Advogados estão decepcionados com os abusos dos juízes
Luiza Ivanenko
Kênio Pereira
É inegável que os Juizados Especiais foram criados para facilitar o acesso à Justiça e assegurar celeridade à solução de litígios de menor complexidade. No entanto, o que se observa na prática é o desrespeito às garantias processuais sob o pretexto de simplificação.
Em caso ocorrido em junho/25, verificou-se desprezo à legalidade e à segurança jurídica. Embora já formada a relação processual e apresentada a contestação, durante a audiência de instrução e julgamento, com as testemunhas do Réu presentes, o Autor, por não cumprir sua obrigação legal de levar suas testemunhas, surpreendeu ao requerer a desistência da ação. A advogada do réu, de forma respeitosa e fundamentada, alertou o juízo de que, nos termos do artigo 485, §4º do Código de Processo Civil, tal desistência somente poderia ser acolhida com a anuência da parte contrária, especialmente por ter ficado evidente que a ação seria julgada improcedente, tendo o juiz indeferido o pedido de autor de fazer outra audiência.
Juiz cria lei e faz o que bem entende
Ainda assim, o juiz da causa, ignorando o texto expresso do CPC, deferiu a desistência afirmando que a “Lei do Juizado” o autorizaria a tanto, ignorando que sua decisão não se apoiava em norma legal, mas em enunciado do FONAJE que, embora seja órgão consultivo, não detém competência normativa.
Mais grave, contudo, foi a indiferença do magistrado diante do novo alerta feito pela defesa no sentido de que fomentaria a reiteração da demanda, com o agravante de o autor, agora ciente das teses defensivas e das provas arroladas, pode ajustar sua nova narrativa com vistas a burlar o contraditório e a ampla defesa. O aviso foi ignorado com gritos para constranger e silenciar a advogada do Réu.
Diante disso, flagrante a quebra da hierarquia normativa, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, em nome de informalidade disfuncional a partir do momento em que se é privilegiado um enunciado em detrimento da Lei.
E o alerta se confirmou: em menos de uma semana após a fatídica audiência, o autor propôs nova ação, com os mesmos fundamentos e pedidos.
Com isso, o Juizado, já sobrecarregado, suportará novamente os custos com citação, audiência e reiteração de atos que haviam sido praticados no feito anterior, comprometendo a celeridade e economia processual. A situação revela a naturalização da litigância predatória tantas vezes coibida pelo CNJ, mas que parece encontrar aceitação no Juizado Especial de BH.
A informalidade e simplicidade dos Juizados não autorizam o desprezo às garantias fundamentais do processo. Ao contrário, tais princípios deveriam coexistir com o respeito à legalidade e ao devido processo legal. O caso narrado expõe insegurança jurídica, além de comprometer a racionalidade e a credibilidade do sistema.
Muitos advogados têm evitado o Juizado diante do desrespeito às leis. É urgente resgatar o verdadeiro sentido da Lei 9.099/95, restabelecendo o equilíbrio entre celeridade e legalidade, simplicidade e segurança jurídica. Afinal, não há Justiça onde a legislação é relativizada por enunciados e juízes se tornam legisladores.
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Kênio de Souza Pereira – Consultor Especial da Presidência da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal
Luiza Ivanenko – Advogada da Kênio Pereira Advogados