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Empresas e edificações antigas: acessibilidade não pode impedir a continuidade das atividades econômicas

Centenas de empresas que exercem atividades há décadas, com alvarás de funcionamento válidos, enfrentam dificuldades para renovar suas licenças devido às exigências de acessibilidade impossíveis de serem implementadas em edificações antigas. Essas imposições por órgãos federais ou municipais, surgem após a abertura desses estabelecimentos e podem causar, prejuízos incalculáveis para negócios que sempre atuaram dentro da legalidade.

Algumas exigências são arbitrárias, afrontando o direito ao trabalho e desconsiderando que as normas de acessibilidade só devem ser aplicadas a construções erguidas após sua vigência. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, é clara ao estabelecer que “a lei não prejudicará direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” Ignorar esse princípio implicaria na necessidade de demolir prédios antigos para atender a exigências (leis, decretos, ABNT) que só se aplicam às novas construções.

Decreto n° 9.451/2018: aplicação somente para novos projetos

O Decreto n° 9.451/2018, que regulamenta a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), determina que os novos edifícios multifamiliares construídos a partir de 2020 incluam itens de acessibilidade nas áreas comuns e, se solicitado pelo adquirente, no interior das unidades. Ou seja, empreendimentos anteriores a essa data não estão sujeitos a tais exigências.  

Condicionar a concessão de alvará de funcionamento à realização de obras estruturalmente inviáveis é inadmissível. Isso força o empresário a abandonar o ponto comercial onde atua há décadas, o que consiste numa afronta aos princípios constitucionais.

Embora seja inquestionável a importância de atender pessoas com mobilidade reduzida, especialmente diante do envelhecimento populacional, muitos estabelecimentos antigos não possuem espaço físico implantar rampas ou elevadores sem comprometer sua estrutura ou sua viabilidade econômica.

Mostra-se ilógico a exigência de modificações que reduzam o tamanho da loja, especialmente com frente pequena, pois isso pode significar a perda de área útil de atendimento, tornando o ponto comercial inviável e  resultando em imóveis vazios, já que se tornam imprestáveis para a atividade comercial.

Hospitais e comércios enfrentam desafios com reformas de acessibilidade

O setor da saúde ilustra bem os equívocos de interpretação da lei. Hospitais que prestam serviços há mais de 40 anos têm sido obrigados a reformar e ampliar banheiros, sala de cirurgia/exames, bem como alargar corredores, mesmo quando tais obras exijam a demolição de estruturas ou cômodos essenciais ao funcionamento existente há décadas. A perda de áreas destinadas a leitos prejudica diretamente a capacidade de atendimento e o faturamento necessário para manter a operação e os funcionários.

A situação se agrava quando a fiscalização é exercida por servidores públicos que, alheios à complexidade econômica da manutenção de uma empresa, impõe medidas que podem levar ao encerramento das atividades, gerando prejuízos ao sistema de saúde.  Tais exigências desconsideram a realidade estrutural dos prédios antigos e compromete a continuidade de serviços essenciais, representa um ônus financeiro significativo.

Esses prejuízos são sofridos por diversos estabelecimentos comerciais, dentre eles: restaurantes, bares, comércios, prestadores de serviços que perdem espaços de áreas de vendas de forma a impedir a continuidade de obtenção de receita. Esses empresários seus empregados não recebem salários ou renda do setor público. Com a perda de clientes fecham as portas ou mudam para outro local, gerando desemprego.

Setor público versus setor privado: duas medidas para a mesma lei

Chama atenção o tratamento desigual entre os setores público e privado. Enquanto este deve se adequar rigorosamente às normas para obter ou renovar alvarás, muitos edifícios públicos continuam operando sem qualquer acessibilidade. Escadas sem rampas, ausência de sinalização tátil, falta de elevadores ou sanitários adaptados são frequentes.

A diferença de tratamento é flagrante: a inexistência de fiscalização efetiva no setor público contrasta com a rigidez aplicada aos comerciantes e empresários, sendo ignorado que esses geram riquezas e empregos.

Essa desigualdade evidencia a incoerência nas políticas de inclusão e gera questionamentos sobre a efetividade das leis que deveriam assegurar a igualdade de direitos para todos.

Só o particular é tratado de forma ilógica, sob a ameaça de multa e fechamento por manter o prédio antigo. Há dois pesos e duas medidas, onde o estabelecimento público tem assegurado seu direito constitucional de irretroatividade das leis.

Segundo levantamento de 2012 realizado pela auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), “a baixa efetividade da fiscalização de normas de acessibilidade para concessão e renovação de alvarás de funcionamento é o que mais contribui para os problemas observados. Também inexistem mecanismos de incentivo para que os órgãos públicos federais promovam melhorias de acessibilidade em instalações físicas voltadas ao atendimento ao público.”

Dessa forma, é essencial que que as exigências de acessibilidade considerem os aspectos técnicos e estruturais das edificações antigas, de modo a não inviabilizar negócios legítimos e não gerar desigualdades entre os setores público e privado.

Normas só valem para projetos protocolados após 26/01/2020

Vale destacar, ainda, que o Decreto nº 9.451 estabelece que apenas projetos multifamiliares protocolados a partir de 26 de janeiro de 2020 devem atender às novas normas de acessibilidade. Condomínios construídos anteriormente estão dispensados de tais exigências, sendo que o mesmo princípio jurídico é aplicável aos imóveis não residenciais e comerciais.

A norma também prevê exceções: unidades residenciais com até dois dormitórios e metragem limitada, reformas de imóveis antigos e regularizações fundiárias não são afetadas.

Portanto, cabe aos fiscais e dos setores que concedem licenças e alvarás de funcionamento buscarem orientação jurídica para compreenderem o alcance das leis e suas limitações para agirem de forma justa e produtiva.

Conclusão

É fundamental que as exigências de acessibilidade considerem as características físicas das edificações antigas, sem inviabilizar negócios legítimos ou gerar distorções entre setores. A inclusão deve ser buscada com equilíbrio, respeitando os limites técnicos e econômicos.

Interpretar as leis de maneira a ignorar a realidade estrutural dos imóveis já edificados e aprovados, impõe obrigações retroativas ferem princípios legais e ameaçam a continuidade de importantes atividades comerciais e de serviços.

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Kênio de Souza Pereira

Consultor Especial da Presidência da OAB-MG

Diretor da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

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Tel. (31) 2516-7008