Por advogar há mais de três décadas, várias vezes recebi pedidos para analisar contratos e prestar orientação sem cobrar pelo trabalho. Muitos colegas também passam por essa situação, sendo que quem propõe isso a um profissional, o desvaloriza ao transmitir a ideia de que seu trabalho é menos importante do que da pessoa que lhe solicita o esclarecimento da dúvida ou orientação. Pelo mesmo problema passam os engenheiros, arquitetos, contadores, corretores, professores, decoradores, dentre outros prestadores de serviço.
O trabalho intelectual é mais difícil de visualizar, pois não é palpável como um relógio, eletrodoméstico, móvel ou alimento que a pessoa compra no supermercado ou em lojas. Mas, esse trabalho existe e tem custo, pois para orientar, analisar documentos e elucidar dúvidas investiu anos numa faculdade, em cursos, congressos, pós-graduação, além da experiência adquirida ao longo do tempo. Tempo é precioso e está cada dia mais escasso diante de tantos compromissos que nos exige renúncia ao lazer, ao convívio familiar e a coisas que gostamos para podermos obter nossa renda.
Com a orientação de um advogado, a compra de um imóvel se torna segura para o investimento de suas economias, evitando problemas futuros. Da mesma maneira, contratar um arquiteto e um engenheiro resultará numa obra melhor, com menor desperdício de tempo e materiais, e no caso de um contador evitará pagamentos equivocados de tributos e riscos com o Fisco.
Problemas e prejuízos são evitados com orientação profissional
São comuns os casos de comprador que descobre que o imóvel adquirido possui dívidas do vendedor e que o bem pode vir a ser leiloado em razão disso. O profissional contratado para atuar no caso previamente, faz o levantamento das informações que podem colocar seu cliente em risco, podendo orientá-lo a não fechar o negócio para evitar prejuízo que pode chegar a 40% do valor do bem.
Da mesma forma, o condomínio que pactue que a nova convenção será redigida por um especialista, este instrumento poderá conter regras claras e inibidoras de inadimplência e condutas antissociais, o que evitará litígios e despesas com processos judiciais. Porém, por serem as convenções redigidas por quem não advoga nos litígios imobiliários, o que se constata é a redação de artigos confusos, que afrontam as leis, resultando num documento indutor de nulidades, que estimula mais conflitos do que soluções.
Há também as empresas que economizam milhares de reais em tributos ao contratarem uma consultoria especializada, sendo que o valor pago ao profissional é muito inferior ao que o cliente arcaria em impostos sem sua atuação. Nota-se, portanto, que pagar o honorário advocatício é um investimento, e não custo.
Tempo é precioso e a cada dia renunciamos em prol do que é prioritário
É preciso que as pessoas se perguntem: quanto vale o meu sossego? Quanto vale o trabalho da pessoa que irá evitar ou resolver meu problema? Será que compensa deixar de contratar e correr o risco de ter prejuízo? Se o problema é simples, por qual razão estou solicitando um esclarecimento? Quanto tempo, esforço e investimentos a pessoa dedicou para entender do assunto que eu tenho dúvida?
Ao deixar de analisar essas questões, muitos desrespeitam o profissional qualificado, que investiu em seus estudos para se especializar, ao solicitarem “consultas grátis”, como se um posicionamento técnico fosse uma simples opinião. Pedir para “dar uma olhada no contrato” ou para “dar um palpite numa obra e na decoração de uma casa” para um leigo não ofende, todavia, solicitar isso para quem vive da profissão é desrespeitoso. Enfim, não peça de graça a única coisa que a pessoa tem para vender!
Ninguém se alimenta e paga as contas com agradecimento ou indicação
Sem cobrar por seu conhecimento, como o profissional pagaria seus compromissos, aluguel, empregados, impostos e a manutenção do seu negócio? Relembro o caso do empresário, dono de restaurantes que solicitou a análise do contrato de locação e se surpreendeu quando o advogado disse que cobraria, pois, a única coisa ele tem para vender é o tempo e conhecimento. Disse o empresário: “isso para você é simples, não tem porque cobrar e eu o indicarei para várias pessoas”. O advogado respondeu: “se eu fosse ao seu restaurante com minha família e jantasse, você aceitaria que eu deixasse de pagar por ser simples para você cozinhar? Aceitaria como pagamento eu dizer que gostei do seu atendimento e que o indicarei para meus amigos? ”
Seria muito bom o prestador de serviço perguntar àquele que pede uma consulta ou orientação grátis, o que o solicitante faz para pagar suas contas, alimentação e compromissos. Se o tempo dele tem valor? Se ele entrega o produto que faz ou vende em troca de um agradecimento? Ao receber a resposta de que ele trabalha de graça, poderemos solicitar o telefone e o endereço para indica-lo aos “amigos” para ele receber como pagamento apenas as indicações e agradecimentos.
Belo horizonte 07 junho 2021
Esse artigo foi publicado no Hoje em dia.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG