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AIRBNB NÃO PODE BURLAR CONVENÇÃO

     Alguns profissionais que defendem a locação diária promovida por dezenas de plataformas, como o Airbnb, o qual remete os dados do imóvel para mais de 250 sites, têm se empenhado em distorcer as leis ao alegar que o ato do condomínio proibir a alta rotatividade de estranhos no edifício destinado à residência familiar seria afronta ao direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII da CF e no art. 1.228 do Código Civil. Nada mais absurdo, pois ambos os artigos protegem o direito de ter bens, o que é bem diferente da necessidade de regulamentar o uso da propriedade. Nenhum direito é absoluto.

    O art. 30 da CF prevê: “Compete aos Municípios: VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Dessa forma, os municípios restringem o exercício do direito de propriedade por meio de várias leis, dentre elas os Planos Diretores, impondo limites de coeficiente de aproveitamento dos lotes, restrições de comércio e indústrias em diversas regiões e bairros, dentre outras condições.

  Essas regras são essenciais para possibilitar a convivência. No caso dos condomínios, onde as propriedades são contíguas, havendo compartilhamento de áreas comuns (portaria, garagem, lazer, elevador), desde 1964, a Lei 4.591, o legislador determinou no art. 9º obrigatoriedade de todos os coproprietários definirem a destinação das unidades. Por lei, todos são obrigados a respeitar a convenção, sendo oponível até perante aquele que votou contra sua aprovação, tendo assim caráter normativo. Seria impossível a convivência pacífica e ordenada sem a segurança jurídica da convenção, tendo em vista que cada pessoa tem seus valores, hábitos e pontos de vista.                

     Dessa forma, o Código Civil, ao regulamentar o Condomínio Edilício, reiterou tal regra no art. 1.332, que no inciso III, determinou que na convenção deverá constar “o fim a que as unidades se destinam”, tendo o art. 1.333 estipulado ser “obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades” as limitações ali estabelecida. E o art. 1.335 estabelece: “São direitos do condôminos: II- usar das partes comuns, conforme a sua destinação…” sendo que essas foram projetadas para trânsito de moradores, o que gera maior segurança e não de estranhos.

     Portanto, é e sempre foi necessário e legal regulamentar o exercício de direito de propriedade, e especial nos condomínios onde a edificação é compartilhada, tendo cada coproprietário apenas uma fração do edifício. Seria absurdo admitir que cada coproprietário pudesse fazer o que bem entende de seu apartamento, pois a convenção estabelece que sua destinação é residencial e familiar, o que implica em ocupação duradoura e não diária.

    Utilizando-se de grande criatividade há aqueles que compram apartamentos comuns, onde a taxa de condomínio tem valor mais baixo, para promover locação diária como se fosse um apart-hotel. Assim, aumentam seu lucro, ao obterem renda bem superior a um aluguel mensal ao evitar pagar a taxa de condomínio muito mais alta dos apart-hotéis, pois estes só funcionam adequadamente com porteiros, recepcionistas e seguranças necessários para controlar o grande fluxo de hóspedes.

     Há ainda aqueles que não dominam as questões hoteleiras e que dizem que a locação diária não é hospedagem. Entretanto, um dos maiores especialistas no Brasil, Maarten Van Sluys, Consultor Hoteleiro e Asset Manager, esclarece que: “a hospedagem se caracteriza pelo simples oferecimento de quartos ou de apartamentos para locação diária, independente de seus proprietários/locadores estarem registrados na EMBRATUR. Enganam-se aqueles que entendem que para a caracterização de hospedagem o local tem que oferecer outros serviços como café, carregador, etc. Na verdade, hospedagem é o ato de se acomodar por tempo provisório (pré-determinado ou não) em hotel, albergue, hospedaria ou residência alheia, sendo isso um serviço nos termos do art. 23, da Lei 11.771/08”.

     Maarten, esclarece que “no exterior reservas são caracterizadas de forma clara: “ROOM ONLY” (só o quarto), “BED AND BREAKFAST” (cama e café), “HALF BOARD” (meia pensão), “FULL BOARD” (pensão completa) etc., sendo que a locação pode ser inclusive por frações de diárias, “HÓSPEDES DAY USE”. Dessa forma, no Brasil, centenas de pensões em beira de estrada como também em áreas urbanas são caracterizadas como hospedagem pela EMBRATUR, não tendo que oferecer outros serviços para assim serem caracterizadas”. Diante disso, quem aluga o apartamento em condomínio residencial de forma irregular (por não ter registro na EMBRATUR), afronta o art.3° do Decreto 84.910/80. Ao oferecê-lo, mesmo sem outros serviços, pratica ato de hospedagem.

     É ilógico tentar caracterizar a locação diária como se fosse a de temporada prevista no art. 48 da Lei do Inquilinato, pois essa mesma lei, no art.1º estabelece que a ocupação diária é regulada pelo Código Civil e pelas leis especiais, como a Lei 11.771/08.                

    Outro argumento frágil é de que se a convenção não proíbe expressamente locação diária, essa pode ser realizada. Trata-se de outra pérola de distorção dos fatos e da lógica condominial. Para demonstrar a irracionalidade do argumento, basta vermos que as convenções dos milhares de edifícios de salas estipulam apenas que a ocupação é comercial, nada mais.                

     Se fosse levado a sério esse argumento, os investidores poderiam comprar salas (que estão com preço muito baixo diante da crise) e transformá-las em apartamentos de um quarto, passando a locá-los para moradia diária, já que a convenção não proíbe. Poderiam, também colocar cães e outros animais domésticos nas salas. Seria cômico vermos edifício comercial tendo que contratar porteiros para ficar nos finais de semana e a noite para atender esses hóspedes, bem como ter os elevadores no dia a dia transportando sacolas de feiras e seus pets dos ocupantes temporários junto com clientes das empresas e dos escritórios.

Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br