Em tempos de crise, muitos perdem dinheiro com o desaquecimento da economia e o crescimento do desemprego. Todavia, os bancos sempre conseguem aumentar os lucros em decorrência da inadimplência verificada nos financiamentos imobiliários, o que lhes permitem tomar o imóvel por serem garantidos pela alienação fiduciária. O fato de o comprador da casa desconhecer as complexidades da Lei nº 9.514/97, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, tem permitido que alguns bancos ajam de forma implacável contra o devedor, que receando perder sua moradia aceita situações injustas e ilegais.
O prazo de carência, que até 2013 era de 90 dias de atraso para o início dos procedimentos de cobrança por meio de intimação por Oficial de Registro de Imóveis, foi reduzido nos contratos firmados nos últimos anos para apenas 30 dias. Num país como o Brasil, com economia desaquecida e alta taxa de desemprego, configura uma anomalia um processo de perda da moradia de maneira tão célere. Um mutuário de uma casa que, por exemplo, a tenha comprado por R$700 mil e financiado apenas 30%, ou seja, R$210 mil, após pagar as prestações durante alguns anos, pode vir a perder sua moradia m apenas 80 dias, por ser devedor de valor inferior a R$100 mil.
O problema exige uma reflexão, pois são milhares os casos de mutuários que perdem o imóvel por não ter pago uma dívida que representa apenas 20% do valor do bem, sem contar as benfeitorias que instalou e o valorizaram. Em muitos casos o banco cria dificuldades para o devedor quitar o débito após ter pago o ITBI para consolidar a propriedade, deixando claro a intenção de lucrar com a perda do bem. O ideal seria que parte do que pagou ficasse com o ex-mutuário, já que quitou parte significativa do imóvel. Não é razoável um prejuízo tão expressivo a ponto de gerar enriquecimento sem causa do credor.
Nos casos que o banco consegue obter no leilão valor que venha a superar a dívida, a Lei nº 9.514/97 estabelece o dever do credor entregar ao devedor o valor que sobejar no prazo de cinco dias. Entretanto, pelo fato da lei não estabelecer penalidade pela não entrega desse crédito do devedor, em vários casos o banco se recusa a cumprir essa obrigação legal, tendo aquele que perdeu sua casa que contratar advogado para fazer valer seu direito. A atuação jurídica se faz necessária também pelo fato dos bancos se recusarem a explicar os descontos e custos exagerados que inventam para reduzir a quantia que deve ser devolvida ao ex-mutuário.
É importante os compradores entenderem como funciona a garantia fiduciária, pois eles só permanecem na posse do imóvel enquanto forem adimplentes. O procedimento de cobrança inicia-se após atraso de 30 dias, sendo que o devedor fiduciante receberá uma notificação para pagar no prazo de 15 dias as parcelas em atraso e demais despesas de cobrança, de uma só vez. Não o conseguindo, o banco/credor fiduciário requererá a emissão da guia do ITBI, e ao quitá-la se tornará proprietário do imóvel, promovendo o seu leilão no prazo de 30 dias. Em vários casos não ocorre arrematação, tornando-se o banco dono do imóvel pelo valor de uma dívida pequena, obtendo um lucro extraordinário ao vendê-lo posteriormente. Perder uma moradia num prazo tão curto é inaceitável, especialmente perante um contrato de 20 a 30 anos. Não pode ser tratado como mau pagador quem atrasa 60 dias, pois essa situação ocorre normalmente quando o devedor fica doente ou perde o emprego.
A malícia do credor fiduciário está também no fato de estabelecer no contrato de financiamento, que o devedor/fiduciante nomeie seu cônjuge procurador para receber notificação ou intimação. Caso o casal esteja separado, pode ocorrer que aquele que tenha recebido a intimação para quitar a dívida em 15 dias não comunique nada ao outro, para justamente provocar a perda da moradia. É direito de ambos serem intimados para evitar prejuízos para a família, em especial quando envolve filhos.
Ocorre ainda situações em que o banco pressiona o Oficial do Registro de Imóveis a declarar que o devedor se encontra em local incerto e não sabido para poder provocar a intimação via edital. Assim, procura fazer o devedor perder o imóvel com maior celeridade, sendo lógico que, em muitos casos, este não está em casa no horário comercial para receber a intimação, o que é comum, pois tem que trabalhar. Para encontrá-lo, o correto seria ir à casa do devedor fora do horário comercial, mas o Oficial do Títulos e Documentos não entrega as notificações e intimações fora daquele horário. A intimação por edital, que quase ninguém lê, exige que sejam realizadas várias diligências para gerar veracidade na alegação de que a pessoa não tenha sido encontrada.
Quanto aos valores das prestações em atraso, há banco que envia para o Oficial Registrador uma planilha com cálculos futuros para fundamentar a cobrança de parcelas que vencerão após a solicitação da intimação, sendo comum a inclusão de despesas estranhas, o que fere a lei. O cálculo exato somente poderá ser realizado no ato do pagamento do débito com o índice existente naquele momento. A ganância e a má-fé têm possibilitado lucros àqueles que se aproveitam da falta de conhecimento da população que insiste em agir de forma ingênua.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 A 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-Mg e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG