voltar

Fake news nos negócios imobiliários distorce descisões do STJ em busca de engajamento nas redes sociais

Circulam na internet postagens que afirmam, de forma equivocada, que se comprador ou vendedor desistem da negociação após terem negociado com a intermediação do corretor, haveria obrigação automática de pagar comissão de corretagem. Também foi divulgado que o comprador não seria responsável por dívidas condominiais anteriores à data da aquisição do imóvel, atribuindo tal obrigação apenas ao vendedor, mesmo após a conclusão da venda.

Esses artigos e posts divulgam afirmações falsas, distorcem julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foram elaborados de modo irresponsável para gerar polêmica e engajamento nas redes sociais.

É essencial que leitores desconfiem de matérias sensacionalistas, com títulos enganosos que visam somente os cliques. Muitos internautas se limitam a comentar um artigo complexo com base chamada, sem verificar o teor da decisão, frequentemente ocultado pelo autor para que sua má-fé não seja desmascarada.

Com o avanço das fake news, é preciso esclarecer: o corretor de imóvel não tem direito a comissão em decorrência de desistência das partes, sem contrato de promessa de compra e venda assinado, pois isso não configura arrependimento, e o comprador que deixou de exigir a declaração de quitação do síndico do imóvel vendido, responde pelas dívidas condominiais do imóvel adquirido.

Desistir não é o mesmo que se arrepender

O Código Civil, em seu art. 725, estabelece que a remuneração do corretor só é devida quando há “resultado útil”, o que ocorre com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda. O corretor, nesse caso, fará jus à remuneração por ter prestado o seu serviço e alcançado o resultado esperado, configurado pela assinatura do contrato de promessa de compra e venda.

desistência se uma das partes volta atrás antes da assinatura do contrato de promessa de compra e venda. Nesse caso não há comissão. Mas se o contrato é assinado e depois rescindido há o arrependimento. Nessa hipótese aplica-se multa à parte culpada e o corretor recebe sua comissão, pois o seu trabalho alcançou sua finalidade com a conclusão do negócio, conforme artigo 725 do Código Civil.

No acórdão que embasou a notícia falsa (AgInt no AREsp n. 2.803.021/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, publicado em 25/4/2025), o STJ determinou o pagamento da comissão porque houve rescisão de contrato de promessa de compra e venda. A parte foi condenada a pagar porque havia um contrato assinado, e não porque simplesmente desistiu do negócio antes da assinatura. A notícia distorceu a decisão e confundiu arrependimento com desistência para induzir o leitor a erro e gerar engajamento nas redes sociais.

Na própria decisão do STJ, acima mencionada, constou que: “No caso, o Tribunal estadual, com arrimo no instrumento contratual e nas peculiaridades constatadas, concluiu ter havido a efetiva intermediação pelo corretor e a concretização do negócio jurídico de compra e venda celebrado entre as partes, com a assinatura do documento e posterior distrato com a consequente devolução de valores”.

A assinatura do contrato de promessa de compra e venda é, portanto, o marco que separa desistência, que é bem diferente de arrependimento. Se o negócio foi formalizado, o corretor garante a sua comissão, mas, sem assinatura formalizando a conclusão do negócio – que geralmente estabelece o pagamento do sinal, bem como a multa rescisória – não há o corretor pleitear recebimento de um trabalho inócuo.

Quem compra responde pela dívida perante o condomínio

Não é correto afirmar que o comprador não responde por débitos condominiais, pois as quotas de condomínio têm natureza “propter rem”, ou seja, acompanha o imóvel, independentemente de quem seja o proprietário ou do que foi ajustado entre as partes no contrato de promessa de compra e venda.

No acórdão que pode ter embasado a notícia falsa, o casal que comprou o apartamento não registrou a escritura em seu nome e na matrícula o imóvel continuava em nome do vendedor após vários anos. O condomínio ajuizou ação de cobrança contra o casal, ganhou a ação, e, no cumprimento de sentença, pediu a penhora do bem. A decisão do processo de conhecimento, portanto, não condenou o vendedor ao pagamento, mas diante das tentativas frustradas de execução da sentença contra o comprador, o juiz permitiu a penhora do bem em nome do vendedor porque a propriedade ainda não tinha sido transferida na matrícula para o nome do comprador. A notícia distorceu completamente esse ponto. Portanto, é mentira a afirmação dos posts de que “comprador de imóvel não é obrigado a pagar dívidas antigas de condomínio e IPTU”, caso ele tenha comprado sem exigir que o vendedor as quitasse antes de fazer a escritura de compra e venda.

Imóvel em nome do vendedor pode ser penhorado por dívida do comprador

O Juiz ao determinar a penhora do apartamento que está ainda no nome do vendedor, está na prática, punindo o comprador, pois é este que ao final perderá o imóvel no leilão diante da dívida que deixou de honrar.

O STJ confirmou esse entendimento no REsp nº 1.910.280/PR, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti e publicado em 24/04/2025. A decisão reconheceu que vendedor, caso não tenha transmitido a propriedade no Ofício de Registro de Imóveis, pode ter o bem penhorado mesmo por dívida gerada pelo comprador após a posse. Se a dívida não for paga, o imóvel pode ser penhorado e até levado a leilão, não podendo a falta de registro da escritura na matrícula impedir que o condomínio receba seu crédito.

Na prática, o comprador assume o risco de débitos em aberto que deixou de exigir a quitação do vendedor, pois o condomínio não pode ser prejudicado por acordos particulares. A dívida acompanha o imóvel, garantindo ao condomínio meios de cobrar o que lhe é devido.

Esse entendimento reforça a segurança jurídica e protege o interesse coletivo, assegurando os recursos necessários à manutenção do condomínio. Em resumo: quem compra imóvel com dívida de condomínio assume também a obrigação de quita-la.

Não acredite em falsos profetas digitais

É grave que algumas pessoas, especialmente jornalistas e blogueiros, espalhem interpretações distorcidas sobre temas jurídicos complexos. Ao investir em um patrimônio, não se deve confiar em manchetes sensacionalistas nem em quem busca apenas popularidade por meio de blogs e similares. O que está em jogo não é engajamento digital, mas o patrimônio das famílias e o agravamento de conflitos por informações inverídicas.

A internet deu voz a muitos, mas nem todos têm conhecimento para orientar, sendo importante se orientar por meio de publicações especializadas e renomadas. Cabe aos contratantes protegerem seu patrimônio ao contarem com assessoria jurídica especializada em negócios imobiliários, evitando assim as armadilhas digitais.

Faça o download do arquivo em PDF clicando aqui

Kênio de Souza Pereira

Consultor da Presidência da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal

Diretor da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – BH-MG

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

contato@keniopereiraadvogados.com.br  – Tel. (31) 97139-1474