POR DECISÃO PRECIPITADA DE JUIZ TRABALHISTA
Imagine aquela casa adquirida ano passado, quitada à vista com suas economias, de um vendedor sério que apresentou todas as certidões que garantiam a inexistência de problemas com ele e o imóvel. Certamente, você ficaria surpreso ao receber o Oficial de Justiça com um mandado de penhora e futuro leilão do imóvel, por causa de uma dívida trabalhista da empresa do vendedor, que você nem sabia que existia!
Parece mentira! Mas tal absurdo tem acontecido no país e demonstra que comprar imóvel não é um negócio simples.
É impressionante o número de pessoas que compram um imóvel como se fossem adquirir um eletrodoméstico. Fazem consultas superficiais aos “especialistas” ou “entendidos” por telefone, com a ilusão de que é possível analisar uma transação complexa – a compra do imóvel – de forma amadora, sem verificar minuciosamente os documentos. Essa atitude simplista motiva milhares de processos judiciais e prejuízos enormes.
Raramente há assessoria jurídica especializada, mas apenas troca de ideias ou “uma olhada no contrato”. Depois, quando ocorre o problema, ninguém assume a culpa. Um profissional, ao elaborar um contrato, analisa e reflete sobre diversas situações, conforme cada caso, e não apenas “dá uma lida” descompromissada ou copia um modelo.
JUSTIÇA DO TRABALHO
Algumas decisões da Justiça do Trabalho determinam a penhora e venda do imóvel que não pertence mais ao sócio, quando este tem desconsiderada sua personalidade jurídica, numa reclamação trabalhista, ignorando a boa-fé do comprador. Em questão de dias, a propriedade pode ser alvo de uma penhora que o proprietário nem sabe de onde veio ou à que se refere.
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Apesar do equívoco de alguns Magistrados, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que o comprador de boa-fé, que desconhece o processo judicial em nome de quem não seja o vendedor e tampouco sabe do risco da penhora, não pode sofrer o prejuízo em razão da alienação do imóvel, podendo defender sua aquisição por meio dos Embargos de Terceiro.
O STJ entende que o registro da penhora no cartório imobiliário é essencial para verificar se houve má-fé na compra do imóvel. Além disso, para se configurar fraude, é necessário que o adquirente tenha conhecimento do processo de execução e haja o consilium fraudis ou pelo menos tinha condições de saber da existência do processo:
“Adquirente de boa-fé – A anulação de negócios jurídicos de compra e venda pela ocorrência de fraude à execução exige a prova do ‘consilium fraudis’ em todos os negócios celebrados dentro da cadeia contratual, inclusive do atual proprietário do bem. Proteção do sub-adquirente, como terceiro de boa-fé que não tinha conhecimento de eventuais irregularidades que maculassem o bem ou o negócio anterior. (6. TJRS. 21º Câmara Cível Ementa. Apelação Cível nº 599163300. Relator: Des. Francisco José Moesch, 11/08/1999).
Ainda, segundo o entendimento do STJ, não existindo inscrição da distribuição da execução ou da penhora no registro de imóveis que possa demonstrar a ciência do adquirente da existência de demanda capaz de reduzir o executado à insolvência, não se pode presumir que a venda tenha sido efetuada com intuito de fraudar a execução.
A 1º Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o RR nº 20/2003-004-10-40.7, entendeu que “não cabe penhora em bem adquirido por terceiros com boa-fé desconstituindo, com isso, a penhora de um imóvel vendido por um dos sócios da empresa Colina Conservadora Nacional, sem que a compradora soubesse da existência de ação trabalhista em fase de execução contra a empresa”. O relator do recurso, Ministro Vieira de Mello Filho, considerou não ter havido fraude na transação. Segundo ele, “para a caracterização da fraude, é imprescindível provar que o comprador tinha ciência da existência do processo judicial contra o vendedor ou da constrição judicial sobre o objeto da transação, o que não aconteceu no caso discutido no TST”. A decisão foi unânime. A Turma concluiu pela validade da transação de compra e venda do imóvel, julgando procedente o pedido e desconstituindo a penhora.
PENHORA DE IMÓVEL NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
O comprador, que não tem qualquer relação com a reclamação trabalhista, precisa defender o seu imóvel, mesmo porque a transação foi realizada com a pessoa natural e não com a empresa, que não é proprietária do imóvel e não consta no contrato de compra e venda, na escritura pública ou no registro imobiliário.
A maioria dos juízes trabalhistas age de forma racional e não permite que o comprador de boa-fé perca seu imóvel, despendendo altos gastos com Embargos de Terceiros.
Ante a ausência de prova da fraude, tem-se que as partes agiram conforme o princípio da boa-fé, o qual é presumido, nos termos do art. 113 do Código Civil. Lado outro, a má-fé deve ser cabalmente comprovada.
INÉRCIA DO CREDOR
O art. 615-A do CPC prevê outra maneira de tornar pública a existência de execução ajuizada contra o proprietário: a possibilidade do exequente/credor, no mesmo momento da distribuição da execução, pedir uma certidão comprobatória e averbá-la no Cartório de Registro de Imóveis.
O próprio credor poderá fazer constar na matrícula do imóvel a existência do processo trabalhista onde figura o proprietário do imóvel como réu ou sócio da empresa empregadora, o que possibilita ao adquirente avaliar os riscos da transação e até mesmo desistir da compra.
A Lei nº 7.433/85, que dispõe sobre os requisitos para lavratura de escritura pública, estabelece em seu artigo 1º, § 2º que:
O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.
O Decreto 93.240/86, que regulamenta a lei nº 7.433/85, dispõe que:
Art. 1º. Para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, serão apresentados os seguintes documentos e certidões:
(…)
IV – a certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e a de ônus reais, expedidas pelo Registro de Imóveis competente, cujo prazo de validade, para este fim, será de 30 (trinta) dias;
§ 3º A apresentação das certidões previstas no inciso IV, deste artigo, não eximirá o outorgante da obrigação de declarar na escritura pública, sob pena de responsabilidade civil e penal, a existência de outras ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo.
Da mesma forma é o entendimento do Dr. Roberto Dias de Andrade, Presidente da Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais – Serjus-Anoreg MG, que assim se manifesta:
Com o intuito de analisar a ocorrência de uma possível fraude, os magistrados verificam se o adquirente do imóvel tinha ciência da possível falência da empresa empregadora ou da insolvência de algum de seus sócios. Verificam ainda se o adquirente tinha alguma relação com o vendedor bem como se o adquirente tinha condições de saber a real situação do bem e da(o) alienante, avaliando assim a sua boa-fé.
Uma vez comprovada a boa-fé do adquirente, não havendo na matrícula do imóvel nenhuma penhora ou averbação da existência de alguma execução (nos termos do artigo 615-A do CPC) e ainda diante do desconhecimento da situação em que o empregador se encontrava, não caberá a penhora.
DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Se nem os Notários dos Cartórios e os Oficiais de Registro de Imóveis procedem a pesquisas além daquelas que são exigidas conforme a prática dos negócios imobiliários, não há como exigir do comprador um excesso de cautela.
O Brasil é um país de proporções continentais, o que torna esdrúxulo exigir-se do comprador uma pesquisa em âmbito nacional acerca do patrimônio do vendedor e das suas dívidas; além disso, os cartórios do país não estão unificados, o que impossibilita uma consulta a nível nacional.
O art. 5º, inciso II da Constituição da República de 1988, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, não há embasamento legal para o Juiz do Trabalho determinar que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis conste impedimento no bem adquirido por terceiros e que não está mais no nome do Réu do processo trabalhista. Essa atitude configura, inclusive, uma afronta à Lei de Registros Públicos.
DESRESPEITO AOS COMPRADORES DE BOA-FÉ
Deve-se sempre atentar para a boa fé que impõe aos contratantes conduta honesta e leal em respeito à confiança, à retidão e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados, antes mesmo de serem partes nos contratos.
Nunca é demais ressaltar que o princípio da boa-fé deve ser tido como regra e não como exceção.
MERCADO IMOBILIÁRIO PREJUDICADO
Diante de algumas decisões de 1º grau, gera-se insegurança jurídica e uma afronta ao mercado imobiliário, que é uma das áreas que mais geram riquezas e empregos no país. Comprar um imóvel, nestas circunstâncias, tornou-se um negócio de risco, já que a má-fé é presumida por alguns juízes não habituados a compra de imóveis.
Estabelecer a um comprador o ônus de provar que é inocente indica que o julgador desconhece as dificuldades que um brasileiro passa para obter recursos para comprar um imóvel, quase sempre com anos de economia, privações e financiamentos longos, sendo que este cidadão também é trabalhador!
Essa situação precisa de urgente modificação principalmente entre os juízes de primeira instância que, contrariando o entendimento da doutrina, do STJ e do TST, penhoram imóveis adquiridos por compradores de boa-fé como se os mesmos estivessem cometendo fraude à execução.
Criar circunstância de acarretar pesadas despesas com Embargos de Terceiro que não deveria existir demonstra insensibilidade social fundamental àqueles que representam o Poder Judiciário.
Chega-se à conclusão, infelizmente, que o Brasil é o único país do mundo onde o passado é incerto, a despeito do princípio da segurança jurídica fincado na Constituição.
JUNTA COMERCIAL
Diante disso, é aconselhável a adoção de um cuidado extremo, devendo o comprador, antes de fechar o negócio, verificar não só a situação jurídica do vendedor, mas também se o mesmo é sócio de uma empresa e buscar informações sobre esta. É necessário pegar várias certidões para se resguardar, inclusive efetuar uma pesquisa perante a Junta Comercial.
Na Junta Comercial o comprador requererá uma CERTIDAO SIMPLIFICADA e, caso verifique que o vendedor faz parte de uma sociedade, deverá solicitar também, a Certidão Simplificada da Sociedade, sendo que nessa certidão conterá um resumo do contrato ou da última alteração contratual.
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