Locação em duplicidade gera dever de o locador indenizar
Ante a intenção de agilizar a locação, alguns proprietários têm entregado seu imóvel para mais de uma imobiliária promover a sua ocupação, ignorando que a Lei nº 6.530/78 e o Decreto 81.178/78 que regulamentam o exercício da profissão dos corretores de imóveis determinam que a intermediação deve ser realizada somente por um corretor, justamente para proteger o proprietário de riscos. A permissão para que mais de uma imobiliária promova a locação, tem gerado locações em duplicidade que têm aumentado com a atuação das imobiliárias virtuais que divulgam o imóvel no pela internet sem qualquer controle. Com o modismo de serem ágeis, as imobiliárias virtuais não se preocupam se a documentação de quem oferece o imóvel para locar está regular, podendo ocorrer problemas nessas transações que são realizadas contando com a sorte.
O que se constata é o fato de duas ou mais imobiliárias, que por não fazerem parte de uma rede, agirem sem qualquer intercomunicação. Sabendo que há outra concorrente promovendo a locação, procura fechar o contrato com um inquilino rapidamente, antes que a outra imobiliária o faça, não se importando com a qualidade do cadastro do novo ocupante. Dessa maneira tem surgido a desagradável situação de a família do inquilino chegar ao imóvel com o caminhão de mudanças e constatar que esse foi ocupado dias antes por outro inquilino, que o locou em outra imobiliária.
O problema tem crescido com essa atitude do proprietário que não é alertado dos riscos de autorizar mais de um intermediário. Conforme a lei, as locações são realizadas diretamente pela imobiliária, que sempre assina o contrato no lugar do proprietário que se torna locador, pois conforme o artigo 656 do Código Civil “o mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito”. O fato de o proprietário entregar as chaves do imóvel para o corretor, caracteriza procuração tácita para fechar o contrato de locação.
Estando a locação do imóvel sendo promovida por várias imobiliárias, que, por serem concorrentes não se comunicam, agrava-se a falta de controle, favorecendo o surgimento de dois contratos para o mesmo imóvel. Isso revolta o inquilino que pensou que teria a posse tranquila do bem que locou após gastar seu tempo com a confecção do seu cadastro e com o de seus fiadores.
Cabe ao pretendente à locação ficar atento ao imóvel que estiver sendo anunciado por mais de uma imobiliária, para evitar essa situação de risco.
Na verdade, quem mais perde com essa postura irregular é o proprietário do imóvel, pois, ao deixar de contratar uma imobiliária que se pauta pela seriedade, profissionalismo e segurança, acaba entregando as chaves para qualquer empresa cujo o foco não é outro senão o de colocar quem quer que seja no imóvel, já que visa apenas receber a taxa de contrato e a comissão de intermediação. As imobiliárias mais criteriosas evitam trabalhar sem exclusividade, para que possam prestar serviços de forma segura e assim manter o cliente satisfeito por muitos anos.
Entretanto, quando o imóvel é entregue para mais de uma imobiliária, fica evidente a despreocupação do locador com a ética da imobiliária e diante disso essa loca ao primeiro que aparece por saber que perderá o imóvel se for cuidadosa na seleção do inquilino.
Quando ocorre a locação para mais de um inquilino, aquele que for preterido poderá exigir do locador a multa rescisória de seis meses do valor do aluguel (podendo variar conforme o contrato), as despesas com a mudança, perdas e danos, sendo que existe processo que o juiz condenou inclusive ao pagamento do hotel. Pode ainda o juiz condenar o locador a pagar os danos morais diante do constrangimento e a vergonha da família ficou com o caminhão de mudança na rua tendo que ir para um hotel por não ter conseguido entrar no imóvel.
O locador deve entender que esses prejuízos são causados justamente por ele contribuir com o risco de ocorrer a locação em duplicidade, pois poderia agir corretamente ao escolher somente uma imobiliária. Caso deseje incrementar a divulgação do imóvel por dezenas de imobiliárias, pode optar por uma que faça parte de uma Rede. Dessa maneira, em um único site dezenas de imobiliárias divulgarão ao mesmo tempo a locação ou a venda de um determinado imóvel de maneira organizada, sem nenhum risco para o locador.
Este artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 A 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-Mg e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG