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IMÓVEL COM VÁRIOS PROPRIETÁRIOS GERA POLÊMICAS, PODENDO QUALQUER COPROPRIETÁRIO EXIGIR SUA VENDA E ATÉ REQUERER USUCAPIÃO

 

     Quando uma ou mais pessoas são proprietárias de um bem móvel ou imóvel, seja ele um carro, terreno, casa, apartamento ou loja, tem-se a figura do condomínio geral, também conhecido como voluntário, onde os proprietários são considerados coproprietários. Ser coproprietário é ser dono de uma parte do bem sem, contudo, identificar qual é esta cota-parte. O condomínio geral é tratado pelo Código Civil em seus artigos 1.314 a 1.330.

     Esse tipo de condomínio, tratando-se de bens imóveis (casa, apartamento, lote, etc.), difere do condomínio de unidades autônomas localizadas em edifícios justamente pela impossibilidade de se identificar a cota-parte de cada coproprietário, pois todos são donos de uma parte do imóvel inteiro. Assim, o artigo 1.314 do Código Civil define o condomínio geral: “Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.

     Já no condomínio edilício, cada coproprietário é dono de uma unidade autônoma (apartamento, sala ou loja), distinta e definida em relação às demais. Essa unidade possui IPTU, matrícula próprios e, portanto, pode ser alienada sem qualquer relação com as demais.

     No condomínio voluntário, o bem imóvel é único e não passível de divisão física (casa, lote, apartamento), sendo o condômino é obrigado, na proporção de sua cota-parte, a contribuir para as despesas de conservação ou divisão da coisa (transformá-la em dinheiro), assim como suportar os ônus a que estiver sujeita. Por ninguém ser obrigado a ter bens em conjunto, qualquer condômino tem direito de, a qualquer tempo, requerer a divisão da coisa em comum, nos termos dos artigos 1.315, 1.320 e 1.322 do Código Civil (CC):

 

Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.

Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.

1oPodem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.

2oNão poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador.

3oA requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem, pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo.

 Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

 

Unanimidade difícil indica a venda como solução

    Todos sabemos ser difícil obter opinião unânime quanto ao que fazer com um imóvel. Um deseja morar, outro alugar, outro reformar, emprestar para um parente e às vezes vender. Assim, quanto maior o número de coproprietários de um imóvel, maior a possibilidade de conflito. A situação se complica mais quando falece um coproprietário e surgem mais herdeiros aumentando o número de coproprietários.

     Há vários exemplos de casas que se deterioram e perdem a condição de habilidade porque parte dos coproprietários se nega a arcar com as despesas de reforma, do IPTU e de manutenção, já que não usufruem do imóvel. Todavia, a lei possibilita que o condômino que não deseja arcar com as despesas que renuncie ao seu quinhão, conforme art. 1.316 do CC:

 Art. 1.316. Pode o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas, renunciando à parte ideal.

1oSe os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem.

2oSe não há condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida.

 Direito de cobrar aluguel se o coproprietário ocupa com exclusividade

     Se um imóvel pertence, por exemplo, a quatro pessoas, todos têm o mesmo direito de uso e, portanto, de receber, cada uma, 25% do valor do aluguel. Nenhum desses quatro coproprietários pode agir de forma a prejudicar os demais, sendo abusivo e ilógico alguém exigir que o imóvel permaneça fechado, gerando despesas com IPTU, água, energia elétrica e, se for um apartamento, com quota de condomínio.

     Configura pretensão egoísta um comunheiro tentar prejudicar demais, com a atitude de sabotar uma locação ou impedir que o bem seja usufruído, de forma a não gerar renda. Tal conduta deve ser repugnada, pois fere a função social do imóvel prevista no inciso XXII, do art. 5º da Constituição da República e no parágrafo 1º do artigo 1.228 do CC.

     Da mesma forma, se apenas um desses comunheiros ocupa o imóvel, cabe a ele pagar 75% do valor do aluguel de mercado, ou seja, 25% para cada um dos três outros coproprietários, sendo abusiva a insistência de um coproprietário utilizar-se de maneira plena e individual a casa sem pagar a quota parte aos demais, que teriam tal rendimento se um terceiro ocupasse.

     Certamente, ao ser disponibilizado o imóvel para locação, o coproprietário tem preferência em relação a estranhos, nos termos do art. 1.323 do CC:

 Art. 1.323. Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não o é.

     Há casos de má-fé em que um ocupa o imóvel e se recusa a pagar o aluguel aos demais. A lei garante aos coproprietários exigir em Juízo o pagamento. A falta de atitude pode colocar o patrimônio em risco, especialmente quando o imóvel acaba indo para leilão por causa de uma Ação de Execução Fiscal movida pelo Município, por falta de pagamento do IPTU, o que pode ocorrer também em decorrência da inadimplência com a quota de condomínio.

 POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM IMÓVEL COM VÁRIOS DONOS E AS POLÊMICAS COM A CONSTRUÇÃO NO LOTE

     É comum os coproprietários deixarem aos cuidados exclusivos deste ou daquele condômino a sua parte do imóvel. Na maioria das vezes, essa situação se configura de maneira bastante informal e perdura por anos, muitas vezes com total desinteresse de quem não o ocupa. Ocorre que, no condomínio voluntário é perfeitamente possível se configurar o direito a usucapião por parte de quem detém sua posse como se o bem fosse somente dele. Essa possibilidade ocorre por ser, o condômino, proprietário apenas da sua cota-parte e, por isso, se presentes os requisitos da lei, quais sejam, ter a posse e usar/usufruir do bem com exclusividade, com ânimo de dono, de forma pacífica e ininterrupta restará caracterizado o direito a usucapir a cota-parte dos demais coproprietários, por esses nunca irem e não se interessarem pelo imóvel.

    Assim, a bondade, a desatenção dos parentes que não contratam assessoria jurídica e o desconhecimento da lei poderão motivar que os outros coproprietários percam a propriedade para aquele que se apossou do imóvel como se fosse o único dono.

 Construção em parte do terreno e outras complicações

     Diante das dificuldades financeiras de se iniciar uma vida conjugal, muitos pais de família permitem que um dos vários filhos edifique em parte do terreno da casa que a família reside.

     Assim, um dos filhos constrói uma nova casa nos fundos do lote, sem qualquer regularização jurídica e nem divisão do imóvel perante a Prefeitura e ao Ofício de Cartório de Registro de Imóveis. Essa situação ocorre também em imóvel herdado, onde há vários irmãos coproprietários que permitem que um deles faça uma nova moradia no terreno, ou até em cima da laje da casa existente.

    Porém, quando a família resolve vender todo o imóvel surgem os problemas, como por exemplo: se cada um dos filhos é dono de uma cota-parte, por que aquele que edificou outra casa no terreno tem mais direito? Como calcular a cota-parte de cada um, se alguns investiram no imóvel ou gastaram com a sua melhoria e conservação, enquanto outros se recusaram a contribuir?

    Aquele que edificou entende que sua obra vale muito e os demais comunheiros podem argumentar que vale pouco. Além disso, como fica a situação de quem reside no imóvel, já que não tem para onde ir e o seu percentual da venda não lhe dará condições de adquirir outra moradia semelhante? Enfim, essas situações seriam evitadas se houvesse uma orientação jurídica prévia, que elaborasse um contrato com técnica, apto a eliminar conflitos e dúvidas que, às vezes, acabam rompendo as relações familiares.

 Dissolução do condomínio contribui para a harmonia

     Embora indivisível em si a unidade imobiliária, pode, entretanto, o conjunto do patrimônio ser dividido por meio de sua alienação. Inicialmente, têm preferência os condôminos, isto é, se um condômino quer vender o seu quinhão deverá oferecer primeiro aos demais condôminos, de acordo com o art. 1.322 do Código Civil.

    A dissolução pode ser feita amigavelmente ou, ainda, por meio do ajuizamento da Ação de Dissolução de Condomínio que é comum de ocorrer diante da postura de algum coproprietário desejar valor a mais que os demais, gerando assim desgastes e o custo de um processo.

    Em ambas as hipóteses a dissolução se dará mediante a alienação do bem, com a consequente divisão do montante apurado na proporção das cota-parte dos coproprietários, após descontadas as despesas do processo.

    Uma dissolução amigável pode favorecer um negócio mais satisfatório em termos de preço, pois o adquirente não terá a vantagem de contar com os benefícios de um leilão que possibilita a aquisição abaixo do preço de mercado. Uma boa orientação jurídica especializada, racionalidade e determinação são fundamentais para uma solução de maneira técnica.


Belo Horizonte, 28 de dezembro 2021 

Este artigo foi publicado na Revista MercadoComum.
 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Belo Horizonte-MG

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br