A Lei nº 8.245/91 garante ao inquilino o direito de preferência na compra, em igualdade de condições com terceiros, sendo que caso isso não seja respeitado ele poderá anular a transação ao depositar em juízo o valor constante na escritura e, assim, se tornar proprietário. Essa possiblidade está prevista no artigo 33 da Lei do Inquilinato, sendo importante o locador tomar as medidas para evitar problemas, bem como o comprador exigir previamente a comprovação desses procedimentos que exigem técnica jurídica.
O grande problema é que há transação na qual vendedor e comprador ajustam em declarar um valor menor na escritura pública de compra e venda e, diante disso, abre-se a possibilidade ao inquilino de adquirir o imóvel, às vezes, até mesmo por quase metade do preço real de mercado.
Para entender melhor essa situação que decorre da falta de profissionalismo e do desconhecimento das normas legais e fiscais, apresentamos o seguinte exemplo: o locador, por não gostar do inquilino coloca à venda uma loja pelo valor de R$1.500.000,00, sendo que não a oferece a ele, que a utiliza para loja de calçados há muitos anos, tendo criado um ótimo ponto comercial.
Amadorismo custa caro numa transação imobiliária
O vendedor encontra o comprador que lhe paga o valor de R$1.500.000,00, mas este solicita que a escritura seja passada por R$800 mil já que parte de sua renda é informal. O vendedor gosta da ideia, pois assim reduzirá o valor que terá que pagar ao Fisco, já que na sua Declaração do IR o imóvel consta no valor de R$600 mil. Ao fazer a escritura constando R$800 mil, pagará o lucro imobiliário de 15% sobre R$200 mil, ou seja, economizará R$105 mil, pois pagará apenas R$30 mil. Se fizesse a escritura pelo valor real o lucro imobiliário a ser pago seria de R$135 mil.
Dessa maneira, a transação é fechada e o comprador notifica o inquilino para desocupar a loja no prazo 90 dias, ficando este surpreso ao saber que a lei autoriza a rescisão do contrato de locação e promovido seu despejo mesmo faltando três anos para vencer o prazo combinado.
O inquilino, que pode ser esse comerciante ou mesmo uma dona de casa que reside em um apartamento, fica aflito com tal situação, que é comum de ocorrer. Só que a lei os protege dessas irregularidades, pois o vendedor, bem como o comprador, que ignoram as particularidades jurídicas podem ter vários problemas.
Locador que ignorar a lei beneficia o inquilino
O inquilino, ao ter acesso ao registro imobiliário junto ao Ofício de Registro de Imóveis, poderá anular a venda ao depositar o valor da compra em juízo, evitando assim o despejo ao se tornar proprietário. O detalhe é que pagará apenas o valor de R$800 mil que consta na escritura e no registro desta. Caso o inquilino não tenha recursos financeiros para comprar o imóvel, poderá optar por reclamar do vendedor a indenização por perdas e danos, os quais deverão ser comprovados.
Todavia, na maioria das vendas de imóveis locados, o locador/vendedor respeita o direito de preferência do inquilino e assim protocola junto a este a notificação prevista no artigo 27 da Lei do Inquilinato, que concede a ele 30 dias para que pague o valor ofertado. Passados 30 dias do recebimento da carta de oferecimento, o inquilino, por não ter esta quantia integral, não se manifesta e assim perde sua preferência, ficando o locador/proprietário livre para vender a quem desejar. Entretanto, se o vendedor fechar o negócio por valor menor, como no exemplo citado, deverá tomar medidas jurídicas para evitar o risco de ter a venda anulada.
Contrate previamente um advogado para avaliar contrato e a desocupação
Outro problema comum é o comprador que deseja adquirir o imóvel para seu uso próprio deixar de analisar se o inquilino irá desocupá-lo amigavelmente ou se terá que propor uma ação de despejo e se deverá indenizar alguma obra que este realizou no imóvel. Consiste ingenuidade confiar em promessas verbais e deixar de formalizar o que for acordado com um documento que seja aceito em juízo, para a hipótese de que este não seja cumprido.
A Lei do Inquilinato é complexa e contém diversos dispositivos que deixam de ser analisados pelo vendedor ou pelo comprador, que podem lhe causar transtornos e prejuízos por não terem sido orientados juridicamente, de maneira cuidadosa.
Corretor não é advogado
Não cabe ao corretor de imóveis e nem à imobiliária aprofundar em questões jurídicas que exigem grande conhecimento, pois a função do corretor é aproximar as partes e estimular a conclusão do negócio para assim obter a sua justa remuneração.
Como regra, a aquisição do imóvel exige reflexão prévia sobre o que ocorrerá após a sua conclusão, em especial, os desdobramentos na área tributária e em relação a posse do bem, sendo um erro utilizar modelos padronizados de cartas e contratos por não atenderem determinadas particularidades.
Belo Horizonte, abril de 2023.
O resumo deste artigo foi publicado na nossa coluna do Revista MercadoComum.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliária
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Colunista de Direito Imobiliário da Rádio Justiça do STF, Itatiaia, Jornais O Tempo, Diário do Comércio, Hoje em Dia, Jornal do Síndico e do Boletim do Direito Imobiliário/Diário das Leis