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STJ INVIABILIZA CONDOMÍNIOS FECHADOS COM DOCUMENTAÇÃO PRECÁRIA E GUARITAS EM RUAS – (BDI)

   O que venho alertando desde 2004 aconteceu e resultará na desvalorização de centenas de casas e lotes que são comercializados como se fizessem parte de “condomínios fechados”, pois na verdade se tratam de loteamentos que se transformaram em loteamentos fechados sem os devidos procedimentos jurídicos.

   Receber a quota de condomínio que sustenta esses “condomínios fechados” tende a ficar mais difícil e muitos serão extintos diante da nova posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu em março de 2015, conforme Recurso Especial nº 1.439.163-SP e REsp n.º 1.280.871/SP, julgado pela Segunda Seção, que aquele que não faz parte da associação não é obrigado a pagar o rateio de despesas. Sem esses recursos financeiros em caixa não haverá como custear as despesas com os porteiros, vigias motorizados, limpeza e outros serviços que são administrados pela associação por meio de um estatuto que é registrado somente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, nos termos do inciso I, do artigo 114, da Lei nº 6.015/73.

   O que configura um condomínio de casas sem qualquer margem de dúvidas é aquele previsto no artigo 8º, da Lei nº 4.591/64, onde os lotes de uma quadra de determinado loteamento passam a representar uma fração ideal, as vias de acessos dentro desses limites sejam áreas comuns, sendo regulamentado por uma convenção registrada no Cartório de Registro de Imóveis, conforme prevê o item 17, do inciso I, do artigo 167 da referida lei federal que regulamenta os registros públicos. Fora esse modelo, diante da ausência de uma legislação mais atual surgiu outra configuração com o “loteamento fechado”, também denominado condomínio fechado, que sendo formado de maneira precária pode gerar grande prejuízo para quem pagou mais caro por pensar não se tratar de um loteamento padrão.

   Até 2014, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em vários processos que a “associação de moradores ou do condomínio” tinha o direito de receber a quota de condomínio de todos os proprietários de lotes ou casas dos loteamentos que possuíam portaria que controlasse o acesso, pelo fato dessa vigilância e demais serviços valorizarem os imóveis, mesmo que seus proprietários não tivessem aderido ao estatuto da associação. Nesse sentido, várias são as decisões que condenavam ao pagamento com base na vedação do enriquecimento sem causa, conforme podemos ver nos julgados:

    REsp 439.661/RJ: “Condomínio Atípico. Associação de moradores. Despesas comuns. Obrigatoriedade. – O proprietário de lote integrante de gleba urbanizada, cujos moradores constituíram associação para prestação de serviços comuns, deve contribuir com o valor que corresponde ao rateio de despesas daí decorrentes, pois não é adequado continue gozando dos benefícios sociais sem a devida contraprestação”. No mesmo sentido o REsp. 261.892/SP que afirma: “Deve contribuir para as despesas comuns o proprietário de imóvel integrante de loteamento administrado por entidade que presta diversos serviços no interesse da comunidade (distribuição de água, conservação do calçamento, portaria, segurança, etc.) sob pena de enriquecimento injusto”. Mas agora mudou tudo!

   Tendo em vista a multiplicidade de processos em todo o Brasil que discutem essa matéria e, que dezenas deles estavam sendo analisados pelas 3ª e 4ª Turma do STJ, foi realizado o julgamento pela Segunda Seção, que reuniu todos os Ministros dessas Turmas para assim fixar um entendimento de forma a uniformizar a jurisprudência. Dessa forma, em março de 2015, com a votação de seis a dois, o STJ mudou radicalmente o posicionamento e consagrou que nesses casos deve prevalecer a disposição do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal que determina, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

   Assim, somente os proprietários de casas e terrenos de loteamentos fechados que assinaram o estatuto da associação ou aderiram a ela mediante registro imobiliário são obrigados a custear as despesas pelos serviços prestados, dentre eles a portaria, segurança e limpeza. Essa nova orientação prevalecerá em todos os Tribunais Estaduais e Federais e assim, liquidará a base de sustentação do custeio de centenas de loteamentos que forçavam o pagamento das quotas impostas por associações criadas de forma amadora.

 GUARITAS E VIGIAS DE RUAS EM BAIRROS

   Os mesmos fundamentos jurídicos poderão ser utilizados pelos proprietários dos apartamentos e casas localizadas em ruas onde são instaladas cancelas de controle de acesso e que não desejam arcar com as despesas com esses vigias, que às vezes circulam com motos ou automóveis pela região. Somente os que tiverem interesse nesse serviço ou os que se associarem terão o dever de custear tais despesas.  

   A nova orientação contida nos Recursos Especiais nº 1.439.163-SP e n.º 1.280.871/SP, julgados pela Segunda Seção do STJ, influenciará todos os julgamentos do país, visto que o julgamento foi realizado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil. A ementa é clara ao determinar:

    RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – CONDOMÍNIO DE FATO – COBRANÇA DE TAXA DE MANUTENÇÃO DE NÃO ASSOCIADO OU QUE A ELA NÃO ANUIU – IMPOSSIBILIDADE.

  1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram”.
  2. No caso concreto, recurso especial provido para julgar improcedente a ação de cobrança”

 ALERTEI SOBRE ESSE RISCO DURANTE 11 ANOS

   Os leitores que acompanham meu trabalho como advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, certamente não se surpreenderam com a nova visão do STJ, pois tenho alertado desde 2004, em vários artigos publicados, sobre o risco de se tornar inviável a cobrança das quotas por parte de condomínios conduzidos de forma amadora, sem a devida assessoria jurídica.

   No Boletim do Direito Imobiliário, nº 34 (nov/2004), publiquei o artigo “Adquirir lote em condomínio fechado requer reflexão”, onde relatei sobre o risco do STJ desobrigar o pagamento das taxas de condomínio por falhas na documentação.

   Ministrei várias palestras, dentre elas “A polêmica da legalidade da cobrança da taxa em condomínio fechado” no auditório da OAB-MG, em 06/05/09, no II Seminário de Direito Urbanístico da OAB-MG, no qual afirmei: “A maioria dos condomínios fechados não possui documentação adequada, sendo simples loteamentos sob o ponto de vista jurídico”.

   Sempre defendemos a viabilidade e os benefícios decorrentes do condomínio fechado, sendo que concordamos ser fundamental que todos os proprietários paguem pela sua manutenção, especialmente em relação à segurança. Mas, alertei que muitos proprietários de lotes comuns estavam se unindo a outros poucos para criar associação de forma precária, pois sem os devidos cuidados técnicos e jurídicos passaram a coagir os vizinhos a pagarem a taxa para custear a instalação de uma portaria. Afirmamos há tempos que esse expediente, estimulado pela facilidade do Poder Judiciário condenar ao pagamento das quotas de condomínio, sem analisar profundamente a questão, era temerário.

   Vários foram os proprietários de loteamentos que entenderam a orientação que divulgamos há anos, ou seja, regularizaram a documentação e lançaram os empreendimentos de forma a não enganarem os compradores, já que certamente um terreno localizado num loteamento fechado vale bem mais do que num loteamento comum.

   O loteador que enganou os adquirentes pode vir a ter que indenizar as centenas de pessoas que compraram uma coisa pensando ser outra. Logicamente, diante do agravamento da insegurança e visando tranquilidade, muitas pessoas pagaram valores mais expressivos com a certeza de que a documentação que impõe a manutenção do custeio do rateio de despesas era perfeita. Entretanto, agora, sem essa regulamentação jurídica pagará a quota mensal só quem desejar, pois diante da impossibilidade de obter sucesso da ação de cobrança, o “projeto de condomínio fechado” corre o risco de deixar de existir com o aumento da inadimplência.

ENGANAÇÃO NA VENDA DO “CONDOMÍNIO FECHADO” É ANTIGA

   A situação é tão grave que em vários casos nem o loteamento é aprovado, inclusive em regiões nobres de grandes cidades do país. Vários são os casos do loteador negociar uma gleba de terreno, ou seja, vende uma fração de uma fazenda com base numa planta particular, sem aprovação do município, ato esse que afronta a Lei nº 6.766/79. Em alguns casos poderá configurar afronta do Código de Defesa do Consumidor e ainda os crimes de estelionato e de falsidade ideológica previstos no Código Penal.  

   Diante dessa irregularidade, a cada venda surge um “novo sócio” ou cotista da “fazenda” sendo tudo registrado na única matrícula do cartório de registro de imóveis, já que não há matrículas individualizadas dos terrenos. O imbróglio só tende a complicar a cada nova transação diante da configuração de um “condomínio geral”, nos termos dos artigos 1.314 a 1.326 do Código Civil. As vítimas desse tipo de “empreendimento” passam a ter vários problemas, em especial, ficam sujeitas ao dever de oferecer a sua fração ideal, a todos os demais coproprietários, caso desejem vender, pois nos termos do artigo 1.322 do Código Civil, quem é coproprietário tem direito de preferência. E a venda realizada sem observar tal direito pode ser anulada por quem achar que foi prejudicado.

   Esse expediente que burla a lei nº 6.766/79 foi posteriormente coibido em várias cidades para evitar que as pessoas fossem enganadas com a aquisição de lotes irregulares. Em Minas Gerais, em 1993, o desembargador Sérgio Lélis Santiago, Corregedor de Justiça do Estado de Minas Gerais, baixou a instrução nº 213/93, que estabeleceu: “Não podem os titulares dos cartórios imobiliários proceder o registro de frações ideais de terreno com localização, numeração e metragem certas, ou de qualquer outra forma de instituição de condomínio que caracterize loteamento ou desmembramento do solo urbano de modo oblíquo e irregular, desatendendo aos princípios da lei 6.766/79, notadamente a prévia aprovação do projeto respectivo pelo poder público municipal, respondendo o infrator pelas penalidades cabíveis.”

 MUITOS CONDOMÍNIOS FECHADOS DEIXARÃO DE EXISTIR

   Nos condomínios fechados sem a devida organização jurídica, centenas de proprietários serão estimulados a deixar de pagar a quota de condomínio ou custos de manutenção da associação. Essa situação se repetirá em relação às guaritas colocadas em ruas, bem como quanto aos vigilantes, tendo em vista que os donos de apartamentos e casas poderão se recusar a pagar por não terem aderido ao estatuto.

   Mas quem seguiu as orientações que divulgamos há anos, não terá problemas, já que ao agir de forma profissional, regulamentou tudo antes do lançamento do loteamento e registrou a obrigação de participar da associação na matrícula do imóvel.

 

Belo Horizonte, 1º de setembro de 2015.

 

Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – BH-MG

Professor da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB-MG

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG

Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

E-mail: keniopereira@caixaimobiliaria.com.br (31) 3225-5599