Deixar de enfrentar os problemas é a pior atitude, pois tendem a aumentar e podem sair do controle, o que ocorre facilmente numa assembleia onde as divergências se acentuam quando não há espaço para a troca de ideias de maneira educada e respeitosa. As pessoas estão cada dia mais nervosas, impacientes, individualistas e egoístas. Certamente, muitos já ouviram de alguma mãe ou algum pai a seguinte frase: “meu filho terá tudo que eu não tive”. Como resultado dessa criação, apesar da boa intenção, vemos alguns cidadãos que se acham deuses, que não aceitam qualquer regra ou frustração, pois foram criados como príncipes, sem limites, pois desconhecem seus deveres.
Com o crescimento das habitações em condomínios e das áreas de lazer (academia, piscina, sauna, quadra, salão de festas, espaço gourmet), aumentou a proximidade entre as pessoas, sendo que a maior convivência possibilita mais conflitos. Porém, algumas pessoas parecem fingir que eles não existem, pois mantém inalteradas convenções que foram redigidas como se vivêssemos num paraíso, pois tornam quase impossível aplicar sanções aos infratores ou excluídos de morar no prédio.
Brasileiro é violento
Poucos sabem que o Brasil é o campeão do mundo em números absolutos de assassinatos, tendo superado 41.000 em 2021, em pleno cenário de pandemia. O país tem números de homicídios semelhantes aos da Índia, que tem população sete vezes maior. A média é de 112 por dia, superior às mortes da guerra civil da Síria. Das 50 cidades mais perigosas do mundo, 11 são brasileiras, como feira de Santana na Bahia que ocupa o 9° lugar no ranking global, ficando nosso país apenas atrás do México com 18 cidades listadas no ranking, considerando a taxa a cada 100 mil habitantes.
É preciso agir com firmeza
Desde 1964 a Lei 4.591, que regulamenta os condomínios, oferece a possibilidade de aplicar multa, conforme art. 21. “A violação de qualquer dos deveres estipulados na Convenção sujeitará o infrator à multa fixada na própria Convenção ou no Regimento Interno, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal que, no caso, couber.”
Passadas quase seis décadas, ficou evidente o despreparo das administrações dos condomínios em coibirem atos irregulares, seja por omissão ou por falta de conhecimento jurídico, pois insistem em agir de maneira primária, baseada na intuição, razão que acarreta a anulação da multa em juízo. Isso estimula o ambiente de conflito, que muitas vezes resulta em agressões físicas e mortes em condomínios.
Atualizar a convenção
Uma convenção bem elaborada e uma administração séria, que conhece profundamente as leis, são capazes de promover a paz, o que acaba valorizando as unidades. Entretanto, infelizmente, muitas vezes a atuação do síndico fica engessada, pois há diversos condomínios em que a aplicação de multa é submetida à aprovação em assembleia, o que burocratiza a adoção de medidas que podem moralizar a conduta de condôminos antissociais.
Justiça determinou que antissocial não pode residir no apartamento
Poucas pessoas sabem que existem decisões dos Tribunais de Justiça que determinaram a exclusão do proprietário antissocial de residir no apartamento, diante de suas atitudes abusivas que não cessaram com a aplicação de multas. O infrator foi autorizado apenas a alugar, ceder ou vender o apartamento, ou seja, alguns acórdãos dos Tribunais de Justiça o proibiram de infernizar a vida dos moradores, que têm direito à saúde e à integridade física. Entretanto, os procedimentos para que o condomínio tenha sossego contra quem deseja transformar o prédio num “condemônio”, são complexos e exigem investimento financeiro, já que deverá ser modernizada a convenção de maneira profissional para que seja possível inibir infrações e até mesmo agressões que rotineiramente são noticiadas pela mídia, as quais podem atingir nossos familiares.
Atualizar a convenção de forma adequada para possibilitar a aplicação de multa pelo síndico, de maneira técnica, é um grande desafio, pois obter o quórum qualificado exige trabalho profissional especializado, inclusive para demonstrar aos condôminos a gravidade da situação. O problema é que muitos condôminos acham que a aplicação de multa é simples, até que um juiz anule a penalidade, e vindo isso a ocorrer, o infrator acaba ficando mais confiante na falta de autoridade do condomínio.
Belo Horizonte, 25 de abril de 2022.
Este artivo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor Regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)