Há mutuário de financiamento imobiliário que ao perder a capacidade de pagamento deixa de tomar medidas urgentes para sanar o problema. Por falta de conhecimento das regras e por má orientação contrata advogado para judicialmente atrasar o procedimento de consolidação de propriedade e leilão do imóvel financiado, mesmo não tendo intenção de quitar a dívida. Ignora que a garantia fiduciária permite a perda da moradia num prazo de apenas seis meses.
Caso possa realmente pagar a dívida, seja útil uma consultoria jurídica para conduzir o caso, sendo que renegociá-la é muito difícil, especialmente se o agente financeiro for um banco privado.
Tendo o devedor do financiamento perdido a capacidade de pagamento das parcelas vincendas e não tendo como quitar de imediato as parcelas e despesas em atraso, o mais prudente é deixar a emoção de lado, fazer as contas e vender o imóvel de qualquer maneira para obter algum recurso financeiro.
É realmente difícil aceitar a perda do imóvel em virtude do atraso de apenas algumas prestações e de um saldo devedor pequeno em relação ao valor do bem. Entretanto, se perdeu a condição de pagar, deve agir rapidamente, pois é ilógico, por exemplo perder um imóvel avaliado em R$900 mil por causa de um saldo devedor de R$300 mil. Protelar, rezar, fazer promessa não fará acontecer o milagre da dívida sumir.
Inércia e falta de visão matemática aumentam o prejuízo
A garantia com base na alienação fiduciária é voraz, sendo que a partir do terceiro mês em atraso, o banco consegue consolidar a propriedade em seu nome pelo valor da dívida, ou seja, o apartamento de R$900 mil é adquirido pelo banco por R$350 mil (saldo devedor mais despesas), conforme o exemplo citado.
O ex-mutuário, ao insistir permanecer no imóvel, acaba virando réu num processo judicial de imissão de posse movido pelo adquirente. É comum o Juiz condenar o ocupante, que não conseguiu evitar o leilão, a pagar valores expressivos a título de fruição, ficando ainda com o nome negativado no cadastro do Poder Judiciário, no Serasa e no SPC, o que lhe impedirá de fazer novos negócios.
Vender barato possibilita o recomeço
A solução é drástica. É melhor vender barato o imóvel, negociar com um comprador a quitação integral do financiamento e ao final ficar com algum dinheiro e o nome limpo do que permanecer na moradia sofrendo com o crescimento da dívida e ao final perde-la com o risco de não receber nada após o leilão.
Na prática, liquidar o imóvel por um valor baixo evita o prolongamento de uma situação aflitiva, bem como permite uma desocupação digna, sem traumas, pois é muito ruim não fazer nada, esperar o leilão e depois receber a visita do arrematante que solicitará a posse por meio de um processo judicial de imissão na posse que resultará na ordem judicial de desocupação. O relógio não para, o banco não espera!
Se conseguir vender por R$500 ou 550 mil, poderá sobrar R$200 mil. Parece mal negócio, mas é a solução possível. É comum o vendedor achar ruim ao imaginar que irá beneficiar um terceiro ao vender bem abaixo do preço. Se esquece que o mercado está desaquecido e se demorar quem ganhará tudo será o banco, razão que tem feito o setor bancário bater sucessivos recordes de lucratividade.
É melhor o mutuário consolidar um prejuízo menor do que ficar inerte, como tem ocorrido na maioria dos casos, em que devedor ao final não fica com nada quando o bem é adjudicado pelo valor da dívida. Se vende o imóvel rapidamente, antes do leilão, com o valor que sobra da venda ao terceiro poderá dar entrada em outro imóvel, pagar aluguel e juntar mais recursos para uma futura aquisição, num momento melhor, com um emprego que permita uma nova oportunidade.
Banco lucra com a falta de conhecimento do cliente sobre matemática financeira
Lamentavelmente, vemos muitos mutuários inadimplentes perderem tudo, inclusive o valor da entrada e o que gastou na reforma da moradia, por não compreenderem como funciona a cobrança e o leilão do imóvel previstos na Lei nº 9.514/97. O banco, no 2º leilão, pode vendê-lo pelo valor da dívida, mais encargos, de forma que não sobra nada para quem perde o imóvel.
Agora, se o leilão apurar uma quantia maior, o banco é obrigado a entregar o que sobejar o valor total da dívida, mas o ex-mutuário terá que contratar advogado para conseguir receber, já que raramente o banco entrega esse crédito espontaneamente. É incrível, mas a Lei 9.514/97, não estipula nenhuma multa para o banco que desrespeita o direito do mutuário de receber o valor que sobrar do leilão. É comum o banco, maliciosamente, criar diversas despesas e empecilhos para sabotar o mutuário, cabendo a este ter uma consultoria jurídica que domine matemática financeira, pois ficar inerte e agir de maneira amadora é a pior opção.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 A 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-Mg e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG