Propostas de lei não podem afrontar o ato jurídico perfeito, o problema não é o IGP-M
A situação do mercado de locação continua preocupante para os inquilinos que têm dificuldade de mudar do imóvel, em especial, quando nele foram investidos valores expressivos com obras, reformas, adaptações e a formação do ponto comercial, como acontece nos shopping centers, nas lojas, galpões, terrenos e demais locações. Com o IGP-M que acumulou 32,02% (maio/20 a abril/21), muitos aluguéis superaram o valor de mercado. Forem apensados ao Projeto de Lei nº 1.026, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, os PL 1255, PL 1447 e PL 1538. Todos buscam uma solução para o contrato de aluguel em situações inesperadas como dessa pandemia. Contudo, tratam o assunto equivocadamente, com foco na limitação do percentual acumulado do IGP-M, o que será ineficaz, pois o problema é mais amplo.
Como dissemos no artigo publicado nesta coluna no dia 22/04/21 com o título “Lei pode eliminar distorções dos preços dos aluguéis”, o problema não é o IGP-M, pois este, de tempos em tempos, tem variação inferior ao IPCA, como ocorreu em 2009, 2011, 2014 e 2017. Os milhões de inquilinos que tiveram o aluguel reduzido com a aplicação do IGP-M negativo em 2009 e 2017, não aceitariam mudar o contrato para aplicar o INPC e IPCA, que resultaria em aumento do valor do aluguel.
PROJETOS AFRONTAM OS CONTRATOS EM VIGOR
Os Projetos de Lei apresentados oferecem dispositivos inconstitucionais por ferirem o ato jurídico perfeito. Limitam a liberdade de contratar ao impor determinado índice e impedir a incidência do IGP-M, além de interferir nas relações privadas. No Brasil, conforme inciso VI, do artigo 5º Constituição da República, nenhuma lei pode mudar o contrato que foi firmado antes de sua vigência. Diante disso, não convém quaisquer alterações com os seguintes resultados: 1) que impeça a aplicação do IGP-M nos contratos em vigor, colocando o locador à mercê do inquilino que passará a ter o poder de escolher o índice; 2) que determine que os contratos de locação sejam reajustados somente pelo IPCA; 3) que impeça de serem reajustados até dezembro de 2022.
Quaisquer delas será inconstitucional, além de aumentar os desequilíbrios nas locações e as situações que resultam nas rescisões contratuais. Grande parte dos aluguéis, mesmo após serem reajustados pelo IGP-M, resultam em valor abaixo do preço de mercado, situação que dispensa qualquer intervenção governamental no negócio privado.
Diante disso, reduzir ou impedir o reajuste do aluguel pelo índice que foi contratado, no caso, o IGP-M/FGV, em vários casos acarretaria vantagem indevida para o inquilino e o agravamento do prejuízo para o locador que tem o direito de receber o valor previsto no contrato fechado dentro da lei atual.
O resultado de ideias limitadas ou populistas será o agravamento do conflito, pois o locador, ao se ver lesado, promoverá a Ação de Despejo por Denúncia Vazia, pois assim poderá realugar o imóvel pelo preço justo para outro inquilino.
PROJETO DEVE BUSCAR O EQUILÍBRIO E EVITAR VANTAGEM INDEVIDA
O Projeto de Lei que elaboramos tem como foco impedir que o locador seja beneficiado de forma exagerada em decorrência da alta do IGP-M, bem como impedir que o inquilino pague um valor excessivo diante dos efeitos negativos da pandemia na região onde se localiza o imóvel. Os preços dos aluguéis caíram diante do aumento da oferta, em decorrência da queda do poder aquisitivo e do fechamento de milhares de empresas, em especial, daquelas que foram impedidas de funcionar para atender o distanciamento social.
Os Projetos de Lei que estão em tramitação visam apenas a questão do reajuste, pois criam dispositivos atrelados ao artigo 18 da Lei do Inquilinato, que gerará benefícios a alguns inquilinos e agravará os prejuízos para alguns locadores. Basta analisarmos suas propostas e constatamos essa realidade. Senão, vejamos cada um deles:
PL 1026 – “o índice de reajuste do aluguel residencial e comercial não poderá superar a variação do IPCA”.
PL 1225 – independentemente do índice inflacionário acordado pelas partes, o reajuste do contrato de aluguel não poderá resultar em correção superior a 2 (duas) vezes o IPCA.
PL 1447 – determina o IPCA como índice oficial de reajuste nos contratos de locação enquanto perdurar a emergência de saúde pública decorrente da pandemia de Covid-19. Proíbe o reajuste dos aluguéis residenciais e comerciais até 31 de dezembro de 2022.
PL 1538 – as locações residenciais, microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, empresários individuais e profissionais liberais, terão seus aluguéis reajustados até o limite do IPCA. Determina que os demais índices já pactuados não poderão ser aplicados, salvo se forem renegociados após a nova lei. Prevê o direito do inquilino que estiver pagando aluguel acima do mercado, no período compreendido entre março de 2020 e a data de entrada em vigor da presente lei, poderá entrar com a Ação Revisional, independentemente do prazo de três anos. Este ponto quanto a Revisional é positivo, entretanto, faltam outras circunstâncias e a questão processual para simplificar e agilizar a solução.
NOSSO PROJETO RESPEITA O ATO JURÍDICO PERFEITO E SÓ PERMITE INTERVENÇÃO PONTUAL SE HOUVER DESEQUILÍBRIO
O foco do nosso Projeto de Lei apresentado no senado tem um foco bem diferente, pois cria novos parágrafos atrelados ao artigo 19, ao permitir a Ação Revisional de imediato, desde que catástrofe, epidemia ou pandemia tenha atingido expressivamente o local do imóvel causando alteração do valor de mercado dos alugueis, por mais de três meses. Os novos parágrafos a serem inseridos no art. 19 da Lei do Inquilinato, autorizam a revisão judicial do aluguel de imediato, somente quando o aluguel superar o valor de mercado. Nesse ponto, os valores de locação sofreram distorções desde do início de 2020, sendo que a nova lei respeitará os contratos integralmente. A revisão do valor de aluguel somente poderá ocorrer ante as justificativas da nova lei, inibindo a má-fé, pois o valor justo não se encontra na vontade do locador, da imobiliária ou do inquilino. É “a lei da oferta e procura” que define o preço de mercado, e esse, é apurado com base nos preços de imóveis semelhantes vazios, disponíveis para locação.
No nosso PL inserimos novos dispositivos processuais que permitem ao juiz arbitrar o valor correto rapidamente, por meio de prova técnica simplificada (mais célere, simples e menos onerosa que perícia), que permitirá ao juiz arbitrar o aluguel provisório liminarmente. O locador, ao ser citado, conhecerá a avaliação prévia e poderá medir o custo X benefício de prosseguir com a ação sem chances reais de êxito, podendo encerrar a demanda por meio de acordo, gerando maior estabilidade ao mercado.
As ferramentas são processuais e garantem legalidade, facilitando a visão dos juízes que determinarão se cabe a revisão e quanto deve ser alterado.
Belo Horizonte 07 de maio de 2021.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
kenio@keniopereiraadvogados.com.br