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O rateio de despesas nos edifícios deve respeitar a lógica matemática e o bom senso

Mudar conceitos e ideias preconcebidas sobre condomínios é um desafio porque muitos não investem tempo para compreender situações que exigem aprofundamento em diversos dispositivos legais e de engenharia, como se constata na polêmica que envolve o rateio de despesas de edifícios compostos por apartamentos térreos e de cobertura.

Mediante uma análise isenta e sem interesse pessoal constata-seque nenhum apartamento térreo ou de cobertura do condomínio utiliza de forma exclusiva, ou a mais, as áreas comuns (salão de festas, equipamentos de lazer, portaria, etc) e os empregados em maior grau que os demais proprietários dos apartamentos tipo.

Dessa maneira, não há justificativa técnica para se cobrar quota de condomínio a mais da cobertura ou do apartamento térreo com base na fração ideal, pois esta foi criada para dividir despesas de construção no decorrer de uma obra negociada na planta, conforme a Lei nº 4.591/64 que regulamenta as incorporações em condomínio. O rateio de despesas de construção com base na fração ideal prevista no artigo 12, da Lei nº4.591/64 é correto, pois quanto maior a unidade mais materiais e mão de obra serão empregados na sua edificação, resultando no valor mais elevado da aquisição do apartamento que tiver maior metragem.

Quanto às despesas de conservação e manutenção, essas estão previstas desde 1964, no artigo 24 da mesma lei, na parte que regulamenta a administração do condomínio já em funcionamento, cabendo à assembleia estipular a divisão com base na boa-fé, no respeito à lógica matemática, que indicam que se deve considerar o uso e o gozo das áreas e dos equipamentos que realmente geram as despesas.

Tendo em vista que todas as despesas de conservação e manutenção que compõem o rateio que resulta nas quotas de condomínio são decorrentes das áreas comuns que são externas às unidades, sendo que o maior custo dos edifícios é representado pelos empregados (porteiros, faxineiras, zelador), não há como impor a divisão dessas despesas com base na fração ideal, por falta de relação dos custos com o tamanho interno das unidades. Essa é a conclusão da unanimidade dos peritos engenheiros civis que realizam as perícias judiciais.

LEIS PROÍBEM QUE UMA UNIDADE USUFRUA MAIS QUE OUTRA

O artigo 1.335, inciso II do Código Civil, bem como os artigos 10, inc. IV e 19 da Lei nº 4.591/64 proíbem que uma unidade, mesmo sendo ela bem maior, como uma cobertura ou apartamento térreo com área privativa, utilize as áreas de lazer, jardins, portaria, salão de festas, etc, de maneira a excluir igual utilização em relação a quaisquer vizinhos, sendo que esses sendo ocupantes de unidades de menor dimensão têm o mesmo direito de usar e gozar de todas as áreas e equipamentos comuns.

Por ser impossível o proprietário de um apartamento maior cercar uma área comum a mais como se fosse somente dele para justificar que pague a quota de condomínio em valor mais elevado, fica evidente que o rateio deve ser realizado com base na boa-fé, ou seja, com a divisão igualitária dos custos. Somente se uma unidade gerar um custo a mais sobre determinada despesa, caberá a ela arcar com o devido acréscimo, o qual se limitará à referida despesa.

Dessa maneira, será evitado o enriquecimento sem causa que é proibido pelo artigo 884 do Código Civil, o qual determina que se deve pagar pelo que se utiliza ou está à sua disposição. Consiste numa atitude desonesta cobrar a mais de alguém pelo que não se utiliza e logicamente interpretar a lei de maneira a ignorar essa orientação elementar afronta a ética e o resultado das perícias judiciais que não podem ser ignoradas. Os engenheiros que dominam as questões que envolvem as incorporações e o que seja fração ideal, ao prestarem seus esclarecimentos nos laudos periciais, fornecem todos os elementos para que o juiz possa anular a cláusula que estabelece um rateio desequilibrado. 

PERÍCIA AJUDA ESCLARECER A DIFICULDADE COM CÁLCULO

Há pessoas que qualificam a quota de cobertura como “Taxa da Inveja”, porque alguns entendem que o seu proprietário tem mais status, sendo que há quem alega ainda que por receber mais sol e ter o terraço tem que pagar maior quota de condomínio, como se o seu proprietário não tivesse pago a mais pela aquisição, e sim ganhado essa unidade maior num sorteio entre todos os adquirentes do edifício.

As perícias judiciais são importantes para ajudar na compreensão dos diversos pontos que exigem conhecimento matemático, pois conforme o  relatório “De Olho nas Metas”, divulgado pelo movimento “Todos pela Educação”, baseado nos dados do resultado Prova Brasil/Saeb/2011,  somente 10,3% dos jovens brasileiros têm aprendizado adequado em matemática ao fim do ensino médio e que apenas 29,2% aprenderam adequadamente a língua portuguesa.  Com a realização da perícia constatamos que aqueles condôminos que insistiam em penalizar os apartamentos com a maior dimensão a pagar quotas de condomínios exageradas, acabam entendendo que tal pretensão fere a lógica, pois passam a entender que todas as despesas decorrem do uso igualitária das áreas comuns e dos empregados, o que não tem qualquer relação com a fração ideal.

IMPOSTO NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM QUOTA DE RATEIO

Muitos confundem quota, chamada de taxa de condomínio, como se fosse semelhante ao Imposto de Renda, situação bem diversa, pois neste caso quem tem rendimento maior é tributado com a alíquota mais elevada. Há ainda, outros que confundem quota de condomínio como se fosse IPTU, o qual já é pago o valor mais alto todos os anos, pois tem como base, o valor patrimonial do imóvel, o qual não tem nenhuma relação com os valores das despesas das áreas comuns do condomínio. A quota de condomínio decorre de uma contraprestação de serviços das áreas comuns e não pode ser cobrada como se fosse imposto, pois este incide sobre o valor do patrimônio ou da renda da pessoa.

DIFERENÇAS ENTRE CONDOMÍNIO GERAL E O CONDOMÍNIO EDILÍCIO

    Pelo costume das pessoas lerem rapidamente os textos é comum ocorrer uma confusão entre as regras do Condomínio Geral, pois elas não são as mesmas do Condomínio Edilício, que é o caso em questão. No Condomínio Geral as despesas devem ser rateadas na proporção da propriedade de cada coproprietário, diferentemente do Condomínio Edilício.

   Os referidos institutos são tratados em capítulos distintos no Código Civil de 2002, sendo que o Condomínio Geral é abordado no Capítulo VI do Código Civil (artigos 1.314 e 1.315) que regula um bem indivisível (casa, apartamento, carro, lote, etc), enquanto que o Condomínio Edilício é tratado somente no Capítulo VII, sendo que o art. 1.331 esclarece a enorme diferença entres estes institutos.

Se uma casa ou apartamento pertence a três pessoas, uma com 60% da propriedade e seus dois irmãos com 20% cada, é lógico que caberá a cada um pagar pela troca do piso e dos encanamentos na proporção das suas frações, pois é um condomínio geral a referida unidade. Mas, no Condomínio Edilício, além da área privativa caracterizada pelo apartamento, existem ainda as áreas externas, que são comuns, e que pertencem e são utilizadas por todos igualmente. São estas áreas comuns que geram a taxa de condomínio.

Logo, no artigo 1.331, o primeiro que trata do Condomínio Edilício, o legislador é claro ao prever que há dois tipos de propriedade, o apartamento, que se equipara a casa com vários donos, definida como área privativa, e outra propriedade caracterizada como área comum.

PROVA DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – COBRANÇA INJUSTA

Para constatarmos de forma clara o absurdo da aplicação da fração ideal para dividir as despesas de alguns condomínios edilícios, exemplificamos o caso de um edifício com 20 unidades, sendo 19 apartamentos tipo e uma cobertura, tendo essa fração ideal 85% maior que os demais apartamentos.

No caso, o prédio trocou a fechadura e o síndico fará três chaves para cada apartamento, custando cada uma R$5,00. Assim, ao serem feitas 60 chaves, cada unidade receberá três chaves. Mas tendo em vista que o custo dessas chaves totaliza R$300,00, ao dividi-lo por 20,85, o resultado comprovará o enriquecimento ilícito, ou seja, que a cobertura  pagará parte das despesas dos apartamentos tipo. Ao aplicar a fração ideal para dividir essa despesa, como também é feito com todas as demais que decorrem das áreas comuns (porteiros, faxina, elevador, energia elétrica, lazer, etc), cada apartamento tipo pagará R$14,39 pelas três chaves, ou seja, 4,2% a menos do que seria o correto, no caso R$15,00. Já a cobertura ao receber as 3 chaves pagará R$26,60, ou seja, o correspondente a 5,32 chaves. Obviamente, ao pagar a mais 77,33%  do que seria o correto, no caso, R$15,00,  a cobertura arcará com o valor que deveria ser pago pelos 19 vizinhos.

O STJ JÁ CONFIRMOU RATEIO IGUALITÁRIO

Visando eliminar dúvidas de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já confirmou o rateio igualitário, Recurso Especial nº 541.317-RS (2003/0064425-4), em que a proprietária de apartamento tipo entrou com ação contra o condomínio que dividia as despesas igualmente entre as unidades tipo e cobertura. A autora da ação alegou que a cobertura gastava mais que o apartamento tipo e que o rateio igualitário acarretaria enriquecimento ilícito do apartamento maior.

Portanto, fundamentou o processo justamente na tese que criei há 22 anos, tendo o STJ confirmado nossa posição, ou seja, que a divisão de despesas pela fração ideal penaliza a cobertura/apto térreo porque os gastos do condomínio edilício não estão ligados ao tamanho da unidade. Vejamos a decisão do STJ:

A convenção condominial é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidas as regularidades formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito. O rateio igualitário das quotas não implica, por si só, a ocorrência de enriquecimento ilícito, sem causa dos proprietários de maiores unidades, uma vez que os gastos mais substanciais suportados pelo condomínio – v.g. o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas, beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal.

Assim, não prevalece a presunção do aresto hostilizado de que os proprietários de menores economias “acarretam menor despesa”, porquanto os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cuja responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.  

O STJ não aceitou a alegação de que o apartamento tipo gaste menos que o apartamento de cobertura e assim julgou ser correto o rateio igualitário, tendo os 5 Ministros declarado que “o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas, beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal. Os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cuja responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.” 

Infelizmente, por ser o condomínio formado por uma grande maioria de apartamentos tipo, esses se unem para impedir a mudança da cláusula da convenção que exige o quórum de 2/3 dos votos dos condôminos. Dessa maneira, diante da ausência de boa vontade, cabe ao proprietário do apartamento de cobertura ou térreo buscar o Poder Judiciário para reduzir a quota de condomínio que, por ser cobrada de forma abusiva, acarreta a desvalorização da sua unidade e dificulta a venda e a sua locação.

Belo Horizonte, 08 de setembro de 2017.

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Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Caixa Imobiliária Netimóveis

keniopereira@caixaimobiliaria.com.br