Diante dos avanços tecnológicos que aprimoram as prestações de serviços, é possível antever quais trarão problemas. O primeiro e mais fácil de ser identificado são os atendimentos realizados por robôs que distanciam o prestador de serviço do cliente. Quando somado o atendimento robotizado à falta de endereço fixo, o problema é ainda maior, pois enquanto tudo der certo, ótimo! Mas, quando surgem problemas, exigir o cumprimento do contrato se torna quase impossível, porque não é possível ponderar com robôs que têm respostas prontas e não analisam os casos individualmente, além da dificuldade de se notificar e citar judicialmente a empresa.
No mercado imobiliário tem chamado atenção a atuação da startup paulista QuintoAndar, a qual se apresenta como uma imobiliária inovadora, com um modelo de serviço contrário ao praticado pelas imobiliárias tradicionais, que possuem pessoas que trocam ideias e analisam as particularidades e não robôs para atender os clientes. Nenhum cliente conseguiu a proeza de sentar na mesa com um atendente da QuintoAndar, sendo que essa se negou a explicar para a Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG. qual o seu patrimônio para garantir os pagamentos dos aluguéis e danos de centenas de imóveis, pois a imobiliária diz que é transparente, mas isso não se constata na prática.
É direito de qualquer cidadão saber que a QuintoAndar age dentro da legalidade, conforme determina o Decreto-Lei 73/66 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regulamenta a atividade para evitar golpes, venda de produtos que enganam os consumidores e ao final a frustração daqueles que pagam para uma empresa quantias que pensa que lhe garantirá a indenização de um prejuízo ou dano. O Decreto-Lei, proíbe que uma imobiliária venha a se aventurar a ser uma Cia. de Seguros, conforme o “art 73. As Sociedades Seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria!”.
O que se vê é um tremendo marketing que se aproveita do desconhecimento das leis e dos sistemas que envolvem as locações para iludir os locadores, já que os seduz com promessas que somente uma Cia. de Seguros, que tem enorme reserva financeira e que é fiscalizada pelo Governo Federal por meio da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), é autorizada a fazer.
O QuintoAndar atende prioritariamente o inquilino, porque o locador fica desprotegido ao alugar “sem fiador, seguro fiança ou depósito caução”. Na matéria publicada no Jornal O Tempo, no dia 21/05/19, com o título “App elimina fiador e paga o aluguel se o inquilino atrasar”, o diretor do QuintoAndar afirmou: “O locatário não precisa dar nenhuma garantia porque nós damos”. A imobiliária virtual promete tranquilidade, certeza de recebimento do aluguel e dos danos do imóvel com a “cobertura de R$50 mil”, mediante o pagamento de 1º mês de aluguel e de um percentual que desconta do aluguel e encargos.
Não se pode ignorar o art. 757 do Código Civil, que define os 5 elementos de um seguro: risco, segurado, prêmio, indenização e a Cia. de Seguros. O parágrafo único estabelece: “Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”. O QuintoAndar não trabalha com nenhuma Cia. Seguradora que emita as apólices de seguro fiança para cada locação, fato esse desconhecido pelo locador crédulo, pois ao contar com a sorte poderá vir ao final da locação ser mais um a figurar no site Reclame Aqui, site esse que reflete bem como essa imobiliária atua após receber o 1º aluguel a título de remuneração.
A SUSEP tem proposto Ações Civis Públicas contra empresas que atuam como Cia. seguradoras sem o serem, pois no momento que ocorrem os danos, ninguém assume os prejuízos. Não temos nada conta a modernidade, as tecnologias e o ambiente virtual. Mas o fato é que a vivência na atuação junto ao Poder Judiciário já mostrou que todo avanço não dispensa a obediência às leis.
Belo Horizonte 24 abril 2019
O resumo deste artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 A 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-Mg e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG