem foi prejudicado tomar as providências, inclusive para ser dispensado de pagar o IPTU.
Belo Horizonte 28 fevereiro 2020.
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis