Nunca se viram tantas lojas desocupadas em Belo Horizonte, como nas demais cidades de grande porte no país. Desde 2014, as margens de lucro em todos os negócios sofreram redução expressiva, passando a ser comuns a renegociação do valor do aluguel e a flexibilização quanto às condições de compra. Entretanto, há casos de lojas que estão fechadas há anos diante do valor excessivo da cota de condomínio cobrada com base na fração ideal, fato que lhes acarreta desvalorização.
Nos casos de edifícios mistos, com lojas situadas no térreo e com entrada distinta, sendo a torre composta por apartamentos ou salas, o desequilíbrio da cobrança da cota de condomínio torna-se mais visível quando a loja possui uma área construída que corresponde, por exemplo, a mais de 20 salas. E isso ocorre apesar de existirem inúmeras decisões judiciais dos tribunais de Justiça que declaram ser indevida a cobrança do rateio de condomínio da loja com base na fração ideal, critério adequado somente para dividir os custos da obra numa incorporação.
Não tem sentido uma loja de, por exemplo, 600 m² pagar R$ 5.000 de cota de condomínio enquanto cada sala com 30 m² paga R$ 250 de cota nas despesas com elevadores, porteiros, limpeza dos corredores, garagem e serviços que são prestados somente para aqueles que ocupam salas. Em geral, a loja tem entrada independente, diretamente pela calçada, hidrômetro e relógio de energia separados, não se beneficiando dos faxineiros e dos porteiros, que só controlam o acesso de quem frequenta as salas e a garagem utilizadas exclusivamente pelos ocupantes das salas. Torna-se evidente que a loja não pode arcar com essas despesas, que não lhe trazem qualquer proveito.
Conforme decisões de juízes que se aprofundam na matéria, baseadas em perícias judiciais, caracteriza enriquecimento sem causa cobrar do proprietário que tem unidade maior (onde se inclui apartamento de cobertura ou térreo), despesas de serviços que não lhes trazem qualquer benefício.
Qualquer pessoa de bom senso sabe que se deve pagar pelo que se utiliza ou está à disposição, sendo irracional entender que o artigo 1.336 do Código Civil autoriza lesar o vizinho, pois tal disposto não revogou a matemática, a lógica nem a honestidade.
A fração ideal foi criada em 1964 por meio da Lei 4.591 para dividir despesas de construção, o que não tem nenhuma relação com a divisão de despesas de conservação das áreas comuns. Nenhuma lei transformou a cota de rateio em imposto, pois o valor do bem é base apenas para o ITBI e o IPTU. Cabe ao prejudicado contestar esse abuso em Juízo por se sobrepor aos princípios jurídicos da boa-fé e da função social do contrato, além de caracterizar enriquecimento sem causa da maioria, que lucra ao pagar menos. Neste “país da esperteza”, somente um ingênuo pensa que dois terços dos condôminos aceitarão espontaneamente alterar a convenção para promover o rateio justo. Cabe à Justiça eliminar situações desequilibradas.
Belo Horizonte, 20 de novembro de 2017.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Professor da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia-ESA/OAB-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
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