A postura do condomínio em se recusar a revisar a convenção para estabelecer um rateio equilibrado, com base nas perícias judiciais que confirmam que as despesas decorrem das áreas comuns, não tendo, portanto, qualquer relação com o tamanho interno dos apartamentos e coberturas, causou mal estar nos síndicos de dois condomínios. Ambos abusaram ao sabotar as tentativas de acordo dos proprietários das coberturas, que solicitaram que as quotas de condomínio fossem igualitárias.
O resultado foi que no processo que envolve nove coberturas, em um condomínio composto de três torres, localizado na zona leste em Belo Horizonte, o Tribunal de Justiça determinou que fossem devolvidos os valores pagos a mais que superam a R$1.370.000,00, decorrentes da fração ideal 148% maior que os apartamentos tipo.
Outro condomínio, localizado no bairro de Lourdes, também foi intimado a devolver para o proprietário de uma cobertura o valor de R$250.000,00, sendo que em ambos os casos os acórdãos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais transitaram em julgado, não cabendo recursos. Sobre essas dividas incidem mensalmente a correção pelo INPC/IBGE acrescida de juros de 12% ao ano, que somados à custas processuais, perícias e honorários de sucumbência superam a R$1.600.000.00. O não pagamento espontâneo no decorrer do início de 2024 acarretará multa de 10%, mais honorários advocatícios, além da penhora da receita e dos bens do condomínio.
Intransigência acarreta litígios
A questão do rateio é polêmica, sendo que existem decisões judiciais que confirmam essa forma de divisão pela fração ideal, pois a lei (art. 12 da Lei 4.591/64 que é reproduzido no art. 1.336, I CC). Entretanto, nesses processos o que se constata é a ausência da realização da prova pericial, o que leva a decisões que não aprofundaram sobre a finalidade da fração ideal e que o condomínio é composto por dois tipos de propriedade: privativa e áreas comuns.
Os peritos, que são engenheiros, ao analisar o processo, confirmam que a Lei nº4.591/64 criou o art. 12 que estabelece a fração ideal para dividir despesas de construção numa incorporação, ou seja, os compradores pagam pelos apartamentos em construção conforme o seu tamanho. Tal regra não tem relação com o rateio de conservação e manutenção que é previsto no art. 24, que determina que a assembleia estabelecerá a regra de divisão das despesas que são gastas nas áreas comuns, que conforme o art. 19 da Lei 4.591/64 e art. 1.335 do Código Civil, devem ser utilizadas por todos de forma igualitária.
Portanto, se as duas leis proíbem que qualquer proprietário utilize a mais os serviços e os empregados do condomínio do que demais condôminos, não tendo a cobertura ou o apartamento térreo qualquer privilégio em relação aos apartamentos tipo, se mostra injusto e desproporcional cobrar a mais pelo que é utilizado e disponibilizado igualmente para todos.
Perícias revelam a verdade, pois matemática é ciência exata
As perícias são unânimes em apurar que as coberturas não utilizam a mais as áreas comuns (portaria, área de lazer, contador, custos administrativos, energia elétrica, empregados, etc), que geram 90% das despesas que resultam no rateio. O costume de se cobrar a mais da cobertura decorre da confusão que os redatores de convenções entendiam que se a cobertura pagava mais ITBI e IPTU, deveria para mais a quota de condomínio.
Qualquer estudante de Direito sabe que quota de condomínio, conhecida por taxa não tem qualquer relação com IPTU, pois imposto, como ocorre também com IPVA, se paga com base no valor do bem. Obviamente, os peritos apuram ser injustificável qualquer unidade pagar a mais pelos serviços, pelo elevador, equipamento de lazer, pela compra de móveis, interfone, etc, pois estes são utilizados igualmente.
Confirmando tal realidade do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº541.317-RS, no qual foi contestado o rateio igualitário de uma cobertura que era o dobro do apartamento tipo, esclareceu a razão de ter rejeitado o pedido para que fosse aplicada a fração ideal:
“ […]
A convenção condominial é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidas as regularidades formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito. O rateio igualitário das quotas não implica, por si só, a ocorrência de enriquecimento sem causa dos proprietários de maiores unidades, uma vez que os gastos mais substanciais suportados pelo condomínio – v.g. o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas – beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal. Assim, não prevalece a presunção do aresto hostilizado de que os proprietários de menores economias “acarretam menor despesa”, porquanto os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cujos responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.”
A questão da água é utilizada maliciosamente para justificar a cobrança a mais de outras despesas que consistem na maior parte do rateio. Os peritos confirmam que não há como definir se unidade gasta mais ou menos água. Isso porque, a COPASA, bem como a DECA (maior fabricante de hidrossanitários do Brasil), declaram que 45% do consumo de uma residência decorre dos banhos e 40% das descargas dos sanitários, sendo apenas 3% gasto com limpeza de pisos.
Nas perícias constam que o gasto decorre do número de moradores nos apartamentos e de seus hábitos, sendo comum ser constatado a existência de unidade tipo com mais moradores do que nas coberturas.
As construtoras, como a conceituada Alturez que é referência no setor, instalam nos seus edifícios a hidrometria há mais de 15 anos. Seu diretor Luis Flávio, explica que os hidrômetros das coberturas registram consumos menores que diversos apartamentos tipo que têm mais moradores e que por isso não utiliza a fração ideal para definir a taxa. Dessa forma, essas construtoras evitam conflitos entre os compradores por meio de uma convenção redigida com técnica.
Equívoco em recusar liminar do depósito da diferença
No julgamento da apelação o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou que o condomínio deveria igualar o valor das unidades, a contar desde do dia que foi citado. O juiz ao analisar os fortes fundamentos da petição inicial tinha deferido liminar para os autores depositarem em juízo a diferença que superava o valor da quota igualitária, mas os dois condomínios, de forma ilógica, interpuseram o recurso de agravo de instrumento para derrubar a liminar, forçando assim que os autores da primeira ação continuassem a pagar 148% e o da segunda 70% a mais em relação ao valor das unidades tipo.
Essa atitude equivocada do condomínio impediu que fosse criada uma “poupança” na conta judicial, pois no decorrer do processo que demora anos, a cada mês os autores depositariam o valor em excesso que está sendo discutido. Ao final do processo, quem vencesse, simplesmente levantaria o valor. Assim, evitaria a complicação do condomínio ter que agora fazer taxa extra para os proprietários dos apartamentos tipo devolverem os valores pagos a mais. Alguns adquiriram o apartamento há pouco tempo e assim ficarão no prejuízo, pois quem usufruiu do pagamento a menor foi quem vendeu.
O resultado desse recurso que visou prejudicar os proprietários das coberturas foi o acúmulo de crédito a favor deles, que como autores que venceram a ação, têm direito ao reembolso de todo valor pago a mais. A atitude dos síndicos (no decorrer dos sete anos atuaram três síndicos) que se empenharam para lesar os proprietários das coberturas agravou o prejuízo ao omitir dos condôminos nas assembleias detalhes do processo, pois sabotaram qualquer tentativa de acordo, mesmo após terem acesso a perícia que comprovou o abuso da aplicação da fração ideal no rateio de manutenção das três torres que compõem o condomínio, que tem ampla e sofisticada área de lazer.
Dever em juízo é ruim para o condomínio e bom para o credor
Dessa forma, considerando apenas o período de jan/21 a nov/23, a dívida aumentou 63,52%, sendo 23% (juros 12% + INPC 10,16%) em 2021 e mais 39,6% no período de jan/22 a nov/23. Ao protelar o pagamento, os credores estão obtendo excelente rendimento de 17% ao ano, ou seja, mais do dobro da Poupança e 50% a mais que os CDBs.
Mediante essa realidade, quanto mais o condomínio protela o pagamento melhor para os credores, pois a dívida sobe em torno de 17% ao ano, numa proporção que supera em mais de três vezes a inflação de anual de 5,19% medida pelo IPCA/IBGE.
Há 28 anos advogamos em defesa do rateio igualitário, sendo que em decorrência da evolução do conhecimento sobre o tema, constata-se que dezenas de construtoras deixaram de utilizar a fração ideal e passaram a adotar a divisão igualitária. Dessa forma livram os condôminos, que são leigos, de discussões e atritos, além de evitar a desvalorização das coberturas, apartamentos e lojas que se localizam no térreo, pois a fração ideal causa enriquecimento sem causa das unidades menores.
Felizmente centenas de condomínios têm revisto suas convenções de maneira a aperfeiçoa-las, sendo importante o proprietário da cobertura ou da loja ser previamente assessorado juridicamente para solicitar a alteração da convenção, evitando assim desgastes nas assembleias.
Belo Horizonte, 20 de dezembro de 2023.
Este artigo foi publicado na Jornal do Sindíco.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional de MG da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do SECOVI-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Colunista de Direito Imobiliário da Rádio Justiça do STF, Jornal do Síndico, O Tempo, Boletim do Direito Imobiliário/Diário das Leis e Revista Mercado Comum.
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