Poder Judiciário tem condenado reclamante a indenizar quando age com má-fé
O consumidor antes de publicar reclamação na internet, deve estar ciente acerca dos limites de seu direito. Apesar de muitos pensarem que não correm o risco de serem responsabilizados, já é reconhecido pelo Poder Judiciário o direito da empresa de ser reparada pelo consumidor que publicou críticas ofensivas ou infundadas. O próprio site “RECLAME AQUI”, com o objetivo de alertar os consumidores sobre os limites do direito de reclamar, divulgou matéria em 11/09/15, após a repercussão de uma decisão judicial que condenou a consumidora a indenizar determinada empresa por um comentário exagerado na internet.
Consiste numa atitude errada se utilizar da internet e, em especial, de site de reclamação para expressar indignação ou frustração por não ter conseguido fazer uma transação em função da outra parte não aprovar o cadastro ou não chegar a um acordo, pois ninguém é obrigado a aceitar uma proposta. O banco, a imobiliária, a construtora ou qualquer outra empresa, ao financiar, alugar ou vender tem todo o direito de escolher com que irá contratar, não sendo as empresas obrigadas a aceitar a condição ou imposição do cliente, podendo este vir a responder pelo crime de difamação ao expor uma empresa por essa exercer o seu direito.
Quem publica qualquer comentário na internet atinge um número ilimitado de pessoas, pois não possui controle sobre quantos indivíduos e até quando a publicação será acessada. Por mais que o internauta, após perceber que passou dos limites e apague a publicação, esta pode ser compartilhada, salva e até republicada por outras pessoas.
SITE PODE SER RESPONSABILIZADO SE NÃO PASSAR OS DADOS DO RECLAMANTE
Há aquele que se utiliza de nome falso ou de terceiros para fazer uma reclamação, cabendo o site que a divulgar o dever de fornecer à vítima da difamação todos os dados do autor, com a qualificação, identidade, endereços físicos e e-mail. O Site tem responsabilidades, mas ao passar os dados solicitados pela empresa vítima da difamação, pode evitar vir a responder de forma solidária por uma indenização. Entretanto, se o Site age de maneira inconsequente ao divulgar nota negativa sem exigir todos os dados do autor, atrai para si o dever de indenizar pelos danos causados com base nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
RECLAMAÇÃO QUE CONFIGURAR CRIME RESULTA EM PUNIÇÃO PELO JUDICIÁRIO
Com a globalização a informação é transmitida rapidamente e disponibilizada para todos. Qualquer comentário negativo pode denegrir gravemente a imagem da empresa e de seus dirigentes, atingindo parâmetros irreparáveis. Cabe ao reclamante entender seu ato abusivo lhe acarreta o dever de indenizar, não adiantando depois pedir desculpas para evitar despesas com a sua defesa, conforme decisões judiciais recentes.
Sobre a publicação na internet de comentários ofensivos aos serviços prestados, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), entende que:
Apelação – Ação de indenização por danos morais com pedido de obrigação de fazer e não fazer: abstenção de postagem e publicação de comentários negativos sobre a autora, bem como pleito de remoção de todos os compartilhamentos de publicações negativas sobre a requerente. Ação julgada procedente – Veiculação de comentários ofensivos na internet contra a clínica veterinária autora, que prestou serviços ao animal de estimação da ré, que acabou por precisar ser sacrificado – Ré que responsabiliza a autora pela morte de seu animal de estimação, tornando público comentários ofensivos – Abuso do direito de livre manifestação do pensamento, com consequente ofensa à imagem e honra objetiva da autora – Configuração de danos morais – Sentença mantida – Recurso improvido.
(TJSP; Apelação Cível 1002803-22.2016.8.26.0278; Relator (a): Clara Maria Araújo Xavier; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaquaquecetuba – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2018; Data de Registro: 25/10/2018) (grifo nosso)
Neste sentido, Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também entende que o direito de reclamação do consumidor e da livre manifestação de pensamento são limitados, não podendo ofender a honra de pessoa jurídica, conforme veremos no julgado abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – CLÍNICA VETERINÁRIA – PARTO – MORTE DE FILHOTES – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO VETERINÁRIO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA – CULPA NÃO COMPROVADA – AUSÊNCIA DEVER DE INDENIZAR – RECONVENÇÃO – PUBLICAÇÃO DE RECLAMAÇÃO OFENSIVA EM REDE SOCIAL – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – EXCESSO – PESSOA JURÍDICA DANOS MORAIS – POSSIBILIDADE. A configuração da responsabilidade civil de médicos veterinários reclama a prova de sua culpa, na modalidade imprudência, negligência ou imperícia. A responsabilidade da clínica veterinária, por sua vez, é objetiva, e, ainda que não dependa da prova de culpa, necessária a prova da deficiência na prestação dos serviços. Não resta configurado o ato ilícito e o consequente dever de indenizar por danos quando as provas produzidas não apontam falha na prestação do serviço. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva (imagem e reputação). O direito à livre manifestação do pensamento, previsto no artigo 5º, inciso IV, da CF, deve ser compatibilizado com outros direitos, dentre os quais a imagem e honra. Postagens em redes sociais que extrapolam a liberdade de expressão e o direito do consumidor de reclamar da prestação do serviço ensejam direito a indenização por danos extrapatrimoniais. Doutrina e jurisprudência são uníssonas em reconhecer que a fixação do valor indenizatório deve-se dar com prudente arbítrio, para que não ocorra enriquecimento de uma parte, em detrimento da outra, bem como para que o valor arbitrado não seja irrisório, observados na situação fática os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.20.495001-8/001, Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/11/0020, publicação da súmula em 19/11/2020) (grifo nosso)
Sobre o cometimento de crime contra a honra da pessoa jurídica, no caso a difamação, há várias decisões dos tribunais que caracterizam como crime ofender a reputação de uma empresa. Vejamos uma decisão do TJDF que condenou o reclamante a indenizar a empresa por danos morais:
CIVIL. CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL. HONRA OBJETIVA. VIOLAÇÃO. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL E EM SÍTIO DE RECLAMAÇÕES DE CONSUMIDORES.
“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, diz a súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. E não poderia ser diferente, as pessoas jurídicas podem sofrer à sua honra objetiva, que consiste na opinião que as outras pessoas têm dela, sem que se cogite em aferir elementos subjetivos inerentes à pessoa humana.
O dano moral é a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica.
O excesso de linguagem em publicações nas redes sociais e sítios de reclamações de consumidores desborda da mera exposição do pensamento para tornar-se ofensa à honra objetiva, inobstante tratar-se de pessoa jurídica, amplamente divulgada na internet, com a intenção confessada de compeli-la a realizar sua vontade, configura dano moral.
O quantum, que deverá observar as seguintes finalidades: compensatória, punitiva e preventiva, além do grau de culpa do agente, do potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Embora a divulgação de uma reclamação na internet tenha uma abrangência que não se pode precisar o tamanho, as empresas que colocam produtos e serviços no mercado estão naturalmente sujeitas a críticas e reclamações. O que não se admite, e que efetivamente configurou o ilícito, é o excesso de linguagem apto a ofender indevidamente a reputação da pessoa jurídica de maneira significativa.
Não se deve perder de vista a assimetria da relação jurídica travada entre fornecedor e consumidor hipossuficiente, e, inobstante a conduta excessiva da ré, pelas regras de experiência, é possível concluir que a loja poderia ter dado rumo diferente ao acontecido, mediante o esclarecimento detalhado e cuidadoso das condições dos móveis vendidos, da atenção na hora da entrega, e mesmo da cortesia e distinção que se espera de uma loja que vende produtos desse padrão.
Recurso da ré conhecido e parcialmente provido; recurso da autora conhecido e desprovido.
(Acórdão n.882487, 20140111789662APC, Relator: HECTOR VALVERDE 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 15/07/2015, Publicado no DJE: 07/12/2015. Pág.: 251) (grifo nosso)
RECLAMAR EXIGE BOA-FÉ E CRITÉRIO
A publicação de um comentário na internet exige alguns cuidados, como: não usar palavras de baixo calão, não atribuir aos empregados ou à empresa condutas desabonadoras e desonrosas de maneira maliciosa, mentir, omitir fato para distorcer a situação ou exagerar na descrição do ocorrido, entre outros.
Certo é que as redes sociais deram poder às pessoas, já que muitas vezes o depoimento de um cliente pode levar o consumidor a rotular negativamente uma empresa. Há consumidor que se aproveita desse poder e pratica vingança pessoal ou ameaça a empresa para coagi-la a acatar suas exigências infundadas.
Há devedor que visando obter uma quitação de uma dívida ou obrigação se utiliza de ameaça para exigir do credor ou empresa uma quitação a qual não tem direito. Sabendo disso, faz a reclamação na internet para forçar um acordo, o que pode lhe acarretar um grande prejuízo financeiro ao ter que contratar advogados para lhe defender em juízo, como se verifica no acordão acima do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Esquece que tal atitude pode lhe render um processo penal por difamação e ainda outro processo cível que poderá condenar o autor da atitude impensada à reparação financeira por agir de má-fé.
PODER JUDICIÁRIO TEM CONDENADO QUANDO A RECLAMAÇÃO É CONTRA O PROCURADOR
Deve-se atentar que muitas vezes, a empresa que recebe a reclamação não tem culpa, pois o fato reclamado foi gerado por outra pessoa, a qual tem o poder ou não de resolver. Nesse sentido, podemos citar como exemplo, as imobiliárias ou advogados, que são meramente intermediários e procuradores de determinada empresa ou pessoa, sendo que é esta que pode vir a figurar como reclamada.
Se o locador pratica um ato que gera insatisfação ao inquilino, tendo este, razão em reclamar, caberá ao inquilino fazê-la em nome do locador que agiu de maneira inadequada, pois a imobiliária não tem como contrariar a ordem do seu outorgante/locador. Da mesma maneira, se uma empresa é representada por um advogado, não pode o reclamante fazer uma reclamação e muito menos difamar este profissional, pois o fato deste ser procurador não atrai para ele a autoridade de fazer ou deixar de fazer algo que é prerrogativa da empresa que o contratou para ser intermediário.
A atitude de colocar como infrator uma empresa ou profissional que é meramente um intermediário, pois cumpre ordens, tem resultado em processos de indenização onde a condenação contra o reclamante tem atingido valores expressivos, especialmente, quando este é alertado de que, caso deseje entrar com ação ou reclamação deverá fazê-lo em nome do real responsável.
BUSCAR A SOLUÇÃO AMIGÁVEL É O MELHOR CAMINHO
O ideal é o consumidor primeiramente procurar resolver sua questão diretamente com a empresa, de maneira séria e ética. Não havendo solução num prazo razoável, se realmente houve ilícito, poderá publicar sua reclamação contra o real responsável, se restringindo a contar os fatos, jamais denegrindo a imagem da empresa sem fundamento.
A reclamação pela internet é uma importante ferramenta que pode ajudar os cidadãos a tomar determinados cuidados contra condutas irregulares, mas caso seja utilizada de maneira inconsequente, pode trazer transtornos ao reclamante que achava que não há leis no meio digital.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Colunista da Rádio Justiça do STF, dos jornais O Tempo, Diário do Comércio, Hoje em Dia e do Boletim do Direito Imobiliário