A relação comercial, por envolver interesse financeiro, deve ser realizada somente quando não colocar em risco as partes do negócio, pois ninguém deseja sofrer prejuízos, especialmente se forem evitáveis. Quando a questão envolve pessoas que não se conhecem, a impessoalidade facilita a exigência de garantias caso ocorra a inadimplência por uma das partes. Porém, quando há o envolvimento de parentes ou amigos, surge o constrangimento e a preocupação do risco da impossibilidade de pagamento que podem acabar com o vínculo afetivo daqueles que se gostam.
Atenção com a fiança
Na locação de imóveis, a garantia mais comum utilizada é a fiança, pelo qual uma pessoa assegura o pagamento do aluguel ao locador, caso o inquilino não pague, comprometendo-se a perder, até mesmo, seu imóvel para quitar o débito. Ocorre que muitos inquilinos contam com parentes e amigos mais próximos quando precisam de um fiador, mas ignoram o fato de que se houver o débito, restará ao irmão, cunhado ou amigo a obrigação de pagar, sendo que estes podem ter suas moradias penhoradas e leiloadas em razão da dívida da pessoa a quem ajudou. Caso isso aconteça, possivelmente haverá o fim do carinho e da amizade que antes existia entre eles.
Comprometer a relação fraterna é fácil, pois a proximidade permite que os envolvidos tratem diretamente entre si, o que causa mais desgaste do que é necessário. Isso reforça a importância da imobiliária que tem como norma locar para desconhecidos, evitando dessa maneira situações que causam traumas entre familiares. No caso da inadimplência do inquilino, tendo a imobiliária que cobrar do fiador que é parente do devedor, é importante que o fiador se alinhe com a imobiliária que intermediará a solução do problema com rapidez, de maneira evitar conflitos que envolvam toda a família. Poderá ser mais viável encerrar a locação no caso de inadimplência, o que impedirá o aumento da dívida a ser paga pelo fiador.
Ser credor não combina com amor e com relação de parentesco
Situações como a da fiança ocorrem também quando alguém empresta dinheiro a um ente querido, acreditando que receberá integralmente o valor combinado na data certa. Basta ocorrer o atraso para estremecer o afeto, pois o credor que deixa de receber seu dinheiro se sente desrespeitado e desprestigiado pelo amigo a quem ajudou no momento de necessidade, sendo que agora, o próprio credor pode estar precisando do valor que deveria ter sido devolvido. Por outro lado, para o devedor que é cobrado, o credor deveria ser mais tolerante e de maneira absurda, há devedor que qualifica como injustiça ou ganância o desejo do credor de receber o que lhe é devido.
Perder o negócio ou o amigo?
Ao se deparar com o pedido de um amigo ou parente para emprestar dinheiro, um bem ou ser fiador, é preciso refletir sobre os seus riscos, tanto financeiros quanto pessoais. Essa avaliação permitirá decidir sobre a seguir ou não em frente no negócio pretendido. A experiência comprova que é melhor evitar o risco, sendo preferível alugar para um estranho por meio da imobiliária do que diretamente para um amigo ou parente.
Muitos que preferiram arriscar se arrependeram profundamente, pois diante do não pagamento do aluguel ou dos danos causados no imóvel, ao exigir o cumprimento do contrato foram constrangidos, até mesmo por outros parentes que acham que o credor deve ter tolerância sem fim. Há sempre algum parente intrometido que gosta de intervir a favor do devedor e defender que a pessoa que tem algo a mais, deve doar, ser caridoso, deixar de lado, mas este defensor do descumprimento da obrigação, nunca tira do próprio bolso e paga o prejuízo, sendo muito fácil fazer caridade com o patrimônio alheio.
Quer empréstimo? Basta solicitar ao banco ou à financeira
Há alternativas para cada situação, sendo que na locação, por exemplo, além da fiança, há outras garantias, como o seguro fiança, títulos de capitalização ou a caução. No mesmo sentido, deve-se lembrar que quem empresta dinheiro é banco ou financeira, que por motivos óbvios exige garantias e um fiador com cadastro, sendo arriscado contar para pedir tal favor (que gera angustia e preocupação) com alguém com quem se importa. Mas, caso não haja opção, que seja tomado o máximo de cuidado, sendo o contrato a melhor ferramenta para tentar preservar o que é mais valioso, isto é, a boa-fé e o relacionamento entre as pessoas.
Belo Horizonte, 02 de agosto de 2021.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário