Condomínio não deve pagar defesa criminal de quem fraudou a ata
Uma das questões que mais acarreta discussões nos condomínios é a redação da ata da assembleia, pois constantemente surgem ações alegando sua fraude, tendo o síndico, juntamente com quem contribuiu com a alteração da ata, que indenizar os prejuízos causados pelo ato ilegal. Algumas pessoas assumem a função de síndico sem entender que serão responsabilizados pela elaboração do edital de convocação, bem como pela forma que ocorre a reunião. Compete ao síndico praticar os atos que garantam a segurança e seriedade na reunião, cumprindo assim os preceitos da boa-fé (art. 422), e seus deveres previstos no art. 1.348 do Código Civil. Não sendo assim, o síndico poderá responder judicialmente pelos prejuízos que causar, e crimes que cometer.
É absurdo, mas há síndico que mesmo alertado sobre a necessidade de elaborar a ata de imediato e de não poder impedir a gravação (em áudio e vídeo) da reunião, ainda assim, se opõe, assumindo cumplicidade, ao lado daqueles que preferem a forma incorreta, e se tornando com eles réu num processo civil e penal, já que alteram o teor da ata. Ninguém precisa pedir autorização para gravar a assembleia, sendo um direito de qualquer participante, conforme previsão no art. 417 do Código de Processo Civil (CPC 1973), que fundamentou diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. O CPC de 2015, deixou mais claro o direito de gravar qualquer reunião, inclusive uma audiência, conforme os §§ 5º e 6º do art. 367:
- 5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.
- 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.”
Portanto, se nem um juiz pode impedir que os participantes de uma audiência a grave, muito mesmo alguns condomínios que temem o registro dos seus atos irregulares podem se opor. Quem é honesto, age com boa intenção e respeita a lei e os vizinhos, não se preocupa com qualquer gravação, pois colocará na ata o que realmente ocorreu.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 402.035-AgR, decidiu que: “a gravação feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documenta-la em caso de negativa”.
SÍNDICO DEVE IMPOR A REDAÇÃO DA ATA DE IMEDIATO
A ata consiste no registro fiel do que foi dito pelos presentes, e por isso deve ser elaborada de imediato, da mesma forma que um juiz procede ao colher o depoimento de uma testemunha na audiência. A redação posterior cria reclamações sobre o que foi inserido ou deixado de inserir por aqueles que leem a ata dias depois, gerando novas reclamações dos outros participantes após relerem o que foi alterado. Esse círculo vicioso torna a coleta das assinaturas da ata um transtorno, sendo evidente que insistir nesse procedimento caracteriza falta de bom senso ou a intenção do síndico continuar a fraudar a ata para favorecer algum interesse, cabendo a ele responder nos termos do Código Penal:
“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”
A pena é de reclusão de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa caso o documento seja particular.
QUEM CONTRIBUI COM A MANIPULAÇÃO DA ATA RESPONDE PELO CRIME
No caso da repercussão na esfera criminal, a última parte do tipo penal de Falsidade Ideológica que diz “alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, se presta a abranger a verdade do que ocorre nas reuniões de condomínios. Basta que, ao ter a assembleia gravada e a ata registrada contrariamente ao que realmente ocorreu, uma vez advertido o responsável para corrigir o que a gravação prova que está redigido erroneamente na ata, ao se negar, fica claro que sua intenção era a de alterar a verdade sobre um fato juridicamente relevante. E podemos afirmar que tudo o que se discute em uma assembleia de condomínio é juridicamente relevante, pois se trata dos interesses daquela coletividade, sempre implicando em direitos e deveres. Uma simples alteração de uma data afeta o direito de usucapião, surrectio, supressio, gera a prescrição de uma dívida ou de uma obrigação de fazer/indenizar, não sendo admissível o secretário, presidente ou do síndico se recusar a atender um pedido para inserir na ata o que um participante mencionou na assembleia.
Se o síndico e o presidente desejam evitar esse risco devem aceitar a contribuição de qualquer participante da reunião que se disponha a digitar no computador a ata de imediato, cuja impressão e assinatura devem ser realizadas no mesmo ato para evitar fraude. A pessoa que vier a impedir sua redação de imediato para distorcer o que for escrito na ata, poderá responder pessoalmente pelo ato. Tem o síndico o poder de contratar uma consultoria jurídica para ajudá-lo a impor a condução correta da assembleia.
Agora, se o síndico e seu grupo (presidente, algum conselheiro e o secretário) insistirem em não redigir a ata com a devida seriedade, cabe somente a estes responderem pelos seus atos, por deixarem de agir de maneira profissional, pois deveriam levar um notebook e impressora para elaborar a ata no decorrer da reunião para que todos a assinem ao final da assembleia.
QUEM PAGA A DEFESA PELO CRIME É AQUELE QUE O PRATICA
Diferente de alguns conflitos existentes em condomínios que são de natureza cível, na esfera criminal, não há que se falar que o gasto realizado com a defesa do síndico seja uma incumbência do condomínio. É ilógico o condomínio pagar advogado criminalista para defender qualquer pessoa que tenha fraudado a ata, pois quem comete tal ilícito o faz conscientemente, não tendo a coletividade de assumir despesas que só surgiram em decorrência da má-fé. Esses riscos são viabilizados pelo vício de elaborar um rascunho da ata, deixando de registrar dados importantes, para depois redigi-la entre quatro paredes citando apenas o que interessa a alguns.
CARÁTER PEDAGÓGICO DO PROCESSO PENAL
Vários são os condomínios que passaram a elaborar a ata de imediato após a condenação daquele que a alterou, cabendo indenizar aos que prejudicou. Não pode o síndico agir como ditador e ignorar que deve respeitar o direito dos participantes da reunião (condôminos e seus procuradores) de fazerem constar sua manifestação na ata, sem qualquer subtração ou distorção do que foi dito, pois esse direito é garantido por lei.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
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