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STJ AFIRMOU QUE FRAÇÃO IDEAL É ABUSIVA PARA DIVIDIR DESPESAS DE CONDOMÍNIO

MINISTRO NEGOU SUA APLICAÇÃO PARA COBERTURA     

     É indiscutivelmente injusta a cobrança da taxa de condomínio calculada com base na fração ideal do terreno que força o proprietário da cobertura pagar a mais que os apartamentos, pois se revela abusiva. Esse sábio entendimento está expresso na decisão do Agravo em Recurso Especial nº 1837019, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicada no dia 1º/07/21. O Ministro Marco Buzzi negou a pretensão do Condomínio do Ed. Murano, que insistia em cobrar o rateio em valor maior das cobertura, apesar desses utilizarem os serviços e as áreas comuns da mesma maneira que ao demais apartamentos.

     Há 26 anos advogamos contra a pretensão daqueles que cobram a quota de condomínio como se fosse um imposto (IPTU e ITBI), pois o fato da cobertura ter um valor venal maior que o de um apartamento tipo não justifica que seu proprietário pague percentuais que variam de 50 a 150% a mais do que é cobrado do apartamento tipo. Isso é ilógico, conforme explicamos no artigo “Perícia elucida dúvidas sobre fração ideal”, publicado na nossa coluna do O Tempo, de 16/07/20, quando anunciamos que recentemente 10 coberturas ganharam no julgamento realizado pela 16ª Câmara Cível do TJMG, o direito de pagar o mesmo valor que os quase 400 apartamentos que compõem um grande empreendimento localizado em Belo Horizonte-MG. 

 PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E PROPORCIONALIDADE SE SOBREPÕEM AOS ARTIGOS 12 DA LEI 4.519/6 E 1.336, I DO CC

     Ficamos felizes com os frutos de nossa luta no esclarecimento do que é justo e razoável, sendo que os magistrados que têm observado a prova pericial estão decidindo com maior acerto, em prestígio aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, à função social do contrato e à boa-fé. O que se paga na quota de condomínio decorre do que está disponível e passível se ser utilizado de forma igual nas áreas externas aos apartamentos. Portanto, seja qual for a unidade (apartamento ou cobertura) estando ocupada ou vazia, cabe ao seu proprietário pagar o mesmo valor pela conservação e manutenção.

     Diante dessa realidade e com o maior conhecimento sobre a matéria, sobre a qual não se questiona a legalidade da fração ideal, mas sim o seu uso equivocado em alguns casos, constata-se que a maioria das construtoras deixou de utilizar a fração ideal para o rateio das despesas condominiais quando no edifício há coberturas e lojas. Essa mudança de posição das construtoras decorre do fato dessas empresas serem dirigidas por engenheiros que dominam a lógica, a matemática e que evoluíram na compreensão das diferenças entre os artigos 12 e 24 da Lei 4.591/64, pois antes eram induzidos a erro por não saberem a diferença entre imposto e quota de rateio. Com a melhor compreensão do que seja tributo, entenderam o erro de pensarem que a quota de condomínio se assemelha a um imposto que se paga conforme o valor do imóvel. Diante das recentes perícias de engenharia, que reiteradamente, confirmaram que as despesas decorrem dos serviços prestados nas áreas comuns (porteiros, limpeza, área de lazer, etc.), e sendo impossível provar que a cobertura os utiliza mais que os apartamentos tipo, ficou evidente que o rateio deve ser igualitário, pois a própria lei proíbe que um condômino utilize mais a área comum que o outro (art. 19 Lei 4.591/64 e art. 1.335 CC).

Vejamos parte da decisão do STJ, publicada no dia 1º/07/21, que merece reflexão diante da sua clareza:

 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1837019 – AL (2021/0039364-3)

DECISÃO

Cuida-se de agravo (art. 1.042 do CPC/15), interposto por CONDOMINIO EDIFICIO MURANO contra decisão que negou seguimento ao recurso especial do insurgente.

O apelo extremo, fundamentado na alínea “a” e “c” do dispositivo constitucional, desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, assim ementado (fl. 75, e-STJ):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPESAS CONDOMINIAIS. DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA QUE CONSIDEROU A IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DA TAXA ATRAVÉS DE CÁLCULO REALIZADO COM BASE NA FRAÇÃO IDEAL DE CADA UNIDADE AUTÔNOMA. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO QUE PREVÊ A CONTRIBUIÇÃO DAS DESPESAS DO CONDOMÍNIO NA PROPORÇÃO DE SUAS FRAÇÕES IDEAIS, SALVO DISPOSIÇÃO EM CONTRÁRIO NA CONVENÇÃO (ART. 1.336). ART. 20 DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL QUE PREVÊ O CUSTEIO DAS DESPESAS MENSAIS NA PROPORÇÃO DAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO “UNIDADES AUTÔNOMAS” QUE NÃO SE CONFUNDE COM “FRAÇÃO IDEAL”, POSTERIORMENTE UTILIZADA NA REFERIDA CONVENÇÃO, EM SEU ART.25.

NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO PREVISTO NO ART. 20 DA REFERIDA CONVENÇÃO. DESCABIMENTO DE COBRANÇA A MAIOR DA TAXA CONDOMINIAL ÀS UNIDADES COM MAIOR FRAÇÃO IDEAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”

 Nas razões de recurso especial (fls. 84-100, e-STJ), a recorrente apontou, além do dissídio jurisprudencial, violação ao art. 1.336, I, do CC e art. 12, §1º da Lei 4.591/64, sustentando que a convenção condominial prevê expressamente a divisão das taxas condominiais em fração ideal.

 […]

Decido.

É que, de fato, ao se considerar que a taxa de condomínio possui o condão de arcar apenas com serviços relativos às áreas comuns do edifício, os quais são prestados de forma igualitária para todos os condôminos (a exemplo de asseio, limpeza, conservação, reparação de dependências comuns, assim como pagamento de funcionários e administrador), tem-se que a cobrança da taxa condominial calculada com base na fração ideal do terreno de cada unidade se revela abusiva e, indiscutivelmente, injusta, posto que onera em demasia o condômino que reside em apartamento de maior proporção e, em contra ponto, beneficia indevidamente os demais moradores do condomínio edilício que possuem unidades de menor área.

[…]

Brasília, 30 de junho de 2021.

MINISTRO MARCO BUZZI Relator

 

DIFERENÇA ENTRE CONDOMÍNIO GERAL E CONDOMÍNIO EDILÍCIO

     A cada dia fica mais evidente que não se pode confundir o condomínio geral, previsto no art. 1315 do Código Civil (CC), que se aplica a um bem (casa, carro, terreno, etc) que tem vários coproprietários que exercem o mesmo direito sobre o mesmo, sendo este indivisível, como as regras distintas do condomínio edilício que consiste em dois tipos de propriedade, tendo a Lei de Incorporação nº 4.591/64 especificado a fração ideal para custear as despesas de construção de unidades vendidas na planta.

Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.

    A Lei do Incorporação criada em 1964 visou propiciar a venda de unidades que ainda não existem, que serão negociadas na planta e em construção e, por isso, estipulou que cada comprador pagaria seu custo conforme o tamanho do apartamento, sala ou loja edificada. Dessa forma, a Lei nº 4.591/64 estabeleceu, na sua 1º parte, que trata da construção o seguinte:

Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei.

Cada unidade será assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação.

2º A cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária.

…….

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

CAPÍTULO III

Das Despesas do Condomínio

Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

1º Salvo disposição em contrário na Convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.

2º ….

4º As obras que interessarem à estrutura integral da edificação ou conjunto de edificações, ou ao serviço comum, serão feitas com o concurso pecuniário de todos os proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades, mediante orçamento prévio aprovado em assembleia-geral, podendo incumbir-se de sua execução o síndico, ou outra pessoa, com aprovação da assembleia.

…..

REPRODUZIR CONVENÇÃO COM REGRA DA INCORPORAÇÃO QUE DIVIDE CUSTOS DA CONSTRUÇÃO E CONFUNDIR TAXA COM IMPOSTO LEVOU A ERRO DE COBRANÇAS INJUSTAS DURANTE DÉCADAS

     O que se constata no decorrer dos anos é que as construtoras, ao elaborarem a minuta da convenção, que é obrigatória para que possam comercializar as unidades na planta (art. 32, alínea “j”, Lei 4.591/64), a qual obviamente prevê a fração ideal para dividir as despesas de construção, deixavam essa mesma regra vigente para os custos de manutenção e conservação, após a entrega dos apartamentos. Foi ignorado por décadas que rateio de obra, prevista na Lei de Incorporação, que prevê a venda na planta (art. 12), não tem qualquer relação com o art. 24, que prevê as despesas após a entrega e ocupação do edifício, pois essas consistem em despesas de serviços conservação e manutenção das áreas comuns, não podendo ser tratadas como se fossem o IPTU.

     Na década de 60 até 80 essa confusão, que decorria da ausência de reflexão sobre a lei –  os construtores focam na produção, na obra – não gerava problemas, pois a maioria dos apartamentos era igual. Todavia, com a evolução da arquitetura, ao entregarem apartamentos com tamanhos diferentes, com lojas no térreo e salas na torre, acabaram criando divisão de custos de conservação e manutenção de forma injusta. Ignoravam o artigo 24, que prevê que tal divisão deveria ser adotada em assembleia, após a ocupação das unidades, sendo que todas são obrigadas a utilizar as áreas comuns de maneira igual (art. 19 e art. 1.335 CC,) ou seja, de forma a não impedir igual uso pelos vizinhos, o que implica também em manter seus custos com base na mesma regra no caso dos prédios residenciais com coberturas e apartamentos.

     A própria cronologia da Lei 4.591/64 deixa evidente a separação das partes (capítulos I, II e II) que tratam da construção, do projeto, da destinação, das regras da convenção que regulamentam a propriedade, do restante. Somente após os capítulos IV e V, que tratam do seguro contra incêndio, da demolição e reconstrução e depois da utilização da edificação que impõe o uso igualitário das áreas comuns (art. 19), que surge o capítulo VI, que prevê no art. 24 que as despesas de conservação, manutenção e dos serviços, as quais não têm qualquer relação com as despesas de construção previstas no art. 12.  Esses conceitos foram reproduzidos no Código Civil de 2002, em vários artigos que regulam o Condomínio Edilício.

Capítulo IV

Do Seguro, do Incêndio, da Demolição e da Reconstrução Obrigatória

Capítulo V –

Utilização da Edificação ou do Conjunto de Edificações

Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todo.

Capítulo VI

Da Assembleia Geral

Art. 24. Haverá, anualmente, uma assembleia geral ordinária dos condôminos, convocada pelo síndico na forma prevista na Convenção, à qual compete, além das demais matérias inscritas na ordem do dia, aprovar, por maioria dos presentes, as verbas para as despesas de condomínio, compreendendo as de conservação da edificação ou conjunto de edificações, manutenção de seus serviços e correlatas.

          A reflexão quanto à finalidade da fração ideal, que é explicada na perícia judicial, elimina qualquer dúvida, sendo que certamente contribuirá para que os magistrados venham a aprimorar os julgamentos na formação de uma jurisprudência que impeça cobranças inaceitáveis que afrontam os artigos 157, 422, 884, 2.035 do Código Civil e que desvalorizam as coberturas e lojas.

 

Belo Horizonte, 15 de julho de 2021.

 Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo. 

Kênio de Souza Pereira

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br