Fraudes e calotes são facilitados por falta de transparência, sendo comum os condomínios não conseguirem receber nada, pois, a administradora que comete desvio dos recursos não possui patrimônio para indenizar os prejuízos que chegam a valores inimagináveis. Sem a conta bancária em nome do condomínio, caso a administradora venha a falir, os condôminos ficam no prejuízo, pois não têm a proteção do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) do Banco Central.
Em decorrência do aumento dos casos de administradoras de condomínios que têm falido bem como da dificuldade dos condôminos em obter dados atualizados dos valores que entram e saem do condomínio, constata-se uma grande preocupação dos condôminos quanto aos riscos que derivam da prestação de serviços por meio da conta pool.
Por não ter o condomínio uma conta bancária própria, que possibilite a emissão de extratos e o acesso aos dados da movimentação diária dos recursos da coletividade, há inúmeros relatos da prestação de contas não fechar, ou seja, no momento que o síndico ou os conselheiros desejam checar o saldo da taxa ordinária ou do fundo de reserva aplicado na Poupança ou no CDB, há discrepâncias devido à falta de transparência nessa modalidade de conta.
Embora a conta pool seja utilizada pela minoria das administradoras, pois o mais comum continua a ser a conta vinculada com o CNPJ do condomínio que permite a emissão de extrato pelo banco, é importante os condôminos saberem como a conta pool funciona antes de contratar a prestação de serviços.
A conta pool consiste numa conta bancária compartilhada em nome da administradora em relação a todos os condomínios que administra, ou seja, todo o dinheiro de centenas de condomínios é depositado numa única conta bancária da administradora. Dessa forma, esses valores ficam “misturados”, não tendo cada condômino um extrato específico do banco, pois os valores de entrada e saída são demonstrados pela administradora num relatório elaborado por ela. Esses relatórios “montados” geram dúvidas sobre onde se encontra aplicado os fundos de reserva que contêm valores expressivos, especialmente quando já previsão de obras.
Há banco que em conjunto com a administradora possui sistema eletrônico moderno que permite o acesso de todos os condôminos aos dados diários dos recursos do seu próprio condomínio, por meio de conta gestora que separa os valores de cada condomínio conforme o seu CNPJ. Contudo, são poucas empresas que oferecem essa alternativa que se mostra mais adequada por ser transparente e trazer maior segurança, pois o banco emite um “extrato de fluxo financeiro bancário do caixa condominial” com acesso em tempo real via internet para a administradora contratada, para os síndicos, conselheiros e os demais condôminos. Devem os condomínios se atentarem para esse novo modelo de gestão que se mostra muito bom, bem como para questão contratual que pode ser melhorada com o condomínio sendo assessorado por um advogado especializado.
Falta de segurança facilita prejuízo irreparável
A falta de seriedade na gestão dos negócios no Brasil é uma realidade, sendo inaceitável um síndico agir como se o dinheiro fosse dele, isto é, não pode ele confiar valores que são coletivos a uma administradora sem antes ouvir e avaliar os alertas dos condôminos, especialmente diante das inconsistências contábeis que só surpreendem quem não reflete, tal como ocorreu com as Lojas Americanas e a 123 Milhas.
Dentre as administradoras que deixaram os condomínios no prejuízo, se destaca a Fort House, de São Paulo, que apesar de ter mais de 20 anos de existência, se aproveitou da confiança dos condôminos que não fiscalizavam a conta pool e encerrou as atividades tendo sumido com mais de R$30 milhões pertencentes aos 43 condomínios.
Há notícia de que seu proprietário dizia para os síndicos que os fundos de reserva estavam na Conta Poupança, como determinado pela assembleia. Entretanto, os condôminos afirmam que, na verdade, a Fort House aplicou esses recursos em Bitcoins ou em outros negócios, vindo o dinheiro a desaparecer. Os detalhes desse golpe podem ser vistos nesse link da Tv Record “Síndicos acusam empresa de desviar dinheiro de condomínios em SP”: https://www.youtube.com/watch?v=pGCqo6nkTNo
Exija os extratos do Banco em relação à Poupança
Diante disso, vemos a importância de se fiscalizar as administradoras e as contas dos condomínios. Além disso, considerando que os CDBs estão há tempos remunerando em torno de 13% ao ano, e considerando que a Poupança remunera 6,5%, fica clara a possibilidade da administradora enganar os condomínios e lucrar milhões de reais com o dinheiro que não lhe pertence ao aplicar em outros papéis e produtos financeiros.
No caso da Fort House, o valor de R$30 milhões decorre de apenas 43 condomínios, imaginem o risco das administradoras que giram na sua conta pool os recursos de milhares de condomínios? É bom refletir, pois comenta-se sobre o risco de pirâmide nesse setor. Será que se a maioria dos condomínios sacarem seus recursos de uma vez, a administradora terá tantos milhões na conta corrente?
Cabe ao síndico e conselheiros exigirem os extratos retroativos de pelo menos 12 meses do banco onde a administradora disse que depositou os valores de seu condomínio, para verificar se a aplicação foi realizada como deliberado em assembleia e evitar maiores prejuízos. Na omissão do síndico pode qualquer condômino exigir esses extratos expedidos pelo banco, pois tem legitimidade, já que parte dos valores saíram do seu bolso.
Diante da falta de explicações ou ausência da Conta Poupança, o condomínio pode exigir indenização e romper de imediato a prestação de serviços da administradora por quebra de confiança, pois somente com autorização por escrito poderia deixar de aplicar na Poupança.
Há ainda administradora que maliciosa recebe todos os boletos do condomínio no dia 05 ou 10, mas deixa para aplicar na Poupança somente no dia 27, ou seja, gira e lucra por 17 dias com o dinheiro do condomínio, o que consiste numa atitude inaceitável, sendo direito de qualquer condômino conferir tais situações.
Ilegal administradora agir como banco
Configura ilegalidade uma administradora agir como se fosse um banco, aplicando os valores dos condomínios de forma indistinta e não autorizada e emprestando quantias de um condomínio para o outro sem autorização, sendo tais procedimentos proibidos pelo Banco Central. Os valores dos condomínios que estão depositados num banco estão assegurados em até R$250 mil pelo Fundo Garantidor de Crédito, caso esse “quebre. Inexiste tal garantia se os valores estiverem na conta da administradora, que pode, inclusive, perder tais recursos ou ficar anos sem ter acesso, no caso de um bloqueio judicial ou penhora para honrar suas dívidas, especialmente as trabalhistas, pois todo o dinheiro está no CNPJ dela.
Caso a administradora realize operações financeiras como se fosse uma instituição financeira, pode ser enquadrada em Crime Contra o Sistema Financeiro, conforme art. 16 da Lei nº 7.492/86, com pena de reclusão de até 4 anos, e multa. “Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.”
Falta de transparência gera prejuízos
É importante os condôminos ficarem atentos, pois há condomínios com centenas de unidades, que recolhem por mês valores que correspondem a compra de um imóvel ou de um carro de luxo, sendo fundamental a atenção dos síndicos e conselheiros em fiscalizar, pois a lei exige deles tal tarefa. No caso de omissão, esses podem ser responsabilizados pelos condôminos que os alertaram.
No caso da Fort House, a síndica ficou desconfiada ao perceber que as contas de luz, água e os impostos estavam sendo pagos com atraso, apesar do condomínio ter saldo em caixa. Se tivesse trocado de administradora rapidamente, teria evitado ser uma das entrevistadas na matéria da TV Record divulgou o calote que estava sendo anunciado diante da falta de informações claras e dos pagamentos das contas com atraso.
Belo Horizonte, 25 de setembro de 2023.
Este artigo foi publicado na Jornal do Sindíco.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)
Colunista de Direito Imobiliário da Rádio Justiça do STF, dos Jornais O Tempo, Hoje em Dia, Diário das Leis/Boletim do Direito Imobiliário, Mercado Comum e Jornal do Síndico
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
kenio@keniopereiraadvogados.com.br