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LOCAÇÃO ISENTA DE PROBLEMAS É ENGANAÇÃO

 Imobiliária virtual atua num “mundo perfeito”

   Com o desaquecimento da economia ocorrido a partir de 2015 que aumento o desemprego e reduzir a capacidade de pagamento dos inquilinos, passou a ser mais difícil alugar imóveis, especialmente diante do excesso de oferta decorrente do boom imobiliário ocorrido no período de 2005 a 2013. Há décadas não se via uma crise tão grave. Aproveitando-se dessa situação surgiram alguns startups, que foram denominadas imobiliárias virtuais, que utilizando de capital estrangeiro de risco, passaram a se aventurar no Brasil. Elas apostam no desconhecimento dos proprietários de imóveis sobre os riscos de uma locação.

   Com um marketing agressivo nas mídias sociais há imobiliária virtual iludindo aqueles que têm imóveis para locar, dando a impressão de que é simples alugar, pois basta enviar alguns e-mails e pegar as chaves ou clicar num aplicativo.  Ferem os artigos 6º, III e 31 do Código de Defesa do Consumidor e o 723 do Código Civil, com propaganda enganosa ao deixarem de explicar sobre os riscos de inadimplência no mercado locatício no Brasil.  Passam a ideia de seus candidatos à locação serem ungidos por “Deus, verdadeiros santos”, incapazes de deixar de quitar os aluguéis, IPTUs, condomínios e os danos dos imóveis, os quais podem atingir elevados valores.

 RISCO DE INADIMPLÊNCIA É REAL E TEM CRESCIDO

   O valor do aluguel consiste na maior despesa de uma família que não tem casa própria, sendo comum ocorrer a inadimplência no momento que a renda cai, como no caso de desemprego ou do insucesso do negócio próprio.          

   A taxa de desemprego no Brasil ficou em 12,4% no trimestre encerrado em fevereiro, atingindo 13,1 milhões de pessoas, segundo divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em relação à taxa de subutilização – trabalhadores que poderiam estar trabalhando mais horas – o índice chegou a 24,6%, ou seja, 27,9 milhões de pessoas. Esse foi o maior número da série histórica do IBGE, desde 2012, sendo que isso explica o tempo maior de demora para alugar os imóveis em geral.  

   Os criadores das imobiliárias virtuais, se utilizando dessa situação, lançaram modelo de negócio que promete fazer a locação rapidamente, o que não é nenhuma novidade, pois renunciam a qualquer garantia. Há décadas qualquer um consegue alugar mais rápido se o faz sem fiadores e sem seguro de fiança locatícia. Para isso, não é preciso o proprietário pagar a ninguém para administrar, pois ele mesmo pode colocar um pretendente dentro do seu apartamento se deseja contar com a sorte.

   A imobiliária virtual tem como seu principal cliente o inquilino, tratando o locador em segundo plano, pois o que ela visa a facilitar a vida do inquilino, deixando o locador completamente desprotegido, especialmente no momento que o inquilino se recusa a fazer os reparos do imóvel. Agem para favorecer o inquilino, aceitando que a locação seja realizada por várias pessoas apenas para completar a renda, não se importando com a sublocação, pois ninguém constata quem realmente irá residir no apartamento e contribuir com o pagamento do aluguel.

   A exigência de fiadores ou seguro fiança locatícia decorre do fato do inquilino não ter nenhum patrimônio, sendo o patrimônio do fiador ou da Cia. Seguradora a base da garantia de qualquer contrato de locação.

 INADIMPLÊNCIA É QUE MOTIVOU CRIAÇÃO DAS IMOBILIÁRIAS

   A experiência da locação no Brasil, conforme se constata nos milhares de processos de despejo por falta de pagamento ou de cobrança, demonstra que o débito locativo supera facilmente a 20 vezes o valor do aluguel, pois envolvem, além do aluguel, o IPTU, condomínio, multas, reparos no imóvel, isto é, ao final, o prejuízo do locador surpreende quem não tem experiência no setor.

   Somente em Belo Horizonte o número de processos relativos a questões locatícias era de 10.000 em 2017 e agora em 2019 superou a marca de 11.000, ou seja, os conflitos têm crescido, mesmo existindo nos contratos fiadores ou seguro fiança.

   Porém, estranhamente, essa realidade parece não existir para as imobiliárias virtuais, que vendem uma ideia de um “mundo perfeito”, onde não há devedores de aluguel. Entretanto, pesquisa realizada em maio de 2019, pelo Serasa Experian revelou que o Brasil registrou 62,8 milhões de inadimplentes, o que significa que 40,1% da população adulta encontra-se em débito, sendo que em abril de 2019 o número era ainda maior, de 63,2 milhões de devedores.

   Apesar disso, num verdadeiro contrassenso, há aqueles que insistem em iludir pessoas ingênuas com a ideia de locação sem garantias, sendo que, incrivelmente, muitos proprietários de imóveis acreditam nessas promessas e entregam, em alguns casos, seu único bem para ser administrado por uma empresa virtual, que não possui qualquer patrimônio para garantir o aluguel em caso de débito do inquilino.

   Deve-se considerar, a título de exemplo, que apólices de seguro sobre responsabilidade civil só são pagas após o trânsito em julgado de um processo judicial. Os locadores mais preparados não aceitam ser enganados, pois diante de promessas mirabolantes, exigem que a imobiliária virtual comprove sua real capacidade de pagamento ou pelo menos apresente a apólice de seguro de fiança locatícia que conste os dados do seu imóvel, de maneira a ter a garantia prevista no artigo 37 do Lei do Inquilinato. Nessa hora, a verdade aparece! Não existe nenhuma apólice de seguro fiança, apenas a propaganda e contratos de administração e locação com centenas de cláusulas confusas e de difícil entendimento que retiram a responsabilidade da imobiliária no caso de inadimplência. Contam com a credulidade dos locadores que assinam contratos sem ler e que só descobrem que as promessas “não são bem assim” no momento que surgirem os prejuízos, sendo ilegal qualquer imobiliária se passar por uma Cia. Seguradora.

   Nesse caso fica a dúvida, como o locador receberá o valor devido pelo inquilino, sendo que os débitos em geral surgem no final da locação? É notório que nos processos judiciais o fiador fica revoltado ao ser cobrado por uma dívida que ele não criou e por isso só paga quando tem seu imóvel penhorado.  Qualquer advogado com experiência em despejos sabe que numa ação, se os réus não têm patrimônio, a dívida não é paga na maioria dos casos. Em razão disso, veremos que nas locações realizadas por imobiliárias virtuais, no momento que ocorrer a inadimplência e o locador receber o apartamento danificado, esse não terá como pagar os altos custos com advogado, custas judiciais, além de ficar com o imóvel fechado por meses esperando a realização da perícia judicial (que custa caro), sendo que tais gastos só aumentarão seu prejuízo. Sem ter bens de fiadores para penhorar e ao perceber que a imobiliária virtual não garante nada, pois sua garantia está na “nuvem”, o locador entenderá que no Brasil os riscos da inadimplência são elevados e que por essa razão surgiram há décadas as imobiliárias sérias que se mantêm no mercado por protegerem os locadores.    A modernidade tem iludido inúmeras pessoas, como ocorreu com as empresas “ponto com” que sugiram valendo bilhões de dólares e logo depois desapareceram. Inovação não pode ser confundida com irresponsabilidade e enganação.

 

 Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

Diretor-adjunto do IBRADIM-MG – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br