Milhares de proprietários de imóveis correm o risco de ter grandes problemas com a transferência de seu patrimônio para os herdeiros, quando ocorrer a sucessão, podendo até perder sua propriedade por não terem a escritura de compra e venda registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Consiste num equívoco pensar que a propriedade está segura com base apenas no “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, porque este documento particular não impede que o imóvel seja vendido duas ou três vezes e nem que seja penhorado por causa de uma dívida do vendedor, que continua a figurar, para fins legais, como proprietário no Cartório de Registro de Imóveis.
O Código Civil de 2002 confirma no artigo 1.245 que, enquanto não se registrar a escritura, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.245. “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
- 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
- 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.”
Desde 1916, o Código Civil, no artigo 530 já determinava a obrigação prevista no atual artigo 1.245 do Código Civil, o qual impõe que a propriedade do imóvel se adquire pela transcrição da escritura pública de compra e venda lavrada no Cartório de Notas, que deve ser registrada no Cartório de Registro do imóvel. A acessão, a usucapião ou a herança são outras formas de aquisição do imóvel, mas de qualquer maneira a comercialização dele sempre dependerá da regularidade de sua documentação no Cartório de Registro de Imóveis, bem como na Prefeitura, especialmente quanto ás áreas do terreno e da edificação.
PROFISSIONALISMO REDUZ RISCOS DE PREJUÍZOS
Diante da falta de regularização no Cartório de Registro de Imóveis, caso o vendedor sofra uma ação de execução por uma dívida, haverá risco do credor/autor da ação requerer a penhora do imóvel negociado e, consequentemente, este tentará leiloá-lo para receber seu crédito. Nesse caso, o comprador que “dormiu no ponto” e não registrou, suportará elevados gastos judiciais, pois terá que contratar um advogado para postular embargos de terceiros em juízo, para tentar convencer o Juiz de que o imóvel não mais pertence ao vendedor.
O fato do comprador raramente efetuar negócios imobiliários, o excesso de confiança, aliado ao desconhecimento das complexidades que envolvem uma compra e venda do imóvel, criam situações que deixam a propriedade numa situação de risco que perdura por anos, sendo comum os herdeiros descobrirem os problemas somente na abertura do inventário, após o falecimento do dono.
Muitos confundem a função do corretor de imóveis, que tem como principal objetivo aproximar o comprador do vendedor, ajustando os pontos de interesse, visando promover o fechamento do negócio, pois ao eliminar os pontos divergentes, faz por merecer seus honorários pela intermediação que é concluída mediante a assinatura do “contrato de promessa de compra e venda”.
Enganam-se aqueles que pensam que o corretor de imóveis tem a obrigação de aprofundar-se na situação jurídica das partes e do imóvel, além do seu alcance técnico. Cabe a um advogado especializado analisar situações jurídicas mais complexas que afetam a compra, tais como: ações de cobrança, execução judicial sobre o imóvel ou sobre o vendedor, penhora, alienação fiduciária, hipoteca, usufruto, adjudicação, dívidas fiscais, trabalhistas, usucapião, contratos de diversos tipos, impedimentos quanto à capacidade das pessoas, inventários, alvarás, etc.
O imóvel é considerado o investimento mais seguro do mundo, mas requer determinados procedimentos para que o vendedor e/ou comprador não sejam surpreendidos com problemas. A maior parte dos prejuízos que geram milhares de processos judiciais decorre da postura do comprador ou vendedor negociar o imóvel, que envolve, muitas vezes, toda a poupança de uma vida, sem qualquer assessoria isenta, como se estivesse comprando uma peça de roupa. O problema é que essa mercadoria, quando tem defeito, é difícil de trocar e a sua regularização via processo judicial custa em torno de 15 a 30% do preço do bem. A assessoria jurídica visa proteger a parte que a contrata, de maneira a evitar o fechamento de um negócio com risco acima do aceitável, sendo ilógico o comprador exigir que aquele que somente será remunerado se a transação for concluída, aprofunde em questões complicadas que possam derrubar a compra.
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA É LIMITADO
Alguns compradores acham que o Contrato de Promessa de Compra e Venda é o suficiente para concluir o negócio. Enganam-se. O único documento hábil para configurar a compra segura do imóvel é o registro da escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis. O contrato particular de promessa de compra e venda não transfere a propriedade, pois é um documento preliminar, de ajuste entre o promitente vendedor e o promissário comprador, gerando apenas efeitos obrigacionais. O domínio do imóvel, também denominado posse indireta, somente é transferido para o comprador mediante o registro da escritura. Neste ponto, podemos citar como exemplo o art.8º da Lei do Inquilinato, que permite que o novo adquirente romper o contrato de locação por prazo determinado, a partir do momento que este registra a escritura de compra e venda. Portanto, diante do fato do comprador do imóvel locado adquirir o domínio, a lei o autoriza a despejar o inquilino que tem a posse direta, mesmo que o prazo do contrato de locação não tenha vencido. Com um simples contrato de promessa de compra e venda, não haveria como o comprador obter a posse direta numa locação em pleno vigor.
Na compra de imóvel na planta, ou seja, nas incorporações, deve-se registrar o contrato de compra da fração ideal para evitar que a construtora hipoteque ou faça a alienação fiduciária da unidade adquirida mediante empréstimo numa instituição financeira. Este registro evita também que o comprador seja prejudicado caso a construtora venha a falir, pois sua unidade estará livre de ser disputada pelos credores na massa falida.
ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DA ESCRITURA PÚBLICA
Após assinar a promessa de compra e venda, nada impede que o vendedor, mesmo após ter recebido o preço ajustado, se arrependa, ou seja, se recuse a assinar a escritura de venda do imóvel. Caso isso aconteça, restará ao comprador entrar em juízo com uma ação de preceito cominatório, para que o Juiz obrigue o vendedor a confirmar a venda ou então o condene a perdas e danos.
O comprador que fechou uma promessa de compra e venda e pagou o preço só tem a garantia legal de que terá a escritura e o registro desta, mesmo que o vendedor se recuse a assiná-la. Se o contrato de compra e venda não prever cláusula de arrependimento e tiver sido registrado no Cartório de Registro de Imóveis o comprador será titular de direito real, podendo exigir em juízo a transferência do domínio. A adjudicação do imóvel esta prevista no art. 1.418 do Código Civil.
No caso da compra de lote, é aplicável o art. 17 do Decreto-Lei nº 58 de 10/12/37 que prevê que o Juiz, neste caso, transmitirá a proprietário para o comprador através de uma ação de Adjudicação Compulsória.
RISCO PARA VENDEDOR RESPONDER POR DÍVIDA DO COMPRADOR
O vendedor que deixou de registrar a escritura em nome do comprador no Cartório de Imóveis poderá sofrer processos de cobrança/execução indevidos. Caso o comprador não pague as taxas de condomínio ou o IPTU, o síndico ou a Prefeitura Municipal respectivamente poderá propor a ação de cobrança ou execução contra o vendedor. Perante a lei, ele continua como proprietário do imóvel, o qual terá grandes prejuízos financeiros com a contratação de advogado para defendê-lo, além de ficar com o “nome sujo”, perdendo seu crédito na praça.
O certo seria o comprador de posse do registro da escritura comparecer à Prefeitura para transferir o IPTU para o seu nome, e proceder da mesma forma, perante a Cia. de fornecimento de energia elétrica ou água, e o síndico, no caso de o imóvel ser unidade condominial.
FALTA DE REGISTRO POSSIBILITA A VENDA DO IMÓVEL VÁRIAS VEZES
Cabe ao comprador, antes de formalizar a aquisição, contratar um advogado especializado para orientá-lo, como geralmente faz o vendedor, especialmente as grandes construtoras, que contratam escritórios de advocacia para confeccionar os contratos visando proteger seus interesses.
Para saber quem é realmente proprietário do imóvel, deve o comprador exigir a apresentação do registro imóvel atualizado e a respectiva certidão negativa de ônus para ver se o imóvel não está onerado (hipoteca, penhora, usufruto, etc.), bem como verificar a situação jurídica dos vendedores. Somente após checar tudo, caberá ao advogado confeccionar o contrato com técnica, prevendo todas as situações no caso concreto. Os modelos em geral induzem a erro, porque desestimulam a reflexão sobre as particularidades do caso concreto. Qualquer pagamento somente deverá ser feito mediante a assinatura do contrato.
Para evitar risco, ao fechar a compra, deve o comprador promover imediatamente a lavratura da escritura pública no Cartório de Notas do município onde está localizado o imóvel, e registrá-la no Cartório de Registro de Imóveis. Estes atos efetivarão a transferência da propriedade, ou seja, o domínio para o seu nome. Se não fizer isso, nada impede que o vendedor promova a venda o imóvel várias vezes, mediante a lavratura de várias escrituras públicas nos diversos Cartórios de Notas existentes em qualquer cidade do país. Já se o imóvel estiver registrado, será quase impossível fraudar a confecção de várias escrituras de compra e venda, pois o registro é feito somente num único Cartório de Registro da região do imóvel.
A venda do imóvel em duplicidade caracteriza crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal, podendo o vendedor ser condenado a pena de reclusão de um a cinco anos e multa. O corretor de imóveis somente poderá vir a responder por algum prejuízo se for provado que agiu com culpa, ou seja, deixou de analisar documentos básicos de fácil compreensão, o que caracterizará negligência. Mas, de nada adiantará para o comprador descuidado, que poderá perder tudo o que deu em pagamento, pois nesses casos o estelionatário geralmente some com dinheiro.
ALTOS CUSTOS ESTIMULAM A IRREGULARIDADE DA TRANSFERÊNCIA
Algumas pessoas cometem o erro de deixar de lavrar a escritura e, consequentemente, de registrá-la, visando economizar ao não pagar os custos com as taxas e os emolumentos do Cartório de Notas para confeccionar a escritura, e do Cartório de Registro de Imóveis onde a mesma é registrada. Outra justificativa para a não formalização da compra consiste em evitar o pagamento à Prefeitura do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis “Inter Vivos”) correspondente a 2,5% do valor do imóvel na cidade de Belo Horizonte. O percentual sobre o valor do imóvel pode variar de município, pois cada um tem autonomia para estipulá-lo, sendo que a Prefeitura faz a cobrança do ITBI com base na sua avaliação do imóvel, ou com base no valor venal declarado pelo comprador, prevalecendo o que for maior. Em decorrência dessa regra, os Cartórios de Notas e de Registro cobram o valor da taxa e emolumentos da escritura e seu registro com base na avaliação feita pela Prefeitura.
Caso a Prefeitura avalie o imóvel num valor acima do real preço de mercado, poderá o comprador contestar a avaliação e recorrer, visando a redução da avaliação e consequentemente do valor a ser pago de ITBI e de taxas/emolumentos. Caso não consiga reduzir o ITBI através do recurso administrativo na Prefeitura, poderá, através de um advogado, depositar o valor que julgar correto em juízo, viabilizando assim a lavratura da escritura, sem o pagamento do valor excessivo.
CARGA EMOCIONAL PROPICIA INSEGURANÇA
A ansiedade em realizar um negócio imobiliário, que envolve altos valores, faz com que as pessoas percam a serenidade para analisar a situação. O vendedor fica aflito para receber o dinheiro e receoso de que ocorra alguma inadimplência. Já o comprador, após gastar muitos meses ou anos vendo imóveis que não lhe agradaram, fica tenso só de pensar que poderá perder aquele imóvel que sempre sonhou, mediante a pressão contida na frase: “tem outro interessado querendo comprar o imóvel”. Diante desse quadro de tensão e nervosismo, há negócios realizados de forma atabalhoada, sem qualquer cuidado. Tornam-se pratos cheios para problemas, o que é facilmente constatado em milhares de ações envolvendo compra e venda de imóveis de forma amadora.
Cabe ao comprador e ao vendedor agir de maneira profissional para que tenham bons resultados na área imobiliária que tem oferecido lucratividade a bem acima do mercado financeiro e da Bolsa de Valores, que são bem diferentes do mercado imobiliário, pois são caracterizados pelos riscos e pela imprevisibilidade.
Belo Horizonte, 11 de outubro de 2011.
Este artigo foi publicado na Revista BDI.
Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.
Kênio de Souza Pereira
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Consultor Jurídico e Conselheiro do SECOVI-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais
Representante em MG da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Professor do MBA de Direito Imobiliário da FEAD-MG
keniopereira@caixaimobiliaria.com.br