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CONDOMÍNIO PODE RESCINDIR CONTRATOS FIRMADOS PELA CONSTRUTORA – CONTRATOS – (BDI)

 

   Na fase final da construção é comum a construtora contratar serviços como manutenção de elevador e o fornecimento de gás para o condomínio. Ocorre que em alguns casos, mediante o recebimento de alguma vantagem do fornecedor, a construtora pactua o contrato por prazos longos e com cláusula estipulando uma renovação automática após o edifício ser entregue aos adquirentes. O problema é que há condomínios acumulando prejuízos ao manter esses contratos com preços acima do mercado, sem saber que têm o direito de rompê-los sem pagar multa e assim contratar outra empresa que cobre um valor menor ou preste um serviço de melhor qualidade.

   É comum as prestadoras de serviço darem benefícios para construtora que firma contratos com cláusula de renovação automática, como por exemplo, realizar as instalações do encanamento de gás gratuitamente ou a preço de custo, de maneira a  gerar lucro para a construtora que deixa de gastar com a obra de encanamento que possibilitaria a leitura individualizada de consumo. Com esse “ajuste” a Cia. de Gás, coloca o encanamento simples, sem as ramificações que permitem a medição individual de cada apartamento, prejudicando assim os apartamentos que consomem menos ao terem que pagar o gás por um valor acima do que gastam, já que não há como instalar medidores.

   Visando o lucro, as construtoras firmam contrato com aquelas prestadoras que mais lhe beneficiam, independentemente se será vantajoso para os adquirentes, sendo que isso ocorre às vezes com a empresa que realizará a manutenção dos elevadores e às vezes com administradora de condomínio que passa a defender os interesses da construtora no caso de vícios de construção ou quando essa insiste em pagar a quota de condomínio em valor menor para as unidades que ainda não foram vendidas.

   Essa prática não encontra amparo legal, pois a construtora não pode firmar contrato para terceiros cumprirem, no caso o condomínio. Somente aos adquirentes, representados pelo síndico, é reservado o direito de contratar uma prestadora de serviços para o condomínio.

 JUSTIÇA PROTEGE CONDOMÍNIO DE CONTRATO FEITO PELA CONSTRUTORA

   Como resultado dessa conduta, existe casos de síndico eleito pelos condôminos, logo após o edifício ser entregue, ao contratar com empresa de elevador ou gás que oferece menor custo, ser surpreendido por cobrança de multa por rescindir contrato com custos elevados, que foi firmado pela construtora antes da entrega do edifício.  No julgamento da apelação 1008898-87.2015.8.26.0477 do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi reconhecido que não prevalece o contrato firmado pela construtora:

 APELAÇÃO CÍVEL – Ação Monitória – Contrato de Locação de Prestação de Serviços para Elevadores – Pretensão de cobrança da multa contratual em razão da rescisão unilateral antecipada – Contrato que em verdade foi firmado com a construtora do edifício e anterior a constituição do condomínio – Ausência de prova escrita de anuência do condomínio com tal cláusula contratual – Sentença mantida – Apelo desprovido.  
(TJSP;  Apelação 1008898-87.2015.8.26.0477;

Relator (a): Jacob Valente; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Praia Grande – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/11/2016; Data de Registro: 25/11/2016)

 

A referida decisão do TJSP teve a seguinte fundamentação: “… restou evidenciado nos autos que o contrato em questão não foi ajustado com o condomínio réu, como pela própria autora confessado, e sim com a Construtora do edifício que não possuía poderes para ajustar o contrato nos moldes formalizados.

   Interessante verificar que no julgamento da apelação 0016341-73.2010.8.26.0577 do Tribunal de Justiça de São Paulo, a construtora foi condenada a pagar as despesas de manutenção de 09 elevadores, mesmo após ter entregue o edifício aos compradores, pelo fato de não ter comunicado formalmente à empresa Otis Elevadores que essa deveria contratar com a nova administração do condomínio. A 9ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do TJSP acabou rejeitando o pedido da Autora/Construtora que pleiteava danos morais do Condomínio por ter sido negativada no cadastro de inadimplentes pela Otis, pelo fato do Condomínio não ter quitado as prestações referentes à manutenção dos Elevadores após a entrega do edifício. O Condomínio teve sua tese vitoriosa não tendo que pagar nada de danos morais e nem os meses de manutenção cobrados pelo Otis, pois esta não tinha firmado contrato com o síndico e tão somente em nome da construtora que acabou tendo que pagar a dívida.

    (TJSP – Apelação 0016341-73.2010.8.26.0577; Relator(a): Adilson de Araújo; Órgão Julgador: 9ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 07/07/2014; Data de Registro: 08/07/2014)

   Em razão disso, os síndicos devem se manter atentos e cautelosos para que nenhum contrato estipulado sem sua vontade pendure após a constituição formal do condomínio, especialmente se nele constar preços bem acima da média de mercado, sendo importante o construtor comunicar ao prestador de serviço para que esse promova nova contratação com o condomínio.  

 DA FALTA DE REPRESENTATIVIDADE DA CONSTRUTORA

   O Código Civil, especificamente no artigo 1.348, inciso II, determina que compete ao síndico representar o condomínio para os “atos necessários à defesa dos interesses comuns”. O legislador conferiu apenas ao síndico o poder de representação e não à construtora. Dessa forma, se mostra ilógico e abusivo um fornecedor querer que o condomínio assuma uma obrigação firmada por quem não o representa.

   Neste sentido, a contratação de serviços por parte da construtora com duração após a entrega da obra, que venha a gerar despesas condomínio fere os princípios da boa-fé contratual e da autonomia de vontade, vez que ninguém é obrigado a contratar ou manter um contrato que foi firmado por terceiro alheio à sua vontade.

 CLÁUSULA CONSIDERADA NULA PELO CDC

   Como se não bastasse a falta de poderes da construtora para firmar os contratos de prestação de serviços em nome do condomínio, o artigo 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe expressamente que o fornecedor de produtos e serviços exija vantagem manifestamente excessiva do consumidor, configurando desse modo, uma prática abusiva também por parte da empresa prestadora de serviço que se aproveitou de um “ajuste” com a construtora de maneira a impor um ônus exagerado ao condomínio.

   Inclusive, o artigo 51 do CDC é claro ao estipular que: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:” … IV –“estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.      

   Portanto, é evidente que a estipulação de uma cláusula que obrigue o condomínio a manter obrigações por ele não pactuadas, revela uma prática abusiva por parte das construtoras e prestadoras de serviços, e como tal, é considerada nula pelo Código de Defesa do Consumidor.

 RATIFICAÇÃO DO CONTRATO

   Diante dessas considerações, é fundamental que a construtora, no momento da entrega do empreendimento aos adquirentes, esclareça e apresente ao síndico os contratos por ela firmados anteriormente, a fim de que o condomínio, nesse momento, por iniciativa própria, efetue a ratificação dos contratos que entender vantajosos e úteis, e consequentemente rescinda aqueles que não forem proveitosos para seu funcionamento. É direito do condomínio, após fazer pesquisa de preços ou de qualidade de serviço, pactuar um novo contrato que seja mais adequado aos moradores.

   Também é importante que a construtora informe a prestadora de serviço sobre a entrega do condomínio para que seu representante procure o síndico para oferecer um novo contrato. Dessa forma evita-se que os contratos pactuados pela construtora continuem de maneira a gerar polêmica após os adquirentes terem a posse do edifício.

   Cabe ressaltar nessa oportunidade que o síndico, ao assumir um condomínio, deve se valer de uma assessoria jurídica especializada a fim de resguardar melhor os interesses da coletividade condominial. Muitas vezes a construtora se aproveita da falta de experiência e do acúmulo de afazeres do síndico ou mesmo da parceria com a administradora de condomínio que foi nomeada por ela para defender seus interesses para induzir os moradores a erro e assim auferir vantagens indevidas. 

 

 Este artigo foi publicado na Revista Diário das leis BDI.

Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário e do Secovi-MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Diretor adjunto do IBRADIM-MG – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

Diretor Regional de MG da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br  –Tel. 2516-7008