Tem causado preocupação as notícias de golpes praticados por administradoras de condomínio que concentram em uma única conta bancária em nome da própria administradora os recursos de centenas de condomínios: a conta pool. Esta, por não possui qualquer separação dos valores movimentados, dificulta a fiscalização, havendo de condomínios que ficaram sem condições de pagar as despesas mensais e as obras programadas, arcando com prejuízo quase impossível de ressarcimento. A falta de cautela dos condomínios e a dispensa de orientação jurídica na contratação das administradoras geram riscos que poderiam ser evitados.
Entidades do setor imobiliário estimam que os mais de 500 mil condomínios existentes no Brasil giram o valor de 5 bilhões de reais, valores estes que são arrecadados mensalmente ou acumulados para realização de obras e reformas. Se mostra ilógico, portanto, que essas relações entre sejam tratadas de forma tão displicente.
Relações condominiais são complexas e exigem conhecimento jurídico
Durante décadas a administração dos condomínios era simples, sendo fácil um condômino exercer a função de síndico. Entretanto, diante das novas exigências federais e municipais que aumentaram a burocracia, tornou-se importante a contratação de empresas especializadas na área contábil e administrativa para facilitar o exercício da sindicância.
A ingenuidade que prevalece nas assembleias as quais aprovam a contratação de administradoras, explica o golpe praticado em 2023, pela Administradora Fort House, de São Paulo. Ela se aproveitou da falta de fiscalização de 43 condôminos e os lesou em mais de R$30 milhões depositados em sua conta pool, que dificulta a conciliação de dados, como trazido na reportagem da Tv Record disponível no Youtube: “Síndicos acusam empresa de desviar dinheiro de condomínios em SP”: https://www.youtube.com/watch?v=pGCqo6nkTNo
Administradora lucra ao aplicar recurso do condomínio
Vários condomínios que exigem que a administradora comprove que os valores do Fundo de Reserva e/ou de Obras está sendo aplicado na Poupança – conforme determinado pela assembleia – se surpreendem com a ausência da apresentação dos extratos do banco, o que deixa evidente a má-fé. Em alguns casos, a administradora estava utilizando os valores do condomínio para aplicar em nome dela no CDB e se apropriar dos rendimentos que são superiores ao da Poupança.
Numa conta pool, além do condomínio deixar de ter a cobertura de até R$250 mil do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) do Banco Central, também existe o risco de ficar sem acesso aos seus créditos em decorrência de um bloqueio judicial ou penhora de ações trabalhistas movidas contra a administradora, pois todo o dinheiro está no CNPJ dela.
Ficando provado que a administradora realiza operações financeiras como se fosse uma instituição financeira, com o dinheiro que não é dela, poderá responder por Crime Contra o Sistema Financeiro, conforme Lei nº 7.492/86: “Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.”
Conta pool usada de forma distorcida
Em geral, na conta pool, o condomínio não tem um extrato específico do banco, sendo que recebe apenas um demonstrativo elaborado pela administradora.
A conta pool foi uma alternativa criada para administradoras e condomínios, facilitando e agilizando o dia a dia financeiro, evitando congelamento de conta mediante vencimento de mandato do síndico, que muitas vezes impossibilitava pagamento até de folha dos empregados e das despesas de manutenção que são inadiáveis, gerando multas e interrupção dos serviços.
Esse tipo de conta passou a ser utilizada para possibilitar a prestação de contas sem depender do síndico que, às vezes, não fazia a assembleia para nova eleição ou, ainda, utilizava de forma indevida, ainda que de boa-fé, talões de cheque e cartões de credito.
Concorrência desleal
A questão preocupante no mercado é a oferta de serviços por administradoras que, de forma desleal, se utilizam da conta pool para lucrar com a aplicação dos recursos dos condomínios. Para captar novos clientes oferecem sua prestação de serviços com preço muito baixo, até mesmo com períodos de gratuidade, onde não se enxerga à margem de lucro, o que causa estranheza, como se a mesma não precisasse das taxas administrativas para funcionar.
É fundamental apurar a idoneidade, histórico da administradora e sua expertise, pois escolher uma procuradora e gestora com base no menor preço é risco certo: em geral, o barato sai caro. Se a empresa abre mão de margem de lucro, é obvio que ela buscará obter sua renda de outras formas, às vezes, por meios inconfessáveis, como aplicando valores indevidamente a seu favor ou lucrando com comissões sobre serviços de terceiros, o que, no final, gera prejuízos maiores do que a redução da taxa de administração.
Conta pool gestora é mais transparente
Visando gerar maior controle para os condomínios foi criada por empresas de softwares e bancos, um sistema denominado conta gestora, a qual, por ser mais transparente e segura tem um custo financeiro maior, pois a administradora que o adota tem que pagar pelo sistema que funciona assim: a conta pool é aberta em nome da administradora, mas todos os valores de taxas de condomínios e demais acessórios que entram, bem como os boletos e despesas pagar são separadas automaticamente pelo computador do banco em nome e no CNPJ do condomínio, ou seja, esses valores não se misturam com de outros condomínios. É gerado pelo banco um extrato de fluxo de caixa condominial, possibilitando assim uma fiscalização das taxas recebidas e dos pagamentos.
Isso gera a possibilidade do síndico, dos conselheiros e de qualquer condômino verificar, em tempo real, os saldos do condomínio, se diferenciando da conta pool tradicional.
Procuração só se dá em quem confia
A conta gestora elimina o risco decorrente do condomínio outorgar procuração para a administradora ou para o síndico profissional gerir a conta bancária específica do condomínio e, por sua vez, evitam os golpes tais como o noticiado em Fortaleza, em que o síndico contratou empréstimos de 1,2 milhão de reais em nome do condomínio e desapareceu com esses recursos. A matéria da Tv Ceará, “Síndico faz empréstimo milionário em nome de moradores” abordou esse caso – https://www.youtube.com/watch?v=-bGES8brc3E.
Fundos de reserva, trabalhista e de obras
Por outro lado, para que o condomínio tenha maior segurança se deve abrir, separadamente, uma conta específica para os depósitos e saques dos Fundos de Reservas e de Obras, bem como para fundos trabalhistas (que visa juntar o que será pago para pagamento das férias, 13º e verbas de rescisão), pois esses são movimentados esporadicamente. Pode ser estabelecido que o saque seja realizado com a assinatura de dois condôminos/conselheiros, pois se tratam de valores mais expressivos.
É bom relembrar que qualquer condômino pode fiscalizar a administradora e solicitar os extratos de qualquer conta do condomínio, uma vez que o dinheiro é pertencente ao condomínio e não à administradora ou ao síndico. Assim, no caso de negativa sobre suas indagações, deve-se contratar outra administradora ou eleger novo síndico mais transparente e organizado sob pena de poder se descobrir um prejuízo futuramente.
Belo Horizonte, 23 de outubro de 2023.
O resumo deste artigo foi publicado no Revista MercadoComum
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Kênio de Souza Pereira
Diretor em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)
Colunista de Direito Imobiliário da Rádio Justiça do STF, dos Jornais O Tempo, Hoje em Dia, Mercado Comum e do Diário das Leis/BDI.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
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