Muitos proprietários descobrem a existência de problemas no seu apartamento, sala ou loja no momento de vende-la, ao tentar fazer o registro da escritura de compra e venda ou do contrato de financiamento imobiliário na matrícula do Ofício de Registro de Imóveis, procedimento este essencial para transferir a propriedade. Esse fato se dá nos condomínios que a construtora elaborou um projeto e a convenção, mas no decorrer da obra alterou sua configuração, a tipificação de algumas unidades ou criou novas áreas construídas sem aprovar novo projeto perante o município e corrigir a convenção junto ao cartório de registro de imóveis.
Passados 20 ou 30 anos vemos vendedor sendo surpreendido com o Oficial do Registro de Imóveis se recusando a aceitar a escritura ou o contrato de financiamento imobiliário (que tem força de escritura), fato esse que impede a liberação do recebimento do financiamento pelo vendedor, ficando esse valor retido na conta do banco. Diante desse imbróglio, ocorre conflito que pode gerar grande prejuízo para o vendedor que deixa de ter condições de quitar seus compromissos ao não receber o valor esperado.
Comprador recebe o imóvel, mas terá problema para revendê-lo
Nesse caso, o problema prejudica também o comprador do imóvel que passa a não poder negociá-lo. Até mesmo no caso de falecimento do comprador, seus herdeiros terão dificuldade em receber o bem por meio do inventário, pois o Oficial Registrador, por ser fiscal da lei, não realiza o registro da transferência da propriedade se constatar irregularidade, mesmo que essa não tenha sido detectada nas transações anteriores.
Esse problema tem aumentado, pois os novos oficiais registradores são mais atentos e ao perceberem que seus antecessores agiam de maneira menos cuidadosa, passam a exigir a correção das pendências. Dentre as pendências, estão alterações realizadas na obra pelo incorporador ou construtor de maneira informal, pois ignorou sua obrigação de comunicar à prefeitura os acréscimos ou ajustes que fez, como por exemplo, a desistência da construção de um bloco de apartamentos, deixando parte do lote com indefinições ou a utilização de um espaço vago para edificação de andares de garagem.
Construtora deixa “bomba” que estourará no futuro
Geralmente os compradores deixam de avaliar a convenção e se os registros dos apartamentos, lojas, salas e garagens estão em sintonia com a Certidão de Baixa de Construção (também denominada Habite-se), pois tal tarefa exige muita expertise do advogado que é contratado para assessorar a transação, não sendo a imobiliária e nem o corretor de imóveis apto para aprofundar nessa matéria.
O construtor, apesar de bem intencionado, ao mudar de ideia, alterar alguma unidade ou parte do que foi efetivamente aprovado no projeto inicial, a partir do momento que inicia a promoção das vendas, comete a falha de não investir na regularização dessas alterações que muitas vezes são complicadas, por implicarem também na alteração da convenção. Visando apenas economizar, não refaz o projeto e nem contrata um advogado especializado para aprimorar a convenção, pois sabe que quase ninguém será capaz de perceber os equívocos ou impropriedades que permanecerão ocultas até que o Oficial as detecte e exija a regularização.
Deixam uma “bomba relógio” que os Oficiais dos Cartórios a detonam, e a partir daí se recusam a registrar a venda de qualquer unidade.
Boa-fé não gera dever de indenizar, mas se vender sabendo caberá multa
O vendedor que fez a transação sem saber dessas pendências tem o dever de arcar com os custos da regularização, não podendo o comprador alegar má-fé, pois o vendedor as desconhecia por permanecerem ocultas por anos. O fato do problema não ter sido detectado pelo Registrador anterior durante vários anos pode indicar que os condôminos também foram enganados pelo incorporador ou construtor que deixou de tomar os devidos cuidados.
Bem diferente é se o proprietário, tendo conhecimento das pendências, mesmo assim realiza a venda da unidade e o comprador que virá a ter problemas com o registro da escritura, o que configura a má-fé. A venda, sem a prévia ciência do comprador quanto ao risco de ter um imóvel com pendências, motiva a rescisão da transação, bem como a condenação de pagar ao comprador a multa por infração contratual e demais despesas pelo desfazimento do negócio.
Dever de todos regularizarem e o desafio para qualquer advogado
O trabalho para corrigir essas pendências é desafiador para qualquer advogado, pois implica em esclarecer questões complexas para dezenas de pessoas, muitas delas avessas ao dever de atender os requisitos da lei. É imperiosa a união de todos os condôminos para arcarem com os custos de regularização da documentação do edifício, pois um imóvel sem documentação correta perde até 35% do valor de mercado. Consiste numa atitude temerária qualquer proprietário colocar sua unidade à venda sabendo do problema que impede a transferência do domínio da propriedade para o futuro comprador.
Estando a maioria simples disposta a regularizar, os demais condôminos também são obrigados a arcar com as despesas, que apesar de serem elevadas, se tornam baixas diante dos benefícios que todos terão ao terem um bem passível de ser vendido ou herdado.
Belo Horizonte, 14 de agosto de 2023.
Artigo resumido publicado no Jornal Hoje em Dia.
Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.
Kênio de Souza Pereira
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
kenio@keniopereiraadvogados.com.br