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Imóveis na planta em BH: haverá outra crise com construtoras atrasando a entrega das unidades?

O mercado imobiliário é cíclico e influenciado por fatores econômicos, sociais e, sobretudo, legais. Como exemplo dessa interferência, o Plano Diretor de 2019, desde 04 de fevereiro de 2023, reduziu o coeficiente de aproveitamento de Belo Horizonte de 2,7 para apenas 1.0 vez a área do terreno. A mudança restringiu o potencial construtivo e, simultaneamente, eleva o valor das frações ideais, ou seja, das unidades a serem construídas. Soma-se a isso a elevação da Taxa Selic para 15% ao ano, o que encarece o crédito e compromete a liquidez do setor diante muitos investidores preferirem a rentabilidade dos produtos financeiros.

Esse cenário remete à crise imobiliária de 2012 a 2016, quando diversas construtoras foram à falência, com atrasos significativos na entrega de imóveis vendidos na planta e prejuízos aos compradores.

CONTRATOS DESEQUILIBRADOS

É comum a celebração de promessas de compra e venda com cláusulas que favorecem exclusivamente as construtoras. A linguagem técnica, e a ausência de assessoria jurídica especializada tornam esses contratos armadilhas, cujos riscos só se revelam na hipótese de inadimplemento ou rescisão.

Entre 2010 e 2014, alertamos diversos compradores para não firmarem contratos com obrigações desproporcionais. Muitos, no entanto, optaram por seguir sozinhos e retornaram, anos depois, sem o imóvel prometido e com severos prejuízos financeiros.

A situação exige reflexão, pois a expectativa de realizar um sonho exige racionalidade e diligência prévia, sendo um erro agir tomado pela emoção.

Este advogado, prevendo a falência de construtoras, redigiu em 2011 o Projeto de Lei denominado “Overbooking Imobiliário” que foi protelado pela presidência da Câmara Municipal de BH, fazendo demorar seis anos para se tornar lei. Depois, a Lei nº10.885, de 21/10/2016, foi sabotada pelo lobby das construtoras por meio de uma ADI patrocinada pelo Prefeito Márcio Lacerda, amigo dos construtores que atrasavam as obras.

Construtoras sem capital

Embora existam empresas sólidas, que respeitam a Lei nº4.591/64 e promovem o devido registro de incorporação antes de iniciarem da venda das unidades, proliferam no mercado incorporadoras e construtoras recém-constituídas, com capital irrisório e sem capacidade financeira para executar o empreendimento.

Com apenas R$2.000,00 é possível abrir uma construtora na Junta Comercial. Sem patrimônio e sem capital de giro, muitas dessas empresas apostam exclusivamente na venda futura das unidades para custear a obra. Essa estrutura precária ruirá com facilidade diante da queda nas vendas, gerando atrasos generalizados e risco de inadimplemento.

A falência da Encol é o caso mais emblemático, seguida de outras construtoras como Habitare, Maio/Paranasa, Milão, Casa Mais, Ponta dentre várias que deixaram prédios inacabados e adquirentes sem alternativa senão recorrer ao Judiciário.

Mercado de BH e a limitação de demanda

O território de Belo Horizonte é restrito. Com apenas 331km², ocupa a 464ª posição entre os 853 municípios do Estado Mineiro em extensão territorial. A escassez de terrenos, especialmente em bairros nobres, pressiona os preços dos terrenos e incentiva a especulação.

Conforme cadastro do IPTU, há 30.300 lotes vagos – incluindo aqueles que possuem construções irregulares ou subutilizadas. Destes, aproximadamente 25.500 possuem até 500 m² — considerados mais viáveis para edificações — concentrando-se, porém, em regiões periféricas.

Diante dos poucos lotes na região centro-sul, para viabilizar novos empreendimentos, muitas construtoras adquirem casas antigas ou pequenos edifícios, pagando valores acima do mercado. O custo da aquisição é repassado ao consumidor final, elevando o preço do metro quadrado a patamares desproporcionais. O resultado tem sido os lançamentos a R$25.000,00 ou até R$ 35.000,00/m² no Lourdes, Santo Agostinho e Savassi. É comum valores em torno de R$20.000,00 m² em outros bairros que tinham preços bem menores, o que têm assustado a maioria das pessoas.
Tais valores se mostram desconectados da realidade. Investidores minimamente atentos percebem que aplicações financeiras como CDBs, com a taxa Selic a 15% ao ano, proporcionam rendimento superior sem o risco de se comprar o que ainda não existe.

Compra a prazo

Ainda mais delicada é a situação de quem adquire imóveis financiados. A elevação dos juros reduziu o volume de crédito disponível, tornando os bancos mais rigorosos. Além disso, os recursos do FGTS e da poupança, principais fontes de financiamento habitacional, estão praticamente esgotados.

A inadimplência se tornou uma ameaça concreta: bastam seis meses de atraso para que o comprador perca o imóvel adquirido, gravado com alienação fiduciária, mesmo após já ter pagado parte substancial do valor.

Diante desse quadro, é compreensível a maioria daqueles que optam em comprar nesse cenário são os que desejam obter os apartamentos para uso próprio, por uma questão de realização pessoal. Já os que visam lucro, seja por valorização futura ou locação, tendem a repensar seus planos diante da inflação crescente e da elevada taxa de juros, havendo parte expressiva que tem preferido deixar o recurso no CDB em decorrência da insegurança jurídica e política.

Reflexão Necessária: risco calculado ou prejuízo anunciado?

Diante desse contexto, surgem indagações inevitáveis: conseguirão as construtoras vender as unidades com rapidez suficiente para custear as obras e evitar paralisações? O aumento desmedido dos custos dos terrenos e o preço inflado dos lançamentos resultarão em queda nas vendas? A aquisição de imóveis ainda se equipara, em termos de retorno, às aplicações financeiras tradicionais? Surgirão oportunidades de compra a preços interessantes por parte daqueles que precisarão de capital para cumprir os compromissos?

Embora o futuro seja incerto, é inegável que o mercado imobiliário de Belo Horizonte vive um momento de tensão diante do enorme volume de novos empreendimentos de grande porte. A recomendação é clara: construtoras e compradores devem agir com prudência. Mais do que nunca, é preciso abandonar a euforia e investir com responsabilidade, sob pena de repetir erros que o passado já nos ensinou a evitar.

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Kênio de Souza Pereira

Consultor da Presidência da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal

Diretor da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

contato@keniopereiraadvogados.com.br  – Tel. (31) 97139-1474