É comum na compra de apartamentos, salas ou lojas em construção, o comprador pagar parte do valor do imóvel no decorrer da obra e deixar o valor mais expressivo para quitar ao final, mediante a contratação de um financiamento imobiliário junto às instituições financeiras, as quais são cuidadosas na análise da documentação do imóvel para aprovar o crédito.
Matemática financeira, índices para medir inflação e custos de obras, somados a expressões técnicas sobre incorporação imobiliária, podem justificar o susto de compradores de imóveis na planta, ao descobrirem que o valor do saldo devedor subiu de forma assustadora.
Os construtores e incorporadores contam com excelentes advogados que elaboram seus contratos de promessa de compra e venda inserindo cláusulas complexas que permitem a modificação dos índices de correção monetária das parcelas e do saldo devedor (CUB ou INCC), que decorrem da variação dos preços dos materiais e da mão de obra do setor de construção civil, para outros índices, como os IGPs, e, sobre estes sejam aplicados juros de 1% ao mês após determinadas etapas do negócio. O resultado, em algumas situações, são os compradores sendo onerados em mais de R$60.000,00, se exemplificativamente tivéssemos um saldo devedor de R$500.000,00. Se o empreendimento tiver 100 apartamentos e não tendo como os compradores optarem pelo banco que preferem para quitar o saldo com rapidez, por causa da construtora, tal situação poderá fazer esses compradores pagarem a mais até R$6.000.000,00 além do que seria o normal.
Esses aumentos irregulares ou abusivos têm sido facilitados pela enorme variação dos índices que medem a inflação, tendo o IGP e o IGP-M/FGV subido 9,81% em média nos últimos doze meses (ago/19 a jul/20), ou seja, 130% a mais que a média do INCC e do CUB/MG que subiu nesse período 4,27%. A maioria dos construtores é séria, mas há uma parte que age de maneira implacável para lucrar. Em grande parte dos casos, esses construtores têm êxito diante de compradores que ignoram a orientação jurídica especializada para impedir essas cobranças abusivas.
No artigo “Aumentam os riscos de comprar imóvel na planta”, publicado no dia 18/12/19, na coluna do Diário do Comércio, foi alertado que diante da entrada em vigor da Lei dos Distratos, nº 13.786, de 27/12/18, as incorporadoras e construtoras passaram a ter maior liberdade na elaboração de contratos desequilibrados, que geram prejuízos aos consumidores. Basta vermos que as multas exageradas de rescisão que o Superior Tribunal de Justiça julgava ilegais, passaram a ser autorizadas pela nova lei. A partir de 2019, o comprador pode perder 50% de tudo que pagou à construtora, além de pagar a comissão de corretagem, ou seja, passou a ser autorizado por lei, caso o comprador se arrependa, o absurdo de perder até 70% de tudo que foi pago. O Brasil não é para amadores, sendo lamentável a atitude de pedir para um amigo ou um “entendido” dar uma olhada no contrato, pois essa falta de aprofundamento no negócio tem resultado em grandes prejuízos para quem compra na planta sem entender as entrelinhas do contrato.
A morosidade dos trabalhos realizados pelas Secretarias Municipais de Belo Horizonte e em outras grandes cidades em decorrência da pandemia do Covid-19, a falta de entendimento do que seja Habite-se, o desconhecimento das regras dos financiamentos e das questões cartoriais, têm ajudado algumas construtoras a faturar milhões de reais a mais, apenas com a manipulação de cláusulas e índices sobre os saldos devedores de centenas de compradores. Basta vermos as enormes diferenças entre os índices, pois o IGP-M/FGV foi de 2,09% em dez/19, 1,24% em março/20 e 2,23% em julho/20 enquanto o INCC naqueles meses foi de 0,21%, 0,26% e 1,17%, ou seja, em dez/19 o IGP-M subiu quase dez vezes, e em março, cinco vezes a variação do Índice Nacional da Construção Civil (INCC).
Nos últimos 12 meses o INCC acumulou alta de 4,28% e o CUB 4,27%, ambos utilizados para corrigir os valores dos contratos de unidades na planta. Contudo, quando o construtor passa a cobrar a correção pelo IGP, o saldo sobe mais, pois esse acumulou 10,35%, e o IGP-M/FGV, 9,27%. Isso resulta num ganho a mais de até 6% ao ano só com a correção, podendo chegar a 20%, se forem aplicados juros de 1% ao mês. Assim, um saldo de R$500 mil, cresce para R$600 mil facilmente em 12 meses.
As pessoas não têm tempo ou paciência para acompanhar a “dança dos índices”. Entretanto, os construtores são preparados para jogarem com os índices e lucrarem acima do normal ao ludibriarem seus clientes, que reclamam sem conseguir demonstrar onde estão os erros.
O que estimula esse procedimento é a complexidade para se conferir as contas. Por falta de informação, a maioria nem imagina que poderia ter pagado bem menos, inclusive o ITBI e as despesas com os cartórios de notas e de registro.
Tem sido um grande negócio lucrar de 6% a 15% acima do que seria a correção normal sobre o valor a ser pago pelos compradores. Com a Selic a 2% ao ano, as aplicações financeiras estão rendendo pouco. O brasileiro tem memória curta, pois poucos se lembram que nos anos 90 algumas construtoras tinham lucros enormes com as multas rescisórias, decorrentes do fato dos compradores assinarem os contratos sem entenderem seus reflexos. Pelo visto, isso se repetirá, mas agora com o apoio da nova Lei nº 13.786/18, encomendada pelas incorporadoras e construtoras para protege-las.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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