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DESAFIOS NA ANÁLISE DAS AÇÕES REVISIONAIS E RENOVATÓRIAS EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA

    A pandemia acarretou a proibição de funcionamento de inúmeras atividades comerciais a partir de março de 2020, gerando queda do faturamento, desemprego e o fechamento de milhares de empresas. Instalou-se o descontrole no dia a dia dos locatários e locadores diante da politização da situação. Muitos prefeitos das cidades de maior porte e alguns governadores impuseram medidas que restringiram a circulação de pessoas para reduzir o risco de contágio do COVID-19. Essa situação inédita motivou a maior renegociação de aluguéis na história desse país, em especial quanto aos imóveis comerciais.

   Por ninguém prever tal cenário e diante do desconhecimento por quanto tempo duraria a pandemia, os locatários de empresas afetadas com a ausência de clientes e com a redução do faturamento ficaram aflitos, especialmente os negócios que foram impedidos de funcionar e obter os recursos necessários para pagar suas obrigações. Por outro lado, os locadores, especialmente as administradoras de imóveis e os advogados em geral agiram de maneira solidária, estimularam os acordos e se esforçaram para que o entendimento prevalecesse diante da enorme insegurança decorrente desse período trágico.  

INFORMALIDADE NAS NEGOCIAÇÕES

   Como era de se esperar, ocorreram situações de conflitos, principalmente nas locações realizadas diretamente com os proprietários de imóveis, que por não serem profissionais, tiveram mais dificuldades para concluir um ajuste. Diante disso, centenas de processos judiciais surgiram requerendo redução do aluguel com base na teoria da imprevisão ou consignando valores de maneira indevida. Em resposta, os locadores requereram o despejo por falta de pagamento, tendo levado à desocupação do imóvel. Esse resultado foi desinteressante para ambas as partes, seja pelo locatário por ter gastos com a mudança, ter que se adaptar a um novo endereço e perder parte da clientela, seja pelo fato do locador ter dificuldade de realugar o imóvel num cenário de baixa demanda e grande oferta.

   O problema é que em vários processos judiciais, as partes envolvidas terão dificuldade de esclarecer os pagamentos que foram realizados de maneira confusa ou parcial, pois no decorrer do segundo e terceiro trimestre de 2020 aconteceu de tudo. Por existir um grande volume de inadimplência e a necessidade da maioria dos locadores de receber o aluguel, por esse representar sua aposentadoria, portanto, sua fonte de sobrevivência, ocorreram vários entendimentos verbais e outros por e-mail de forma precária, sem definir prazos e data de reajuste.

    Houve ainda, caso de locatário que agiu de maneira abusiva, pois se aproveitou do amadorismo do locador que aluga diretamente e depositou na conta bancária dele valores parciais, de maneira a gerar confusão e dúvidas. Essa manobra, foi em parte impedida nas imobiliárias, por terem mecanismos de controle e boletos que dificultam os pagamentos irregulares, mas mesmo assim as administradoras tiveram alguns problemas com ajustes informais diante do recente excesso de serviço.

ANÁLISE CASO A CASO COM FLEXIBIDADE ATENDE MELHOR A JUSTIÇA

   Ocorre que a Lei do Inquilinato, nº 8.245/91, é rigorosa em relação ao valor e ao prazo para pagar o aluguel, pois a infração, como a falta de pagamento pode gerar a improcedência do pedido de renovação quinquenal da locação não-residencial, em decorrência da lei exigir que o locatário, ao propor a ação renovatória, comprove ter cumprido fielmente todas as obrigações contratuais.  No momento da renovação do contrato é também objeto de revisão o valor do aluguel (art. 72, II), pois seria injusto ser iniciado um novo período de 5 anos com o preço fora do valor de mercado.

    Entretanto, mais complicadas são as ações revisionais de aluguel das locações em geral, que estando fora do preço de valor, conforme art. 19, são possíveis de serem requeridas pelo locador ou pelo locatário após três anos de vigência do contrato ou do contrato anteriormente realizado, o que não exclui a apreciação do valor na renovatória de cinco em cinco anos. Será desafiador para o magistrado verificar essas situações, em especial, os descontos provisórios, os pagamentos fora do preço fixado no contrato (reajustado anualmente somente pelo índice previsto contratualmente), pois em boa parte dos casos o valor atual, após três anos, permanece acima ou abaixo do valor de mercado.


BOA-FÉ, EFETIVIDADE E RAZOABILIDADE DEVEM PREVALECER

    Por atuarmos no ramo locatício há 40 anos, entendemos que neste momento atual de pandemia a melhor alternativa do Julgador, ao apreciar a contestação da parte que visa impedir a revisão sob a alegação de que houve um acordo nos últimos três anos, mediante pagamentos confusos, será verificar se realmente foi realizado um ajuste que correspondesse ao valor de mercado na época. A experiência comprova que, quando as partes fazem novo acordo a preço de mercado, o valor é redondo, ou seja, não é cobrado valores fracionados, centavos, pois isso decorre de reajuste legal automático, o que não impede a revisão judicial.

   Não sendo possível verificar isso de maneira simples, o ideal será o magistrado dar prosseguimento ao processo e determinar a perícia judicial, pois sendo indicado pelo perito que o valor discutido atualmente está fora do preço de mercado, restará como justa a procedência da ação, pois esse é o seu objetivo final. Deve-se ver com reserva e desconfiança quem contesta a ação para manter o valor injusto e defasado, que sendo constatado na perícia, atrai para o contestante a devida condenação nos ônus sucumbenciais.

   Diante da situação decorrente dos últimos dois anos (mercado oscilou, fechamento de empresas, economia fraca, desemprego recorde), caso o aluguel esteja fora do preço de mercado, com todo o respeito aos especialistas que pensam diferente, entendemos que o mais adequado é o Judiciário não se apegar a detalhes, a descontos ou valores provisórios para contar o prazo aquisitivo de três anos para deferir a revisão. A situação atual é crítica, mas momentânea. Deve-se prestigiar a efetividade, praticidade e a razoabilidade, pois assim o Poder Judiciário estimulará o entendimento e valorizará a boa-fé, pois o correto é sempre pagar o preço justo, nem mais nem menos.

 

 Esse artigo foi publicado na Revista Soberana em 8 de Março de 2021.

 Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2021.

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

kenio@keniopereiraadvogados.com.br