Falta de contrato bem elaborado tem resultado em milhares de processos
A informalidade do brasileiro, quando o assunto envolve negócios, é prejudicial, pois a falta de registro do que foi combinado gera dúvidas, polêmicas, sendo o motivo de milhares de processos judiciais de difícil solução diante da imprecisão do que foi contratado.
Confiar na memória, no bom senso e na honestidade do outro, com base na avaliação da própria conduta, tem gerado muitas decepções e prejuízos que poderiam ser evitados. Quem tem má intenção age com habilidade para constranger quem exige que o negócio seja formalizado, desestimulando a outra parte a exercer seu direito, por exemplo, de refletir, de ter sua dúvida esclarecida e de consultar um advogado especializado para redigir um contrato que dê segurança. Falar em “fio de bigode” ou exclamar com quem deseja escrever o que foi negociado: “Você não confia em mim? Acha que irei dar o calote?” É uma tática comum daquele que deseja justamente evitar formalizar e assinar o que combinou, pois assim tentará levar alguma vantagem no futuro, até mesmo se fazendo vítima. Para esse espertalhão, devemos responder: se você vai cumprir vamos assinar, assim ninguém esquecerá e se um de nós falecer, quem nos suceder não terá dúvidas. Temos que ter tranquilidade e isso só é possível mediante um contrato bem redigido.
Falta de acordo escrito causa confusão
Imagine uma compra e venda de um lote no valor de R$200.000,00, sendo pactuado entre comprador e vendedor o pagamento de R$50.000,00 à vista e o restante em 60 parcelas de R$2.500,00 transação essa combinada na frente de duas pessoas. Ocorre que, passados 12 meses, o vendedor exige que o saldo de R$120.000,00 seja corrigido pelo IGP-M na base de 8%, ou seja, mais R$9.600,00, passando o saldo devedor para R$129.600,00. Os pagamentos das parcelas foram em valores fracionados, às vezes via transferência bancária, às vezes em dinheiro diretamente na mão do vendedor, sendo que na pressa não deu alguns recibos. Pronto, está feita a confusão: foi combinada a correção pelo IGP-M ou por outro índice? Ou seriam 60 parcelas fixas? Quem estava perto lembrará desse ajuste? Tem juros de mora, já que o contrato é omisso? O valor pago no 1º ano foi R$30 mil ou só os R$22 mil que constam nos depósitos e nos recibos parciais?
Há também o negócio formalizado em um contrato, como uma locação, mas por falta de cautela, as negociações ocorridas nos cinco anos de contrato, como abatimento de valor em determinados meses e mudança de forma de reajuste são realizadas informalmente e acabam gerando problemas futuros. Ferramentas como WhatsApp são úteis para bate-papos cotidianos sobre assuntos domésticos e descontraídos, mas não substituem um contrato ou um aditivo devidamente assinados, com testemunhas. O mais estranho são os e-mails que parecem charadas, pois as frases incompletas ou a redação resumida, em muitos casos ampliam as dúvidas, já que não são redigidos com os devidos cuidados.
O mesmo ocorre em condomínios, quando surge uma situação complicada que é tratada apenas entre o proprietário e o síndico, que de boa-fé ou para não ter atritos, aprova, por exemplo, uma obra irregular num local do edifício que afeta terceiros. A lei estabelece as formalidades aplicáveis ao caso, como a assembleia e a exigência de aprovação pelo quórum adequado. E-mails não substituem determinados documentos que exigem diversos dados e descrições para terem a validade que se espera.
Formalidade é benéfica, evita gastos e desgostos
A formalidade é importante porque diminui ou elimina dúvidas sobre o que foi combinado. Permite verificar, em caso de um conflito, se houve descumprimento do contrato e quem agiu corretamente. Por outro lado, a informalidade nos negócios pode gerar dificuldades até para o Juiz, caso haja um processo, pois o magistrado poderá não compreender adequadamente o que foi pactuado, não tendo ele tempo disponível para ouvir longas histórias numa audiência, pois tem que julgar milhares de processos.
Um leigo não é obrigado a saber como elaborar um contrato corretamente, devendo contratar o profissional especializado para auxiliá-lo, pois a experiência tem comprovado que é mais econômico investir antes para ter segurança em determinado negócio do que depois gastar muito para reduzir os prejuízos e os aborrecimentos.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Membro do IBRADIM-MG – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário