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IGP-M NÃO É ÍNDICE EXCLUSIVO DE REAJUSTE DE ALUGUEL

Grande variação entre os índices que medem a inflação gera polêmica e prejuízos

     No Brasil há centenas de tipos de contrato que na maioria são regulados pelo Código Civil. Raros são os que têm uma legislação específica, pois somente quando a transação é muito complexa é que o legislador cria norma especial. Este é o caso da locação de imóveis urbanos regulada pela Lei do Inquilinato, nº 8.245/91, sendo que em relação ao reajuste dos aluguéis podem ser contratados vários índices que medem a variação da inflação. Tendo em vista que o índice mais utilizado nos contratos de locação é o IGP-M (FGV), que acumulou a alta 13,02% no período de set/19 a ago/20, bem acima do IPCA (IBGE) de 2,44% no mesmo período, percebe-se uma certa preocupação, especialmente diante da alta de 4,34% no mês de set/20 que resulta na elevação de 17,94% do IGP-M no período de out/19 a set/20.                       

     É comum vermos a mídia afirmar que o “IGP-M é a inflação do aluguel”, o que é estranho, pois este índice é composto por dezenas de itens, especialmente, commodities, produtos industrializados, vestuário, salários, combustível, energia elétrica, transporte e outros que têm peso bem superior à variação do aluguel, o qual está incluso no subitem habitação, sendo este mais amplo.                       

     Para entender melhor, o IGP-M da FGV é formado pela ponderação de três índices: o IPA-M (Índice de Preços por Atacado – Mercado) com o peso de 60%; o IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor – Mercado) com o peso de 30%, sendo que neste, o setor Habitação tem o peso de 25,17% e dentro deste percentual, o aluguel representa apenas 4,25%. O terceiro componente é o INCC-M (Índice Nacional do Custo da Construção), que representa 10% do total do IGP-M. No final, o resultado é que o aluguel representa apenas 1,27% da composição do IGP-M, o que resulta ser ilógico dizer que ele é o “índice do aluguel”, pois 98,73% de sua composição refere-se a outros produtos e serviços.                       

     O fato de o IGP-M ser utilizado como indexador em milhares de contratos de aluguéis, mas também nos reajustes das tarifas públicas, Tv por assinatura e planos de saúde mais antigos, não justifica o título de “índice do aluguel”, pois outros índices são também utilizados.  Há contratos de locação reajustados pelos IPCs, que em alguns períodos superam os IGPs, sendo utilizado o maior índice limitado aos nomeados no contrato, para evitar que o locador venha a ter prejuízos diante do fato de ser comum o preço dos imóveis variar acima da inflação.                       

     Portanto, se o contrato firmado entre as partes estipular apenas um índice, este deverá ser utilizado. Mas, se constar mais de um índice é lícito escolher qualquer deles (art. 104 Código Civil) diante da autonomia da vontade, do ato jurídico perfeito, além do fato do Plano Real assim permitir e o art. 17 da Lei do Inquilinato proibir apenas “a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo”.                       

     A realidade é que não existe no Brasil nenhum índice que apure de forma especial a variação dos preços dos imóveis para venda ou locação, pois esses têm valores distintos, pulverizados em inúmeros tipos e padrões, que sofrem alteração conforme a cidade, região, localização, vizinhança, posição na rua, destinação, tamanho, tempo de construção, acabamento, estado de conservação, equipamentos, custos de IPTU, quota de condomínio, manutenção, além da lei da oferta e procura, dentre outros fatores.

LEI AUTORIZA LIVRE ESCOLHA ENTRE ÍNDICES OFICIAIS                       

     Em respeito à liberdade contratual, a lei autoriza a inserção no contrato de mais de um índice, devendo a atualização ocorrer anualmente, nos termos do art. 28 da Lei nº 9.069/95, que prevê: art. 28 Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual”. Antes e depois do Plano Real sempre existiram diversos índices de preços, dentre os mais conhecidos: INPC, IPCA, IPC, IPCA-E, IPA-EP-DI, IGP e IGP-M, os quais são apurados pelo IBGE ou pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sendo todos eles de abrangência nacional. Há ainda os índices regionais, como IPC da FIPE, o IPCA/BH do IPEAD/UFMG, dentre outros, sendo todos legais e perfeitamente utilizáveis nos contratos em geral.

 “CONTABILIDADE CRIATIVA” LESA O INQUILINO DE SHOPPING CENTER                       

     A legislação vigente determina que a aplicação dos índices será anual, mas nada impede que o contrato preveja, caso a lei no futuro autorize, que o reajuste será aplicado em período menor. Importante frisar que a Lei é clara, pois não admite manobras ou “contabilidade criativa”, como se verifica em alguns contratos de shopping center que inovam ao prever faixa de preços de valores fixos por alguns períodos, sendo que sobre cada valor, aplica-se aumentos em percentuais além da variação oficial do índice.                       

     Isso consiste em burlar a lei, pois tal abuso conta com a falta de desconhecimento da maioria da população sobre matemática financeira, sendo o resultado final o aumento do aluguel bem acima da variação oficial anual de qualquer índice, o que resulta em lesão ao inquilino. Basta verificar durante determinado período de anos a enorme diferença do preço do aluguel reajustado conforme o Plano Real e o aluguel da loja de alguns shoppings centers. Há centenas de casos que facilmente é constatado que o aluguel do lojista sofreu reajustes que representam o triplo da variação da inflação.

ÍNDICE VARIA CONFORME SUA METODOLIGA E DIVERSOS FATORES                       

      Diante da grande diversidade dos índices, milhões de contratos não utilizam o IGP-M, pois a sua variação pode também ser baixa em alguns períodos, tendo inclusive resultado em deflação em dois anos: -1,72% em 2009, 5,10% em 2011, 3,69% em 2014 e -0,52% em 2017. Nesses mesmos anos, o IPCA (IBGE) que é utilizado como meta da inflação pelo Banco Central, teve variação anual bem superior ao IGP-M: 4,31% em 2009, 6,50% em 2011, 6,41% em 2014 e 2,95% em 2017.                     

     Optar por mais de um índice consiste numa prática legal, que pode, inclusive, evitar atritos entre o locador e o inquilino, pois quando o índice é satisfatório para atualizar o aluguel, como reflexo, há a redução das ações de despejo por “denúncia vazia” e revisionais de aluguel que são previstas na Lei do Inquilinato. Por outro lado, caso o valor do aluguel reajustado supere o preço de mercado, que é apurado com base nos valores de imóveis disponibilizados para locação com as mesmas características, poderá o inquilino optar por mudar para outro local, especialmente se não tiver que pagar a multa rescisória por estar o contrato vigorando por prazo indeterminado.                       

     O fato é que os locadores e inquilinos têm acordado com base no bom senso e na pesquisa de mercado.  Apesar da tendência de alta do preço dos imóveis residenciais, continuará havendo boa vontade das partes em negociar de maneira a ser mantido o valor de mercado, viabilizando, assim, a manutenção da locação por períodos duradouros.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br