Milhares de ações imobiliárias decorrem da falta de cuidado dos compradores
As transações imobiliárias exigem diversos procedimentos que somente profissionais especializados são capazes de realizá-los com a devida precisão. Porém, diante da postura dos compradores desejarem evitar despesas com consultoria prévia, constata-se que tal economia acaba nutrindo os Tribunais de Justiça com milhares de processos judiciais morosos e de elevado valor.
Na verdade, a maioria dos compradores realiza o negócio contando com a sorte. É ingênuo esperar que o corretor de imóveis, que tem a função de promover a venda, venha a levantar questões jurídicas e dúvidas que possam vir a frustrar o fechamento do negócio, fonte de sua remuneração que é de 6% sobre o valor do imóvel conforme o CRECI mineiro, podendo varia em outros estados.
Cabe ao corretor de imóveis informar ao seu cliente, que pode ser o comprador ou o vendedor, as questões da transação, dentro do seu alcance. Cobrar do corretor e da imobiliária que ela venha a atuar como advogado do vendedor ou do comprador demonstra desconhecimento da função de cada profissional.
Diante da complexidade do negócio, se torna necessária também a contratação de um despachante, pois é inviável um advogado (que geralmente cobra 2% do valor do contrato, ou seja, 1/3 do que ganha a imobiliária) ou corretor conseguir realizar buscas em cartórios e órgãos públicos que exigem muito tempo e prévio conhecimento de questões burocráticas.
Cada parte, comprador e vendedor, tem interesses antagônicos. Cabe ao corretor a importante função de aproximar as partes e estimular o fechamento do negócio, e não levantar dúvidas que exigem conhecimento específico de várias leis, como o Código Civil, o Plano Diretor, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, a Lei de Incorporação em Condomínios nº 4.591/64, a Lei nº 6.015/73 de Registros Públicos, a Lei do Inquilinato nº 8.245/91 e o Código de Processo Civil, além de outros diplomas legais, conforme o caso. Portanto, corretor de imóveis não é despachante e nem advogado. A função deste é a redação do contrato com a devida análise dos documentos que são obtidos pelo despachante. Se o comprador e o vendedor optam pelo modelo de contrato oferecido pelo corretor e dispensam uma orientação jurídica preventiva não podem amanhã reclamar das inúmeras surpresas que geram os onerosos processos judiciais.
FALTA DE VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO LEVA A PREJUÍZOS
Atuando como diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis, empresa que atua na venda e na locação de imóveis desde 1971, e como advogado especializado em Direito Imobiliário há mais de três décadas, presenciei inúmeras pessoas investindo as economias de uma vida de trabalho num imóvel sem tomar nenhum cuidado. Algumas ligam para um amigo e fazem perguntas sobre o que fazer para ter segurança e assinam o contrato de compra e venda após uma breve conversa telefônica ou após um conhecido “dar uma olhada no contrato”. Se acham inteligentes ao economizarem, pensam que a imobiliária responderá por falhas que surgem justamente por falta de cuidado do comprador ou do vendedor em não ter uma assessoria jurídica que proteja o seu interesse. Entretanto, depois lamentam ou tentam culpar alguém quando ocorrem os problemas que geram demandas judiciais demoradas e onerosas.
ALGUNS DOS RISCOS E PROBLEMAS MAIS COMUNS
É comum o comprador assinar o contrato de promessa de compra e venda sem compreender a extensão desse ato. É fundamental, antes de tudo, verificar toda a documentação do imóvel, bem como do vendedor, se ele é pessoa capaz e idônea, pois após pagar o sinal ou o valor do bem, havendo algum impedimento ou nulidade, poderá perder tudo em função da falta de precaução.
Os cuidados devem ser maiores se o comprador não tiver contato pessoalmente com o vendedor, especialmente se a venda for por meio de procuração, pois essa deve conter vários requisitos para ter validade. Deve-se verificar a idade dos vendedores, pois a ausência de requisito de validade (agente capaz, objeto lícito e a ausência da forma prescrita em lei), além da simulação, geram a nulidade.
Visando passar uma visão de como é trabalhoso realizar uma transação imobiliária, passamos algumas orientações, as quais podem ser bem abrangentes, conforme a particularidade do caso.
DOCUMENTOS DO IMÓVEL:
Certidão de registro atualizado do imóvel, ou seja, a matrícula emitida com menos de 30 dias, para saber quem pode fazer a alienação;
Conferir se a construção está regularizada, averbada e se tem algum problema pendente;
Certidão negativa de ônus reais e pessoais para constatar a inexistência de penhora, impedimento judicial, usufruto, etc;
Certidão de quitação do IPTU, taxas (que podem variar conforme município ou estado), bem como, das quotas condominiais (ordinárias, extraordinárias e gás), caso faça parte de um condomínio, sendo importante checar também a regularidade da energia elétrica e da água;
Caso o imóvel faça parte de um condomínio, é importante analisar a convenção, pois nela contém dados importantes sobre os deveres e os direitos sobre a utilização do bem, e ainda, se há ações que envolvam a unidade e outros problemas.
QUANTO À PESSOA DO VENDEDOR:
Cópia reprográfica da carteira de identidade e do CPF, se for pessoa física, ou do CNPJ se for pessoa jurídica (cópia da identidade e do CPF dos sócios);
Certidão de nascimento atualizada, no caso de ser solteiro, ou de casamento, pois os cartórios têm exigido por questão de segurança, especialmente o registro do formal de partilha, se for divorciado, evitando assim evasão fiscal com a falta de pagamento do ITCD.
Caso o estado civil no contrato de promessa de compra e venda não confira com o que está no registro do imóvel, haverá problemas futuros com o registro da escritura e a transferência da propriedade não será concluída. O mesmo cuidado deverá ocorrer se o vendedor conviver em união estável ou possuir pacto antenupcial.
Certidão da Justiça Estadual Cível (pessoa física ou se pessoa jurídica/sócios);
Certidão da Justiça Federal (cível, criminal e executivos fiscais)
Certidão negativa da Justiça do Trabalho, caso o vendedor seja sócio de empresa ou empregador;
Certidão negativa dos Ofícios de Protestos (pessoa física – pessoa jurídica e os sócios)
Certidão negativa da Justiça Estadual Criminal do vendedor, pessoa física ou dos sócios se for pessoa jurídica, caso queira saber da possibilidade de riscos de uma ação penal que abrange reparação civil, como danos materiais e morais.
Se o imóvel pertencer a uma empresa, a transação se torna mais complexa, pois será necessário o vendedor fornecer diversos documentos além daqueles que são essenciais à compra de um imóvel pertencente a pessoa física. Isso porque envolverá a necessidade de analisar:
Contrato social da empresa e suas alterações ou estatuto, se for uma associação, pois somente quem tem poderes poderá assinar o contrato de venda do imóvel para aliená-lo;
A situação da vendedora perante a Justiça do Trabalho, pois esta é implacável ao determinar a penhora e leilão dos bens no caso de dívida trabalhista;
A regularidade perante ao Fisco, INSS e FGTS;
Certidão negativa da Fazenda Pública Federal (provar estar em dia com tributos e contribuições federais – pessoa jurídica e seus sócios);
Certidão negativa da Fazenda Estadual (ICMS pessoa jurídica) e Municipal (tributos imobiliários – pessoa jurídica e sócios);
FRAUDE A CREDORES OU À EXECUÇÃO
Vários são os casos de compradores que perdem o imóvel, mesmo após terem pago todo o preço, em decorrência de processos judiciais (trabalhista, ação pauliana, etc) que comprovaram que o imóvel não poderia ser vendido, pois existia contra o vendedor processos judiciais que comprometiam o bem. Caso o comprador constate que há ações de cobrança ou execução em nome do vendedor deve compreender o risco, pois se ficar provado que o vendedor alienou o bem para não quitar os credores, configurará a fraude contra credores ou fraude à execução, vindo o credor a receber o imóvel. O comprador ficará no prejuízo, sendo quase impossível recuperar o que pagou diante da incapacidade de pagamento do vendedor.
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – PONTO CHAVE
Há ainda vários outros procedimentos, sendo impossível esgotá-los neste artigo. Caso o vendedor não entenda ser dever dele fornecer os documentos solicitados, evite comprar. Há muita oferta de imóveis no mercado e cabe ao corretor orientar o vendedor que ele tem a obrigação de demonstrar que a mercadoria e ele não têm problemas. Nada mais infundado o vendedor criar obstáculo ao dizer que é de confiança. Da mesma maneira é direito do vendedor exigir do comprador prova de capacidade de pagamento no caso de venda a prazo. Não tem cabimento o vendedor alegar constrangimento, pois a documentação deveria ser apresentada espontaneamente. Isso é negócio!
A certidões deverão ser solicitadas no local do imóvel, bem como na comarca onde residem os vendedores. Há casos que se torna necessário analisar até a Declaração de Imposto de Renda do vendedor para que o comprador tenha segurança.
Se o imóvel for um lote ou destinado a determinada finalidade comercial ou empreendimento, haverá outros cuidados a serem tomados. Caso seja locado, o comprador deverá analisar vários procedimentos previstos na Lei do Inquilinato, pois poderá não conseguir a posse com facilidade, podendo até mesmo o inquilino anular a venda por desrespeito ao seu direito de preferência.
Se o imóvel faz parte de um inventário, caso se trata de uma aquisição de unidade na planta, o que exige que a incorporação esteja regular junto ao Ofício de Registro de Imóveis, dentre outros casos, haverá mais procedimentos a serem tomados, mas o principal, deixamos para o final: a redação do contrato de promessa de compra e venda é o ponto chave. Explicar a relevância do contrato de promessa de compra e venda exige um novo artigo. Muitas pessoas rejeitam que esse seja elaborado por um advogado, o qual tem capacidade para aprofundar em questões jurídicas, preferindo um modelo que todos assinam sem refletir, pois custa mais barato.
O advogado, do comprador ou do vendedor, sendo experiente na área imobiliária, poderá, ao conversar com as partes e ao analisar os documentos, perceber que o negócio é inviável e assim evitar prejuízos que tornam o custo da consultoria irrisório ou então criar mecanismos que reduzam os riscos.
Belo Horizonte setembro 2019
Este artigo foi publicado na Revista MercadoComum.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM