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QUANDO O PERFUME NO CONDOMÍNIO VIRA CASO JURÍDICO

Entrar no elevador ou no corredor de um prédio e sentir o ambiente perfumado pode, à primeira vista, sugerir um cuidado. No entanto, para algumas pessoas, esta fragrância inicia uma crise alérgica ou intolerância que provoca espirros, tosse, ardor ocular, dor de cabeça e até sensação de falta de ar. O que se pretendia reforçar como sinônimo de limpeza, transforma-se em verdadeiro gatilho de desconforto e risco à saúde, especialmente em ambientes coletivos.
Em condomínios, essa situação pode configurar conduta irregular e potencialmente danosa. O Código Civil exige, no exercício da copropriedade o dever de convivência harmoniosa e respeito ao direito à saúde. O edifício, neste contexto, não é mero espaço físico, sendo o ar que todos respiram bem jurídico relevante.

Evidência científica

Estudos recentes revelam que os produtos perfumados liberam compostos orgânicos voláteis (VOCs) que podem provocar ou agravar sintomas respiratórios, neurológicos e alérgicos. Pesquisa realizada por Anne C. Steinemann apontou que 34,7% da população entrevistada relatou reações adversas ao uso de fragrâncias em ambientes fechados, incluindo coletivo. Ainda, segundo a United States Environmental Protection Agency (EPA), pessoas sensíveis podem sofrer crises de asma ou outras perturbações em decorrência da exposição a fragrâncias em ambientes internos.
Tais evidências reforçam que a presença de aroma em hall ou elevador, especialmente quando crianças, idosos ou pessoas com doenças respiratórias são expostas, podem encadear ou agravar processos alergênicos.

Consequências jurídicas

Quando o síndico ou a assembleia mantem a utilização de odorizadores em áreas comuns, ignorando a existência de moradores que manifestam reações adversas, há afronta ao dever de zelar pela saúde coletiva e à cláusula de boa-convivência.
O direito de vizinhança interno ao condomínio inclui o dever de não causar dano ou incômodo. Assim, persistindo a fragrância geradora de mal-estar, pode haver fundamento para ação indenizatória ou pedido de providências em assembleia, com base no art. 186 e ss. do Código Civil, bem como inobservância do dever previsto no art. 1.336, IV, do mesmo Código

Ar como bem comum

O ar que circunda as áreas comuns constitui bem coletivo imaterial, cujo uso não pode ser comprometido por substâncias que ponham em risco a convivência. À semelhança da proibição de fumar em locais coletivos, aplicar fragrâncias em espaços de circulação coletiva exige cuidado.
Nesse sentido, a assembleia condominial poderá deliberar regra expressa proibindo ou limitando o uso de odorizadores, levando em consideração o direito de vizinhança e a saúde da coletividade.
Em suma, garantir ar neutro nas áreas comuns não é mera etiqueta: é obrigação de convivência, medida de saúde pública e expressão de respeito mútuo. A prevenção e a deliberação coletiva devem nortear a administração condominial e caso um condômino persista em agir contrariamente, deve ser aplicada multa para coibir seu comportamento.
Belo Horizonte, 30 de outubro de 2025.

Confira a matéria completa no Jornal O Tempo

Kênio de Souza Pereira
Consultor da Presidência da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal
Diretor da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Luiza Ivanenko Villela Canabrava
Coordenadora jurídica do escritório Kênio Pereira