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CRIMES EM CONDOMÍNIOS PRATICADOS POR SÍNDICOS E CONDÔMINOS

 

Fraude de ata para aprovar locação de antena de celular X A saúde tutelada pelo Direito Penal

                                                                                    Daniela Almeida Tonholli

     O Direito Penal é considerado a ultima ratio. Isso quer dizer que devemos utilizar desse ramo do direito quando nada mais parecer ser eficiente. Mas esse princípio é para o legislador considerar se realmente é necessário criminalizar uma conduta como criminosa. Depois que o crime é tipificado, ou seja, previsto em lei, a norma tem que ser cumprida. Quando um crime deixa de ser processado, isso pode indicar que a própria sociedade deixou de valorar aquela conduta como criminosa e a norma “cai em desuso”. Contudo, observa-se que diante de certas condutas criminosas, os cidadãos sequer têm conhecimento de que se trata de crime. E por isso, estabelece-se a cultura de que há uma permissividade ou possibilidade de agir de certa forma, quando não.
 
    A situação descrita acima é corriqueira em condomínios, com uma justificativa que é acrescida ao desconhecimento da norma penal. Pensam, em regra: em condomínio, a vontade da maioria sempre se sobrepõe aos demais. “Só que não”.

      A soberania da assembleia é norteada pela convenção. Contudo, a convenção é duramente limitada pela lei. Ou seja, nem tudo que está na convenção é legal, e muito menos o que a maioria decide.

     Um exemplo recente, que surgiu a partir do desenvolvimento de tecnologias, é a locação de lajes (telhados, coberturas), em edifícios, inclusive residenciais. Inicialmente, parecia apenas mais uma oportunidade de negócio. Contudo, com a vivência e as pesquisas, passou a ser questionável a segurança dessas antenas em relação à saúde humana. O que parecia uma simples antena que melhoraria o sinal dos celulares, passou a ser uma ameaça à saúde.

     Atualmente, sabe-se que tais antenas de celular, oferecem risco à saúde, existindo pesquisas de grandes instituições, de autoridades científicas, que comprovam a relação delas e o desenvolvimento de doenças gravíssimas, como: câncer, doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson, abortamento, má formação fetal, linfoma, leucemia, entre outros.

    O Programa Nacional de Toxicologia (NTC), ligado ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos, reacendeu o temor quanto aos riscos de quem fica próximo a esses aparelhos, o que abrange os apartamentos do último andar abaixo da antena e os que ficam ao lado da antena de telefonia de outros edifícios. O estudo, coordenado pelo cientista sênior do NTC, John Bucher, demorou 10 anos, e foi concluído em novembro de 2018, tendo demonstrado que a exposição prolongada de 3.000 ratos e camundongos à radiofrequência das ondas eletromagnéticas 2G e 3G foi responsável pelo surgimento de cânceres cardíacos em 5% a 7% dos machos. Os tumores cardíacos identificados crescem lentamente, podendo causar dores e até infarto, sendo que eles acometem as células de Schwann, que atuam na regeneração de nervos do organismo. Foi evidenciado, ainda, cânceres cerebrais e na glândula suprarrenal em 3% dos animais expostos à radiação, conforme matéria publicada no Jornal O Tempo.

     O Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, indicou que o uso de smartphone pode piorar os sintomas de um câncer cerebral já existente.

     Essa pesquisa concluída em novembro de 2018, confirma outras já realizadas há anos, sendo que o cientista John Bucher, informou sobre a possibilidade desse tipo pesquisa ser realizada com humanos: “Estudos de epidemiologia humana estão sendo realizados por outros pesquisadores no momento e estão sendo feitos há pelo menos 20 anos. Alguns apresentam cânceres semelhantes aos que vimos – por exemplo, o tipo de câncer cerebral que observamos é similar a um tipo de tumor cerebral ligado ao uso pesado de telefones celulares em alguns estudos em humanos”.

     As preocupações dos cientistas vão desde o poder de aquecimento do corpo humano, tal como acontece no forno micro-ondas, até danos nos tecidos e mutações no DNA.

DIVERSAS LEIS NO BRASIL PROTEGEM A SAÚDE, FATO QUE INDICA QUE A RADIAÇÃO DAS ANTENAS GERA RISCOS

     O Brasil reconhece esse risco à saúde e legislou nesse sentido, de forma que leis federais e municipais determinam que o projeto de instalação pelas empresas de telefonia celular deve apresentar, dentre outras informações: a distância da antena (mínimo entre 50 a 100 metros conforme o município) de áreas de proteção ambiental, escolas, creches, hospitais, asilos e clínicas onde há internação de pacientes ou locais onde se verifique grande concentração de pessoas.

     A engenheira e pesquisadora da UFMG, Adilza Condessa Dode, produziu tese de doutorado sob o título “Mortalidade por neoplasias e telefonia celular em Belo Horizonte”. As pesquisas desenvolvidas ao longo de 10 anos, indicam que 81,37% de pessoas que moravam a uma distância de 500 metros de uma antena de telefonia celular, morreram de câncer. Os estudos dessa conceitua Doutora fundamentaram a aprovação da legislação na Suécia que inibiu a instalação do 5G, onda essa muito mais potente que a 4G.

     Em diversos estados do Brasil o Ministério Público intervém quando as antenas são instaladas de forma irregular e o argumento é apenas um: a saúde pública. Mas, além do interesse público, há o interesse particular e individual daqueles que, por terem as antenas instaladas sobre suas cabeças, não desejam correr o risco de desenvolverem as doenças possíveis de serem adquiridas ou ter o agravamento de estado de saúde, uma vez que não existe nenhuma forma de prevenção contra tais riscos.

 LOCAÇÃO NÃO PODE SER REALIZADA COM MÁ-FÉ

     Quando uma operadora de celulares escolhe os pontos estratégicos para a colocação das antenas de celulares, resta-lhes convencer o condomínio de lhe locar o espaço. Diante de uma proposta de valor de aluguel, cabe ao síndico do condomínio submeter o caso à votação dos condôminos, sendo exigido o quórum unânime para este caso, entendimento esse consagrado pelos Tribunais de Justiça, tendo em vista a mudança da destinação do telhado e a alteração da fachada.  

     Normalmente observa-se que os condôminos analisam em especial o ganho que terão, ignorando os riscos à saúde, já que muitos sequer o conhecem, ou não acreditam em sua possibilidade. Tornam-se minoria aqueles que ocupam as unidades do último andar, sendo certo que seu risco é maior, pois quanto mais próximo da antena, maior o risco às doenças, sendo evidente a desvalorização da cobertura.

     A reivindicação contrária à instalação da antena é desdenhada e seu argumento de se tratar de saúde é diminuído, em especial, por técnico contratado pela Cia. de Telefonia para palestrar na assembleia de condomínio. Pensam os demais condôminos que o interesse econômico da maioria se sobrepõe ao direito de um pedir para preservarem sua saúde.

 ATA DEVE CONTER TODAS AS MANIFESTAÇÕES DOS PARTICIPANTES

    Observa-se que o interesse econômico é tão feroz, que na assembleia que visa a votação para aprovar o aluguel de espaço para a antena, o síndico, muitas vezes apoiado por outros condôminos, se nega a registrar suas pontuações e advertências. Neste caso, observamos que de má-fé pode caracterizar o crime do artigo 299 do Código Penal, Falsidade Ideológica, uma vez que prevê que “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

     No caso, tratar-se-ia de omissão, não querendo registrar os protestos e justificativas do condômino que pede a não instalação da antena para proteger a sua saúde e de sua família. O condômino que flagra essa omissão deve buscar um outro meio de registro da sua manifestação a fim de produzir prova futura quanto à omissão, conforme orienta o advogado Kênio de Souza Pereira, que preside a Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, que tem defendido inúmeros proprietários de apartamentos de cobertura contrários à instalação da antena no telhado ou ao lado da sua moradia.

 RISCO DE VIR A EXISTIR UM CRIME

     Há uma outra questão criminal que merece atenção, e que exige dos interessados dispender esforços em busca de resguardar seus interesses. É que o Código Penal prevê um crime de perigo chamado de Perigo para a vida ou saúde de outrem, no artigo 132, que diz: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”

Sendo crime de perigo, não temos a necessidade de já ter ocorrido o dano à saúde ou vida do indivíduo. Contudo, é preciso demonstrar que há o perigo, que a exposição é direta e que tal risco, também é iminente. Daí que na prática, o processamento desse crime seria difícil, mas não impossível.

     Neste caso, seria uma medida preventiva notificar os demais condôminos e síndico a fim de deixar registrado que se considera crendo tais riscos, dando todas as informações científicas para a compreensão do caso. A partir de então, se a antena vier a ser instalada, deve-se fazer uma monitoração da condição de saúde dos moradores ou habitantes daquela unidade mais exposta e que reivindicaram a não instalação da antena. Exames periódicos e análise médica regular devem ser guardados. Vejam que, vindo a surgir qualquer das doenças relacionadas à exposição à antena de celular, o crime deixa de ser o do artigo 132 e passará a ser o de lesão corporal. E por mais que tenhamos que discutir o dolo e a caracterização da lesão (que será demonstrada por perícia médica e de engenharia), vindo a existir demonstração dessa relação e evidência de nexo de causalidade entre a radiofrequência e o aparecimento da doença, possivelmente teremos a caracterização da lesão. O dolo, ou seja, a intenção dos agentes, que no caso serão os vizinhos que ignoraram o pedido de não instalação das antenas será analisado considerando o fato que teriam sido informados do risco.

     Se processado, provado o nexo entre exposição e doença e o dolo não for comprovado, teremos o caso da Lesão Corporal Culposa, prevista no artigo 129, § 6º do Código Penal, que diz: “Se a lesão é culposa: Pena – detenção, de dois meses a um ano.” Por outro lado, se dolo, ainda que eventual, ou seja, quem assume o risco de produzir a lesão, fosse evidenciado, o caso seria de Lesão corporal de natureza grave, previsto no § 1ºquando prevê, por exemplo, perigo de vida, com Pena de reclusão, de um a cinco anos. Ou, ainda, a exemplo, a Lesão Corporal Gravíssima, prevista no § 2° do artigo 129 quando diz: II – enfermidade incurável, com pena – reclusão, de dois a oito anos.

     Devemos entender que as autoridades muitas vezes se furtam do dever de apurar e processar, porque quando os crimes não estão muito evidentes, ou não temas certa “tradição” na modalidade que vem sendo praticada, prefere-se, normalmente por instruções de superiores, minimizar sua existência a fim de não serem aumentadas as estatísticas da criminalidade local, ou estadual.

     Cabe a cada um de nós a defesa dos próprios interesses, de maneira célere e profissional.

 

 Esse artigo foi publicado na Revista BDI – Boletim do Direito Imobiliário

 

Daniela Almeida Tonholli

Advogada em Belo Horizonte. Mestre. Doutora. Professora de Direito Penal

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB Federal