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INVEJA ESTIMULA CONFLITO EM CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS – (BDI)

   Em um mundo com tantos conflitos ficamos surpresos com algumas maldades que, à primeira vista, são inexplicáveis, especialmente quando praticadas por nosso vizinho em condomínios residenciais, onde se espera maior colaboração e solidariedade. É comum para aquele que pratica o ato malicioso utilizar justificativas ilógicas ou confusas, pois, em geral, o invejoso não tem coragem de assumir a real motivação de sua ação, sendo uma de suas principais características a covardia. Ele distorce os fatos, cria situações confusas e quando indagado para explicar detalhadamente, por escrito, a razão da atitude, que pode às vezes, configurar injúria, difamação ou calúnia, foge do assunto e não assume o que disse. Ele tem pavor de registrar a sua má-fé.

   Numa sociedade consumista e competitiva é um desafio conviver com determinadas pessoas em um condomínio ou no trabalho, onde alguns não sabem disputar, aplaudir o sucesso alheio ou respeitar o próximo.

   Se o invejoso fosse facilmente identificável, ninguém se arriscaria a morar no mesmo edifício, já que este, quando resolve assumir funções de destaque ou participar efetivamente de uma coletividade é capaz de criar situações insuportáveis para sabotar a convivência.

   Com o aumento dos empreendimentos de grande porte, compostos por centenas de apartamentos, lojas ou salas, torna-se imperioso que todos os pedidos, reclamações ou sugestões sejam endereçados por escrito, cabendo ao administrador, síndico, condômino, morador ou ocupante o dever e a elegância de dar recibo na cópia como protocolo para evitar mal entendidos decorrentes da comunicação verbal.

Sucesso incomoda

   A situação é tão grave, que há pessoa que tem medo de se destacar profissionalmente em alguns locais, pelo risco de se tornar vitrine e passar a receber pedradas. Por isso, é comum a maioria dos condôminos ter receio de assumir a função de síndico ou aceitar qualquer cargo na administração do prédio, pois ficará em evidência, podendo colher frutos negativos de sua atuação em defesa da coletividade. Há casos de síndico que promove melhorias, mas essas, por melhor que sejam e apesar de valorizarem o patrimônio coletivo, são criticadas duramente por um ou outro, havendo até insinuações contra a sua honestidade e lisura. O crítico visa denegrir o bom desempenho do gestor, de forma a desvalorizá-lo, sendo que rotineiramente, este é justamente aquele que nunca participa da assembleia ou que vota contra qualquer proposta. Oscar Wilde cita que “o número dos que nos invejam confirma as nossas capacidades”.

   Em maio de 2014, numa palestra ministrada pelo criador da Embraer, em Belo Horizonte-MG, Osires Silva, com sua sabedoria e experiência dos mais de 80 anos de vida, falou que ficava intrigado pelo Brasil não ter nenhum prêmio Nobel, pois quase todos os países, inclusive na América do Sul, têm personalidades que o conquistaram desde 1901, quando foi instituído para estimular o desenvolvimento humano em várias áreas.

   Numa conversa com os suecos da entidade que concede o prêmio, após insistir muito, ouviu a explicação: “Quando um profissional de qualquer país se candidata ao Nobel, todos os órgãos e autoridades do país fazem de tudo para promover o seu patrício. Mas, quando o candidato é brasileiro, as autoridades do Brasil fazem de tudo para derrubá-lo. Vocês brasileiros são os maiores destruidores de heróis deste planeta”. Fica evidente que há algo estranho em nossa cultura, que a maioria se nega a confessar, mas que não vacila para desvalorizar o próximo.  

Magistrado agiu de forma inconfessável para impedir rateio justo do condomínio

   Em 2010, a proprietária de um apartamento de cobertura me contratou para alterar a cobrança da taxa de condomínio pela fração ideal, pois ela pagava 68% a mais que o apartamento tipo, apesar de utilizar igualmente todos os serviços, porteiros, faxina e demais equipamentos das áreas comuns que geram as despesas rateadas.

   O condomínio, como réu, lutou para que não fosse realizada a perícia judicial, pois o engenheiro perito, como em todos os casos semelhantes, facilmente provaria que as despesas das áreas comuns são geradas e usufruídas igualmente, independentemente do tamanho do apartamento, seja ele tipo, térreo ou de cobertura. Só que no referido edifício reside um Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que vamos chamar de “bigode”, condômino do apartamento tipo, que em 2008, em votação unânime, num processo que o apartamento maior pagava 131% a mais que os tipos, entendeu que o rateio deveria ser igualitário, ou seja, julgou contra a aplicação da fração ideal.

   Pois bem, no processo de 2010, de forma estranha o juiz “a quo” indeferiu a realização da prova pericial, mesmo mediante a insistência da autora em pagar o perito judicial, pois consiste num princípio constitucional o direito a ampla defesa, sendo que a realização de uma prova foi ajuda no julgamento mais acertado. É lamentável, mas às vezes, vemos juízes preocupados em julgar por atacado, deixando de aprofundar na matéria que exige a atuação de um perito que elucide aspectos complexos. No final, ele  julgou a ação improcedente, sob o argumento infeliz de que a convenção pode estipular tudo, até mesmo ferir os artigos 157, 884 e 2.035 do Código Civil, os quais proíbem cláusulas que lesem ou criem situação de enriquecimento ilícito. Pelo visto o julgador confundiu a convenção com a Constituição Federal.  

   Diante disso, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Desembargador Relator, já experiente com causas semelhantes, proferido o voto para igualar as taxas de condomínio. O Relator desconsiderou o pedido preliminar de realização da perícia, pois já tinha pleno domínio da tese que defendo há quase 20 anos, de que a fração ideal foi criada para dividir despesas de construção e não de uso e gozo das áreas comuns, pois essas são utilizadas igualmente. Ocorre que, o Desembargador “bigode”, que reside no edifício da autora, fez uma tremenda pressão sobre os Desembargadores Revisor e Vogal deste processo, para negar provimento ao recurso de apelação. Assim, minha cliente perdeu o processo, o qual está em vias de subir para o STJ mediante a interposição do Recurso Especial.

   Agora, vamos ao que interessa. Após esse histórico, me chocou ao chegar às minhas mãos, posteriormente, uma ata de assembleia geral, na qual a proprietária da cobertura não compareceu, mas que pediu que fosse igualada a taxa de condomínio dela com o valor cobrado ao apartamento tipo. Nesta ata, elaborada no dia 16 de setembro de 2011, portanto, depois que a proprietária da cobertura propôs, no dia 1ª de dezembro de 2010, a Ação Declaratória para igualar as taxas de condomínio, o Desembargador “bigode” fez constar literalmente, a pedido dele, como alternativa para reduzir a taxa de condomínio injusta, pelo se dispunha a comprar a vaga de garagem que a cobertura tem a mais que as demais unidades, conforme documento assinado pelo magistrado. Assim, o “bigode” se propôs a pagar um valor insignificante a mais de taxa sobre as vagas que ele adquirisse, tendo alegado que seria um negócio muito bom para reduzir a taxa da cobertura que era 68% maior que a paga pelo apartamento dele. Pelo visto, ele tem dois pontos de vista sobre o que seja justo, pois num processo que julgou em 2008  eliminou a cobrança de 131% a mais sobre a unidade com maior fração ideal, fundamentando tudo numa perícia judicial e em 16 de setembro de 2011, ao analisar o caso do edifício onde mora ignorou o que era justo para forçar que a proprietária da cobertura lhe vendesse a vaga de garagem.  E, ao não ter sua pretensão atendida de comprar as vagas de garagem, quando a vizinha/autora interpôs a apelação no TJMG, foi atrás dos colegas Desembargadores para induzi-los a julgar contra sua vizinha.

   Será porque ele mudou de ideia? Como entender essa mudança radical de posição, se em 2008, em outro processo, o “bigode” e os demais dois Desembargadores eliminaram a cobrança a maior de 131% e igualaram as taxas de todas as unidades tipo com a outra bem maior? E mais, condenaram o Condomínio/Réu a devolver ao Autor o que cobrou a mais nos últimos dez anos, sendo que no acórdão unânime foram reproduzidos vários quesitos da perícia judicial que comprovaram ser o rateio igualitário justo e matematicamente perfeito.

   Assim, passamos a entender a razão de existir acórdãos tão estranhos. Felizmente, caso como esse é uma exceção e isso não me faz desacreditar na Justiça, pois creio que Deus atuará no momento certo!

Não querer que o outro tenha

   O pai da neurociência moderna, Ramón Cajal, explica que “a inveja é tão vil e vergonhosa que ninguém se atreve a confessá-la”. Por isso, é importante identificarmos o invejoso, pois ele não se limita a desejar o que o outro tem ou conquistou. Zuenir Ventura menciona no livro “O mal secreto” que “ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem; inveja é não querer que o outro tenha”. Assim, o invejoso não se limita a ficar triste pelo bem alheio, mas tem prazer pelo mal que pode causar ao próximo.

   Diante dessa reflexão passamos a entender a razão de alguns vizinhos agirem de forma a prejudicar o outro, mesmo que sua anuência não lhe cause qualquer incômodo ou prejuízo. Simplesmente, há pessoas que têm o prazer de evitar que seu vizinho obtenha qualquer benefício, o que é lamentável em condomínios residenciais onde todos deveriam se ajudar em prol de uma convivência harmoniosa e saudável.

 

 

Este artigo foi publicado na Revista Diário das Leis BDI.

 

Kênio de Souza Pereira

Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Conselheiro do Secovi-MG e da CMI-MG

kenio@keniopereiraadvogdos.com.br