CRIATIVIDADE PARA BURLAR A SUBLOCAÇÃO PREJUDICA O LOCADOR E A CONCORRÊNCIA
As grandes redes comerciais alugam lojas e galpões em locais estratégicos de forma a ampliar seus pontos de venda e ao mesmo tempo inibir que os concorrentes se instalem no entorno, garantindo assim maior faturamento e valorização do seu ponto comercial. Esses procedimentos agregam valor ao negócio que passa a valer centenas de milhões de reais, sendo comum determinado grupo econômico vender a operação para outro concorrente que deseja passar a ocupar justamente os locais já ocupados pela vendedora.
Essas transações envolvem a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) quando é realizada a transferência de gestão ou administração, pois implica grande interesses financeiros que podem afetar determinado segmento. O fato é que esses tipos de negociações ou parcerias ao serem autorizadas pela CVM e pelo CADE, sendo portanto legais, não geram nenhum efeito quanto aos contratos de locação que vedam a sublocação. A Lei do Inquilinato, no art. 13 estabelece: “A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prédio e escrito do locador”, sendo, portanto, clara a ilegalidade da manobra de alguma rede transferir os pontos locados para outra rede, mediante subterfúgios, sem que os locadores desses imóveis previamente autorizem.
SUBLOCAÇÃO COM RESTRIÇÕES NÃO PODE SER ESTENDIDA
É comum nos contratos de locação de drogarias, supermercados, lanchonetes, fast food, agências de turismo/automóveis, bancos, hospitais e demais lojas que compõem redes ou conglomerado de empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico, constar prévia autorização para ceder o imóvel e as obrigações do contrato de locação para outra empresa do grupo que faz parte a pessoa jurídica do inquilino. Contudo, essa liberalidade não permite que o inquilino transfira para terceiros o imóvel, pois a locação é personalíssima, sendo que em muitos casos o locador a efetiva somente por se trata de determinada empresa ou pessoa em razão de vínculos específicos, como a confiança.
Portanto, a regra no Brasil é a proibição da sublocação que prevalece em mais de 97% dos contratos em geral. Apenas, alguns contratos destinados a grandes empreendimentos, contém a exceção de permitir a sublocação para o mesmo grupo econômico que faz parte o inquilino, sendo aceitável para aproveitar os grandes espaços locados, como vemos, em hipermercados que dentro deles encontramos farmácia, banca de jornal, chaveiro, floricultura, lavanderia e outras empresas distintas localizados na parte frontal ou após os clientes saírem dos caixas com as compras. Essas pequenas sublocações autorizadas visam rentabilizar a exploração do imóvel pelo hipermercado que figura como inquilino, sendo este o foco da locação, que em muitos casos as partes ajustam o valor do aluguel num percentual do faturamento do inquilino. Somente de forma excepcional, em algumas situações raras, é autorizado o inquilino passar a figurar como sublocador para que possa viabilizar locações pontuais, em partes limitadas do galpão, pelas quais fica responsável perante o locador. O proprietário do imóvel, nesses casos, permanece tendo a relação jurídica apenas com a empresa que ele confia, como inquilina, não tendo contato e nem obrigações com os demais ocupantes/sublocatários autorizados, sendo tal relação restrita, impossível de ser estendida.
PARCERIA OU ABSORÇÃO DE MARCA PELO NOVO OCUPANTE NÃO ILIDE ROMPIMENTO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
Diante da limitação ajustada no contrato de locação, com base nos artigos 13, 71, inciso II e 72, inciso I, da Lei nº8.245 e em respeito aos princípios da boa-fé e da aparência, caso uma empresa ou rede venha a fazer uma parceria com outra que não faça parte do seu grupo, que tenha sócios e diretorias distintas, cometerá infração legal e contratual ao transferir os imóveis locados para outra rede/conglomerado. Independentemente de o prazo do contrato de cinco anos estar em vigor, diante da troca de marcas/empresas no imóvel locado, poderá o locador requerer a despejo por infração contratual juntamente com a multa rescisória, ou estando em andamento a Ação Renovatória, recusar a concessão do novo contrato por prazo determinado e com base no art. 74, solicitar a desocupação.
Alterar quem ocupa o imóvel sem a prévia anuência do locador, agride seu direito de propriedade, o que implica na prerrogativa de escolher para quem deseja alugar. A transferência do seu imóvel para outra empresa, à sua revelia, poderá inclusive lhe causar prejuízo futuro ao desvalorizar o ponto com uma atuação inferior à do inquilino original, além de gerar perda com a renda do aluguel caso esse tenha sido estipulado com base num percentual de vendas da atividade ali desenvolvida.
A compreensão adequada dos princípios da Lei do Inquilinato desautoriza confundir a combinação de transferência a locação para empresa do mesmo grupo com a manobra de tergiversar o trespasse do ponto comercial, sob a alegação da mudança da gestão e a administração da empresa inquilina para outra distinta. Isso afronta o artigo 13 que proíbe a sublocação, ou seja, que outra empresa entre no local já ocupado pelo inquilino que assinou o contrato com o locador. São CNPJs e sócios sem qualquer ligação, sendo mais grave a infração se a parceria é realizada entre concorrentes na mesma atividade empresarial, de maneira que esses tenham ajustado que a “bandeira” do novo ocupante fará sumir a marca do outro para os clientes, ou seja, os imóveis passarão a ser vistos como se todos fossem única empresa, com a mesma logomarca e visual.
LESÃO AO LOCADOR E AOS CONCORRENTES
Para exemplicar o absurdo, exemplificamos um locador que possui um grande imóvel ocupado pela Concessionária Ford, que paga mensalmente o aluguel de R$120.000,00, que fica numa localização que é cobiçada por várias outras marcas de automóveis que pagariam luvas ao locador pelo ponto comercial e um aluguel de R$300.000,00 por mês. Afrontaria a lei e o bom senso, a pretensão do inquilino ganhar com o transpasse da locação, mediante a subterfúgio de ter realizado uma parceria com Ferrari para assumir a gestão da Ford, tendo a nova ocupante reformado o imóvel e inserido nele seu layout típico da Concessionária Ferrari, de maneira que essa continuasse pagando o aluguel de R$120.000,00 para o locador que não autorizou a sublocação.
Essas grandes marcas, diante da sua credibilidade e imagem ilibada, nunca praticariam tal procedimento, pois agem de maneira criteriosa e dentro da legalidade. Evitariam qualquer transação que configurasse sublocação, mas infelizmente há empresas mal orientadas juridicamente que arriscam. A efetivação de manobras criativas, que formatam cenários jurídicos que afrontam a boa-fé e a probidade, podem evidenciar a intenção de prejudicar outro pretendente, do mesmo ramo, que poderia vir ali se instalar e pagar luvas pelo ponto comercial, além de um aluguel melhor para o locador, inclusive mediante participação em percentual de vendas.
Em alguns casos o ponto comercial/fundo de comércio já pertencia ao locador que construiu o galpão para explorar o mesmo ramo do inquilino, não podendo este por meio de um transpasse irregular, frustrar o direito de locador, previsto no art. 52, § 1º, voltar a ter seu ponto comercial para uso próprio. Diante da complexidade das locações comerciais é imperativo que o locador seja bem assessorado juridicamente, para que possa tomar as medidas adequadas, logo que tomar conhecimento dos atos que podem lhe causar danos, pois a demora nesses casos pode agravar os prejuízos.
Belo Horizonte, 03 de maio de 2021.
Artigo publicado na Revista Mercado Comum e no Boletim do Direito Imobiliário, a mais conceituada revista jurídica do Direito do setor imobiliário.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Membro de IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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