Síndico pode ter que indenizar por negligência ou imprudência
Diante das fortes chuvas que resultaram na ruína de alguns edifícios, fato esse que se repete todos os anos em diversas cidades do país, além dos incêndios, muitas pessoas expressam sua preocupação com a perda irrecuperável da moradia, pois lamentavelmente, muitos edifícios deixam de realizar o seguro contra incêndio e desmoronamento, os quais são obrigatórios desde 1964. Uma das principais motivações da realização compulsória deste seguro, que tem baixo custo, decorre do fato de que diante da proximidade das unidades, caso um apartamento venha a sofrer um incêndio, tal sinistro pode se alastrar por todo edifício, e certamente, o causador do dano não terá como indenizar todos os proprietários que perderam a moradia ou local de trabalho.
São inúmeros os casos de incêndios que ocorrem rotineiramente, seja por esquecimento da panela no fogão ou do ferro elétrico ligado, seja por curto no ar-condicionado, no pisca-pisca da árvore de natal ou na fiação, sendo que a maioria são imprevisíveis. Entretanto, mesmo no caso de culpa (negligência, imperícia ou imprudência), raramente, o responsável se mostra capaz de arcar com os prejuízos, razão de se impor a todos os condomínios a obrigação de contratarem seguro logo que o edifício é entregue pela construtora para ocupação.
Os dois diplomas legais (Lei de Incorporação em condomínios e o Código Civil, abaixo reproduzidos) que regulamentam a matéria impõem ao síndico o dever de promover a realização do seguro, sendo obrigatório o pagamento, como despesa ordinária, por parte dos condôminos e dos inquilinos que ocupem as unidades do empreendimento.
Lei nº 4.5991/64 – Capítulo IV
“Do Seguro, do Incêndio, da Demolição e da Reconstrução Obrigatória
Art. 13. Proceder-se-á ao seguro da edificação ou do conjunto de edificações, neste caso, discriminadamente, abrangendo todas as unidades autônomas e partes comuns, contra incêndio ou outro sinistro que cause destruição no todo ou em parte, computando-se o prêmio nas despesas ordinárias do condomínio.
Parágrafo único. O seguro de que trata este artigo será obrigatoriamente feito dentro de 120 dias, contados da data da concessão do “habite-se”, sob pena de ficar o condomínio sujeito à multa mensal equivalente a 1/12 do imposto predial, cobrável executivamente pela Municipalidade.”
Código Civil de 2002
“Art. 1.346. É obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial.
Art. 1.348. Compete ao síndico: […] IX – realizar o seguro da edificação”.
O QUE DEVE CONTER NA APÓLICE E A DEFINIÇÃO DO SEU VALOR
– O valor segurado deverá corresponder o preço da reconstrução da edificação, devendo ser a cobertura ampla, podendo ser utilizado o metro quadrado do CUB, acrescido de alguns elementos como elevadores, projetos, etc. Lembre-se, o terreno não precisa ser segurado.
– A Lei menciona o prazo máximo de 120 dias a partir da concessão da Baixa de Construção para realização primeiro seguro, mas aconselha-se que ele seja realizado logo que iniciar a ocupação das unidades.
– O seguro deverá cobrir toda a edificação contra o risco de incêndio e qualquer outro evento que possa causar a destruição parcial ou total do empreendimento, sendo prudente abranger: desmoronamento, raio, vendaval, explosão, queda de aeronave e impacto de veículos. Caso o local onde está localizado o edifício esteja sujeito a enchente é importante contratar a cobertura de alagamento.
– O seguro poderá abranger outras coberturas, que diante do baixo custo, se mostram viáveis, como danos elétricos (elevadores), quebra de vidros, responsabilidade civil, danos causados pelo portão da garagem aos automóveis, dentre outros, sendo essas facultativas.
– A renovação do seguro é obrigatória, a cada 12 meses, sendo importante atualizar o valor da reconstrução, cabendo ao síndico que promove sua realização, apurar os valores a serem cobertos.
– Conforme a lei, o síndico, responde pela não realização do seguro, dentro dos padrões necessários a garantir o condomínio, podendo ele impor a contratação e realizar a cobrança na quota ordinária de cada unidade, caso a assembleia se mostre inerte.
– O seguro do condomínio cobre apenas os danos à parte estrutural do edifício, a sua reconstrução, ou seja, não abrange os utensílios e o interior das unidades, podendo cada coproprietário contratar pessoalmente esse tipo de seguro separadamente, para proteger os bens que guarnecem sua moradia.
– As apólices em geral não cobrem furtos e roubos, pois tais coberturas têm custo elevado, sendo que a regra é que o condomínio não é obrigado a indenizar objetos ou algo pessoal que seja furtado das áreas comuns, como a garagem. Todavia, se a convenção estipular que o condomínio responderá por tais subtrações, torna-se viável contratar essas coberturas.
– Escolha uma Cia. Seguradora de 1ª linha e evite definir com base apenas no preço, pois o barato pode sair muito caro.
– Contrate por meio de um corretor de seguros profissional e confiável, que atue constantemente com esse tipo de seguro, ou seja, evite os seguros oferecidos por gerentes de bancos, por serem leigos na confecção da apólice. No momento que ocorrer um sinistro, terá problemas se o corretor não for especializado para assessorar na indenização, pois qualquer falha a Cia. Seguradora se aproveita para criar obstáculo quanto ao pagamento. Confira com o corretor de seguros, antes de assinar o contrato, o que a apólice não vai cobrir.
AVCB – AUSÊNCIA DESSE DOCUMENTO COLOCA CONDOMÍNIO EM RISCO
Durante anos, as Cias. Seguradoras têm feito o seguro contra incêndio em milhares de edifícios em todo o país, mesmo sabendo que eles não possuem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVBC). Entretanto, quando acontece o incêndio, o síndico e os demais proprietários são surpreendidos com a negativa de indenização, pois no momento de pagar pelos danos a Cia. Seguradora alega que o edifício está irregular por não possuir o AVCB.
Essa situação absurda foi comprovada e denunciada por nós em 2018, pois como Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, em 2018, enviamos ofício para as maiores seguradoras do Brasil solicitando esclarecimentos, tendo essas respondido por escrito e de forma unânime que entendem que diante da falta do AVCB podem recusar a pagar a indenização.
CONDOMÍNIO DEVE EXIGIR OS PROJETOS E O AVCB DA CONSTRUTORA
O problema é que a maioria dos municípios de Minas Gerais, entre eles Belo Horizonte, concedem a Certidão de Baixa de Construção (mais conhecida como Habite-se) à construtora sem exigir que o edifício residencial ou comercial tenha sido aprovado pelo Corpo de Bombeiros. Várias construtoras não conseguem obter o AVCB por deixarem de realizar as obras pertinentes e não instalarem equipamentos que são essenciais para atender às normas contra incêndio e pânico.
Cabe ao condomínio exigir da construtora os projetos do empreendimento (cálculo estrutural, arquitetônico, elétrico, hidráulico e de incêndio), bem como o AVCB, logo que o empreendimento for entregue aos compradores, pois esses documentos são essenciais para a verificação de que a obra foi executada corretamente.
Quanto mais tempo passar ou deixarem de agir com profissionalismo, pior será para os proprietários que podem perder o direito em decorrência da prescrição e terem que arcar com os gastos com a regularização. Para checar se o prédio tem AVCB, por meio do site:http://www.bombeiros.mg.gov.br/solicitação-via-internet.html.
Havendo falhas e vícios de construção, cabe ao condomínio agir com assessoria jurídica profissional para obter da construtora a regularização de tudo, antes que o prazo de garantia vença. O síndico ou a administradora de condomínio (às vezes, indicada pela construtora) que se recusa a agir pode responder com seus bens pessoais diante da sua culpa ou da postura de proteger o construtor que, às vezes, é seu amigo.
A inércia, a falta de organização e de união dos compradores, além do desconhecimento jurídico, contribuem para que o condomínio perca o prazo para exigir seus direitos e a regularização do edifício.
Belo Horizonte, 17 de janeiro de 2022.
Este artigo foi publicado na Revista MercadoComum.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Nacional
Diretor da Caixa Imobiliária – Rede Netimóveis
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br