Após o IGP-M/FGV sofrer uma grande volatilidade no período de junho de 2020 a maio de 2021, que resultou no acumulado de 37,06%, a Fundação Getúlio Vargas IBRE lançou, em janeiro de 2022, o IVAR (Índice de Variação de Aluguéis Residenciais), que deverá refletir a evolução dos preços dessa variável econômica de enorme relevância. Essa tarefa enfrentará desafios para apurar o real valor das transações (novas, reajustadas e renegociadas) que têm grande diversidade de tipos de imóveis, sendo que a amostragem de apenas 10.000 imóveis se mostra insuficiente para apurar as variações do mercado, sendo que a FGV não esclarece quantas imobiliárias fornecem os dados, pois alega ser sigiloso. Há dificuldade para obter os dados sistematizados, pois para as imobiliárias passarem é exigido tempo e custo que essas empresas não têm como assumir.
Continua a liberdade do locador e do locatário escolherem o índice ou índices que serão inseridos no contrato de locação, sendo que as imobiliárias e locadores somente adotarão o IVAR após avaliarem sua metodologia e viabilidade. Tendo em vista que o IVAR fechou a variação de -0,61% na média nacional, enquanto o IPCA/IBGE fechou em 10,06% e o IGP-M 17,79%, certamente os locadores não adotarão esse novo índice, especialmente, diante do fato dos especialistas em locação, diante da redução da oferta, terem a convicção de que o valor dos aluguéis residenciais não caiu em 2021.
Há uma grande desconfiança quanto à forma de apuração dos dados do IVAR, pois os diretores de imobiliárias têm confirmado que suas empresas que detêm essas informações não foram procuradas pelos pesquisadores, sendo estranho que somente uma imobiliária digital, que diz garantir o pagamento dos aluguéis, conforme divulgou a FGV, tenha sido a fonte de informações da pesquisa. Alguns especialistas têm dito que diante do aumento da inadimplência e as dificuldades enfrentadas por quem faz propaganda de que garante o pagamento, talvez seja interessante passar uma ideia de queda dos preços para reduzir o prejuízo decorrente de garantia. Enfim, a quem interessa alegar a queda do preço dos aluguéis, contrariando todos os índices de inflação e a própria percepção dos empresários que atuam no mercado há décadas?
Quanto aos aluguéis comerciais, diante da desaceleração do IGP-M a tendência é mantê-lo, pois na prática o que temos visto é a boa vontade das partes acordarem o valor conforme o preço de mercado. Tanto é verdade que no decorrer da pandemia foi constatada a redução das ações de despejo.
SEMPRE FOI DIFÍCIL CRIAR UM ÍNDICE CONSISTENTE
Os valores de venda e locação dos imóveis decorrem de diversas variáveis macroeconômicas totalmente independentes, que são afetadas conforme a região, sendo historicamente cíclicos e de longo prazo os momentos de alta, estabilidade e baixa.
O IVAR tem abrangência pequena (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre), muito menor que as 16 capitais que fornecem os dados para o IPCA. Os técnicos da FGV confirmam que essa limitação decorre da dificuldade em agregar esses dados de forma sistemática, mês a mês, pois enfrentam problemas jurídicos e de logística. Justamente por isso, outros índices criados para apurar os aluguéis residenciais e comerciais, como o IPEAD/UFMG (que apurava a variação dos aluguéis em BH) e o IGMI-C (Índice Geral do Mercado Imobiliário Comercial) da própria FGV/IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) foram descontinuados há uns dez anos, por dificuldade de obter dados consistentes sobre os aluguéis comerciais.
Portanto, como especialista com quase quatro décadas atuando com locações, entendemos que ser inviável adotar o IVAR até que ele seja aperfeiçoado, por serem os aluguéis muito heterogêneos. Consiste num mercado mais difícil diante da diversidade de tipos de imóveis, que são muito diferentes dos produtos industrializados e padronizados que possibilitam que os técnicos colham os preços nas prateleiras dos supermercados ou no comércio.
RAZÕES DO MERCADO TER OPTADO PELO IGP-M
Os diversos pacotes econômicos (Plano Cruzado em 28 de fevereiro de 1986, Bresser em 1987, Verão em jan/1989, etc), congelaram os preços, gerando o desabastecimento e o surgimento do ágio sobre vários produtos, em especial, automóveis. A manipulação da apuração real da inflação pelo Governo Federal, que interferiu no IBGE, causou insegurança aos contratantes e empresários.
Diante das constantes interferências governamentais na economia, ao ser criado o IGP-M em 1989, o mercado de locação passou a adotá-lo por ser medido por uma instituição independente, ao contrário do IPCA e do INPC que são apurados pelo IBGE que tem ligação com o governo federal. O setor empresarial passou a preferir o IGP-M apurado pela FGV, apesar de ele não ter sido desenvolvido para indexar os contratos do setor imobiliário.
REVISÃO JUDICIAL TRIENAL DO ALUGUEL E A PRÁTICA DO ACORDO
Até 2020 as diferenças de variações dos índices (IGP-M x IPCA/INPC) não geravam problemas expressivos. Somente após a pandemia ocorreu a elevação exagerada do IGP-M, sendo certo que o valor dos aluguéis passa pelo mesmo problema de tempos em tempos, pois oscila de maneira independente.
A defasagem entre o valor pago e o preço de mercado sempre foi resolvida mediante acordo entre o locatário e o locador ou por meio da revisão judicial do aluguel, prevista na Lei do Inquilinato: “Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”.
A expertise das imobiliárias em apurar o valor de mercado, mediante a pesquisa pontual dos preços praticados em imóvel vagos, semelhantes ao que está sendo renegociado, sempre facilitou o entendimento, e por isso, a discussão em relação ao percentual do reajuste não gera tanto conflitos.
O maior número de atritos, que às vezes resulta no pedido de desocupação do imóvel ou na ação revisional, surge nas locações realizadas diretamente pelo locador, ou seja, sem uma assessoria de imobiliária que atua no sentido de manter a locação conforme o preço de mercado, independentemente da aplicação do índice de reajuste.
DESCOLAMENTO DO IGP-M EM RELAÇÃO AO IPCA FOI ANORMAL
Somente em meados de 2021, diante da pandemia que ocasionou a disparada do dólar e dos preços das commodities, ocorreu a elevação exagerada do IGP-M, que chegou a superar quatro vezes a variação do IPCA no decorrer do período de ago/20 a ago/21, o que consiste numa situação atípica. Essa fase já passou, pois a partir de novembro de 2021 o IGP-M tem perdido força, estando o acumulado de mar/21 a fev/22 em 16,12%, mais próximo ao IPCA/IBGE de 10,54%.
Em breve a diferença entre os índices (IGPs x INPC/IPCA) voltará ao que era antes, ou seja, pequena. É importante entender que os índices variam conforme o cenário e as particularidades que envolvem a sua metodologia, pois basta vermos que em vários momentos o IPCA ficou acima da variação do IGP-M.
A variação do IGP-M em alguns momentos foi negativa, ou seja, já registrou deflação de -1,72% em 2009; 5,10% em 2011; 3,69% em 2014 e -0,52% em 2017. Nesses mesmos anos, o IPCA (IBGE) que é utilizado como meta da inflação pelo Banco Central, teve variação anual de 4,31% em 2009; 6,50% em 2011; 6,41% em 2014 e 2,95% em 2017, sendo esses exemplos dos vários momentos que o IGP-M ficou abaixo da variação do IPCA.
LIBERDADE DO CONTRATO CONSTAR VÁRIOS ÍNDICES
Optar por mais de um índice consiste numa prática legal, que pode, inclusive, evitar atritos entre o locador e o locatário, pois quando o índice é satisfatório para atualizar o aluguel, como reflexo, há a redução das ações de despejo por “denúncia vazia” e revisionais de aluguel que são previstas na Lei do Inquilinato.
A liberdade de pactuar um ou mais índices no contrato tem fundamento nos artigos 104 e 421 do Código Civil, em sintonia com o artigo 28, da Lei nº 9.069/75, que consagra a autonomia da vontade, prevalecendo o ato jurídico perfeito, já que não afronta o artigo 17 da Lei do Inquilinato que proíbe apenas “a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo”. A Lei do Plano Real prevê no art. 28: “Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual”.
Por outro lado, caso o valor do aluguel reajustado supere o preço de mercado, que é apurado com base nos valores de imóveis disponibilizados para locação com as mesmas características, poderá o inquilino optar por mudar para outro local. Por outro lado, o locador que exige um aluguel exagerado, diante da grande oferta existente, corre o risco de ficar com o imóvel vazio, tendo que arcar com seus custos, como IPTU, quota de condomínio, além de perder a renda do aluguel.
Na prática, a pandemia motivou o esvaziamento dos centros urbanos, pois muitas empresas passaram a adotar o home office, gerando a desocupação de milhares de imóveis comerciais, aumentando a oferta e contribuindo para a flexibilização da negociação dos preços. Diante desse cenário, somente com o aperfeiçoamento do IVAR de modo a refletir melhor a inflação dos aluguéis, passarão os locadores a aceitar esse novo índice nos contratos residenciais. Tendo em vista que a maioria dos locadores ter o aluguel como complemento da sua aposentadoria, utilizando-o para pagar inúmeras despesas que são corrigidas pelo IGP-M e até por percentuais maiores (energia elétrica, água, combustíveis, escola, plano de saúde, alimentos, etc) estes não adotarão um índice que reduza os valores que têm a receber, pois seria ilógico.
Belo Horizonte, 28 março de 2022.
Este artigo foi publicado na Revista MercadoComum.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)