Um bom profissional, seja vendedor ou prestador de serviços, é aquele que conduz de forma correta e ética a venda de um produto ou serviço, consciente de que a venda lhe renderá somente no caso de o cliente ser corretamente atendido. Portanto, não se trata daquele que vende apenas para bater metas, custe o que custar, pois esperteza tem limites, inclusive no Direito Penal. Certamente, os consumidores já estão cansados de serem enganados no cotidiano da aquisição de produtos e serviços, enquanto os empregadores premiam os que apresentam resultados sem questionar os meios.
Quem experimenta o desgosto de descobrir que foi enganado, facilmente percebe o contorno criminoso que há na conduta de vendedores sem escrúpulos, que mentem e omitem, sem dó. Essa constatação se torna escandalosa na medida em que todos, mesmo os vendedores sem ética, são também consumidores, de forma que eles próprios, certamente, já se viram na mesma posição do consumidor enganado. Há gente séria, que deseja oferecer o que é melhor para seu cliente. Mas, em muitos casos, não há solidariedade, nem respeito ao próximo. Há somente a ganância, e nada mais.
Se os consumidores ao invés de simplesmente ajuizarem demandas pedindo indenizações promovessem ações penais pelo crime de estelionato contra o profissional, seja ele autônomo ou não, bem como o vendedor e, consequentemente, contra seus superiores hierárquicos que se responsabilizam diretamente pelo comportamento do empregado, talvez esses criminosos contumazes percebessem a gravidade de suas condutas e procurassem se pautar em princípios morais e legais. O gerente, o patrão, podem ser incluídos nisso, porque não se dispensa as diversas formas de ser caracterizado o concurso de pessoas, seja na modalidade coautoria ou participação. Estimulem sim, o bom desempenho de seus empregados, mas dentro de princípios admiráveis.
Existe, ainda aqueles que agem assim porque todos agem também. Se nada acontece como consequência a nenhum deles, todos se sentem à vontade para prosseguir com a conduta criminosa tipificada no Código Penal em seu artigo 171 que dispõe: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Diante disso, fica um alerta para os que se julgam espertos: não pose com um largo sorriso para a fotografia de melhor funcionário do mês se não tem certeza da licitude dos meios empregados para realização de suas vendas.
A sordidez está em se utilizar de argumentos que se aproveitam da vulnerabilidade dos consumidores. Não pela falta de conhecimento suficiente sobre o produto ou serviço e as suas consequências, apenas. Pior, aproveitam-se da necessidade extrema, da fragilidade de saúde, da condição da idade. Diante dessa realidade, em dezembro de 2015, foi aprovada a lei nº13.228, que inseriu o § 4º no artigo 171 do CP, crime de estelionato, passando a prever a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. Assim, a pena de 1 a 5 anos de reclusão passou a ser de 2 a 10 anos. Bem considerável!
Há uma mensagem subliminar nessa previsão legal: tenha consideração pelo próximo. Já seria um bom começo para construir uma moral e uma ética suficientes para convivermos melhor em sociedade.
Para realizar um negócio, adquirir um automóvel, casa, computador, equipamentos em geral, plano de saúde ou de telefonia, bem como para aplicar nossas economias no mercado financeiro, de ações ou imobiliário as pessoas buscam orientação junto àqueles que vendem os referidos produtos e serviços. Esses se apresentam como orientadores para os clientes que têm pleno conhecimento da matéria. Diante da ideia de que as pessoas são honestas até prova em contrário, julgamos que o gerente do banco, o corretor de imóveis, o vendedor da loja, o atendente da concessionária de telefonia nos informam a veracidade sobre o que é melhor para adquirirmos ou contratamos.
Confiamos na boa-fé, na convicção de quem foi contratado pela empresa para atender os clientes nunca nos passaria pra trás, que seria incapaz de nos lesar ou mentir para tirar vantagem da nossa falta de conhecimento sobre determinado produto ou serviço.
Grande engano! Temos todos os dias constatado o crescimento da enganação descarada, inclusive por meio de propagandas mentirosas, sem pudor, de “profissionais” que deveriam ter como princípio a ética, a honradez de orientar quem lhes procura para realizar um negócio adequado. Vemos clientes e consumidores decepcionados com o gerente do banco que lhe induziu a fazer uma aplicação ruim ou a comprar um seguro de vida péssimo, pois este visou apenas cobrir a meta e a lucrar com a comissão. Outros, tendo que entrar com processo judicial contra o vendedor por ter comprado o imóvel com falhas na documentação ou defeitos que o corretor de imóveis ou construtor omitiu. Trabalhadores que necessitam do celular ou de uma boa conexão da internet perdendo clientes por falta de contato ao descobrirem que o Plano de Telefonia que comprou não é nada daquilo que o vendedor prometeu. Até a vida é desrespeitada, ao vermos pacientes tendo que operar novamente para corrigir os problemas de uma cirurgia que ocorreu em decorrência de o médico ter induzido a um procedimento desnecessário, pois este, como alguns dentistas, visou apenas o lucro e não o bem estar daquele que lhe confiou a saúde. Casos não faltam de advogados, engenheiros, contadores e outros aceitando executar serviços que não estão aptos a executar ou orientando o cliente, que se torna vítima, a fazer o que não deveria.
Certamente, essa conduta irresponsável e imoral não estaria crescendo tanto se os prejudicados promovessem um processo criminal contra o vendedor, o atendente, o gerente que mente e engana para lucrar às custas do sofrimento alheio. Muitos cometem essa imoralidade por falta de berço, já que os pais talvez não temessem a Deus ou ignorassem que “passar a perna no próximo” configura, em muitos casos, crime de estelionato previsto no Código Penal.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
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