QUEM AFRONTA O DIREITO TEM LEVADO VANTAGEM
Viver em sociedade é desafiador, pois a todo momento nos deparamos com situações abusivas, com pessoas mal educadas, que se acham “donas do mundo”, individualistas, que lesam seus vizinhos, desrespeitam o espaço alheio, agem como se não existissem leis. Essas atitudes antissociais e desonestas têm aumentado também em empresas que não se importam em causar prejuízos aos clientes e consumidores. O ponto que merece reflexão é: por qual razão o desrespeito e o desejo de levar vantagem a qualquer custo têm aumentado?
O fato é que as pessoas estão tão preocupadas com seu bem-estar, focadas em só ter bons momentos que quando têm seu direito agredido se limitam a reclamar na esperança de que outra pessoa tome as providências contra o abusador. Várias são as pessoas enganadas por meio de contratos maliciosos, propagandas, promessas ou em negócios que, mesmo tendo prejuízos, deixam o assunto de lado ao pensar que não vale a pena lutar pelo seu direito. Deixam de fazer contas e depois se arrependem quando constatam o crescimento do prejuízo.
PARA SER FELIZ É PRECISO LUTAR POR SEUS DIREITOS
Péssimo favor têm feito ao Direito, os “coaches da alegria” ao perguntarem: “Você prefere ser feliz ou ter razão?” Esses “gurus” que vendem ilusão, enfraquecem e desestimulam as pessoas a exigirem o que seja correto, pois contribuem com a inversão de valores e promovem o nosso atraso cultural, ou seja, induzem alguns acharem que exigir o que é certo é ser chato. Ser sério nesse país é correr o risco de ser incompreendido.
Para a ordem social essa é uma máxima perigosa, que faz as pessoas abrirem mão de seus direitos e permitirem que indivíduos abusados, audaciosos e ousados se sintam à vontade para transitarem no campo da ilegalidade e conduzirem as relações jurídicas ao encontro da decadência e da prescrição dos direitos.
Diante disso, vemos condomínios e proprietários de apartamentos perdendo o direito de exigirem reparos da construtora, pois agem inocentemente por acharem que o construtor gastará, voluntariamente, centenas de milhares de reais para corrigir erros graves de execução da obra, que após o prazo de garantia custará elevadas taxas extras de condomínio. Da mesma maneira, há aqueles que perdem seus bens para o invasor, que passa a ser o proprietário do imóvel diante do transcorrer do prazo que permite a usucapião.
SENTIMENTO DE PERDA OU DE DESRESPEITO ADOECE A VÍTIMA
Outros ficam doentes diante da aflição de não terem o direito ao sono ou descanso respeitados pelo vizinho barulhento, que utiliza a garagem de forma abusiva, pela goteira do telhado do edifício que danificou os pisos, portas e mobiliário da sua moradia ou pelo cão que late o dia todo e avança nas pessoas no elevador. As leis, boa-fé, os contratos e o direito de vizinhança são afrontados constantes, especialmente nos condomínios onde a proximidade entre as unidades é um fator complicador.
A realidade é que a vítima sente constrangimento de exigir seu direito e quem o lesa sabe disso e, assim, lucra e obtém o que deseja. Sabemos que todos temos direito e deveres. Entretanto, temos presenciado o crescimento de pessoas que rotineiramente cometem abusos, invadem o espaço e o direito do outro, com a certeza de que este nada fará.
QUEM LESA É BEM ASSESSORADO; VÍTIMA DEVERIA FAZER O MESMO
Em grande parte das vezes, quem lesa é bem assessorado e experiente ao conduzir o problema de forma a protelar, gerar documentos ou situações para relativizar o direito da vítima, que não age por inércia e “economia”. Em inúmeros setores empresariais, como o da construção civil, da telefonia e bancário, vemos eles aprimorarem estratégias jurídicas e técnicas em seminários, palestras, cursos e lobbys para levarem vantagens e reduzirem a capacidade de defesa dos consumidores e clientes que pecam por não valorizarem a consultoria jurídica prévia.
Ao final, a vítima fica no prejuízo que supera, em muito, o que gastaria se agisse tecnicamente, com eficácia. Justiça só existe para quem tem força, racionalidade e se indigna.
Sem determinação e coragem não se deve esperar mais do que frustração e consolidação dos danos que poderiam ter sido evitados com ações e investimento na defesa do que é certo, no devido tempo e conhecimento.
Belo Horizonte, 16 de dezembro de 2021
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Belo Horizonte-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
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