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‘CONDO-HOTÉIS’: PROMESSA DE LUCRO ILUDIU COMPRADORES

QUEM NÃO RESCINDIU CONTRATO COM CONSTUTORA TERÁ PREJUÍZO AGRAVADO

     Comprar imóvel é complicado, especialmente quando se trata de uma novidade, como a venda de unidades dos condo-hóteis e apart-hotéis. Desde 2011, alertamos que não haveria demanda para os apart-hotéis e os novos condo-hóteis, lançados com grande euforia para a Copa do Mundo de 2014. Esse tipo de empreendimento deve ter viabilidade por mais de 20 anos e não apenas pelos dois meses de duração da Copa. Frisamos, ainda, que os compradores deveriam ter o cuidado de guardar as propagandas que afirmavam que a compra da unidade hoteleira daria boa rentabilidade mensal, pois essas compõem o contrato. Diversas vezes falamos em entrevistas e nas palestras nos Seminários de Direito Imobiliário sobre a importância de os compradores analisarem os vários contratos (compra e venda, contrato de locação, contrato de constituição de sociedade, contrato de sublocação e outras avenças, além da convenção) de maneira a compreenderem as “entrelinhas”.

     Em outros artigos jornalísticos e no Boletim do Direito Imobiliário, publicamos, no decorrer de 2010 a 2017, artigos explicando que as pessoas estavam sendo enganadas ao deixarem de contratar assessoria jurídica, uma vez que não compraram uma propriedade.  No contrato previa-se que não podiam morar, usar e nem alugar para um inquilino e que o negócio era bom só para o construtor e para a bandeira administradora, pois esses têm seu lucro garantido. Advertimos que, na prática, foi vendida a ilusão das pessoas serem “donas de um negócio” e que somente elas que correm o risco, pois no caso de prejuízos, só os “compradores” arcam. Todavia, essas informações relevantes foram omitidas pelos vendedores marqueteiros para estimular o fechamento do negócio, fato esse que fere o Código de Defesa do Consumidor e a boa-fé nos termos do art. 422 do Código Civil. Poderá o vendedor ser condenado à indenizar o comprador diante a propaganda que integra o contrato. Vejamos uma decisão do STJ:

Consumidor. Recurso Especial. Publicidade. Oferta. Princípio da vinculação. Obrigação do fornecedor.

– O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.

– Se o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu que os imóveis comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica Federal, submete-se a assinatura do contrato de compra e venda nos exatos termos da oferta apresentada. (REsp 341.405/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2002, DJ 28/04/2003, p. 198)

 QUEM ENTROU COM AÇÃO PARA RESCINDIR REDUZIU PREJUÍZO

     Diante do atraso das obras por parte de algumas construtoras, muitos compradores seguiram nosso conselho e optaram por rescindir o contrato de promessa de compra e venda. Tendo em vista que a Prefeitura de Belo Horizonte estipulou uma multa milionária para ser paga pela construtora que deixou de entregar o hotel funcionando, em março de 2014, alertamos que esta não concederia o alvará de funcionamento sem que houvesse o pagamento da multa prevista na lei que autoriza o aumento do Coeficiente de Aproveitamento do terreno em cinco vezes a sua área. Enfim, passados dez anos dos nossos avisos ficamos felizes por termos ajudado inúmeras pessoas a aplicarem em outro tipo de negócio ou a evitarem o pior, pois mesmo com a demora dos processos judiciais, quem rescindiu está em melhor situação, tendo a maioria já recebido o que pagou para a vendedora.

DIREITO DE INDENIZAÇÃO PRESCREVERÁ E BENEFICIARÁ CONSTRUTORA

     Hoje, até os compradores dos hotéis que foram concluídos há alguns anos estão arrependidos, pois em vários casos estão recebendo apenas cobranças em torno de R$1.000,00 por mês para cobrir despesas (ações trabalhistas, custos operacionais da Operadora/Bandeira) já que a pandemia agravou o cenário que já era ruim, não havendo previsão de melhora.

     Vários são os hotéis construídos em locais inviáveis, que nunca geraram lucratividade, pois o construtor objetivou apenas o seu lucro com a certeza de que a maioria das pessoas compram motivadas pela emoção, pois dispensam assessoria de especialistas que poderiam expor os riscos. Bastava um advogado experiente na área imobiliária analisar o contrato para ver a existência de várias armadinhas, como no caso das Construtoras Maio/Paranasa que prepararam um ardil para inviabilizar que os compradores buscassem seu direito na Justiça. No final o estratagema dessas vendedoras deu certo, pois muitos compradores ficaram parados, sem receber seus direitos, correndo o risco de perderem até o que pagaram por causa da prescrição.

COMPRADOR PODE EXIGIR INDENIZAÇÃO NA JUSTIÇA COMUM

     No contrato de compra e venda, o qual é de adesão, a Maio/Paranasa impôs cláusula para que o comprador, caso viesse a discutir ou requerer seu direito referente aos prédios localizados em Belo Horizonte, deveria utilizar obrigatoriamente a Câmara do Comércio Brasil/Canadá (CCBC) localizada em São Paulo, com três árbitros, que cobra em torno de R$166 mil para fazer a arbitragem. A má-fé é evidente, pois foi escolhida uma Câmara Arbitral em outro estado, que cobra dez vezes o valor que a CAMINAS, que fica em Belo Horizonte, exige para promover a arbitragem com um árbitro.

     Aproveitando-se dessa malícia, a Maio/Paranasa tumultuou por 6 anos vários processos que foram propostos na Justiça Comum, alegando que os juízes, desembargadores e ministros do STJ eram incompetentes para julgar os processos decorrentes do seu calote, que lesou centenas de clientes. Após uma longa batalha, o Superior Tribunal de Justiça anulou tal ilegalidade e determinou que a Justiça Comum pode julgar tais processos, não tendo as vítimas que se sujeitarem à abusiva cláusula arbitral.

QUEM TEVE ESPERANÇA PAGARÁ DESPESAS INVÉS DE OBTER RENDIMENTO

     Passados sete anos de atraso, alguns hotéis ficaram prontos e os “compradores” que deixaram de receber o lucro esperado, especialmente dos eventos esportivos, agora têm novas preocupações, ao invés de ficarem felizes com a abertura do hotel.  

     Primeiramente, o alvará de funcionamento é de apenas um ano, pois apenas 1/10 da multa foi paga, o que significa que se a construtora deixar de pagar no ano que vem o alvará será cassado e o hotel fechado. Com a inércia dos “compradores” – que descobriram que não são donos dos apartamentos, mas apenas investidores de um negócio – a cada ano que passa aumenta o prejuízo com a prescrição da indenização que poderiam ter pleiteado judicialmente.

     Daqui a pouco, receberão boletos para pagarem as despesas da Administradora, que tem sua lucratividade garantida, mesmo que sua atuação seja ineficaz, pois aquela foi escolhida por seu parceiro construtor. Há casos de Administradora que canibaliza o hotel, por trabalhar também para hotéis concorrentes, localizados na mesma região, disputando o mesmo público. Portanto, esses dois parceiros, não participam dos prejuízos dos compradores que acreditaram no marketing criativo e assinaram os contratos sem compreendê-los.

 Belo Horizonte, 03 de junho de 2021.

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br