O dever de indenizar do condomínio negligente que contribui para tragédias
Frequentemente, temos visto condôminos deixarem para depois suas obrigações referentes à manutenção dos edifícios ou não tomarem providências para realizar reparos urgentes, a ponto de a estrutura ficar comprometida e até mesmo ruir. Os condôminos devem entender que além do prejuízo material que podem sofrer com a postura negligente, precisarão indenizar as vítimas atingidas pelo seu descuido, podendo ter que pagar valores expressivos a título de danos morais se ocorrer lesão corporal com a queda de partes da edificação.
A queda de cerâmicas ou de outro material que se solte da fachada dos edifícios é extremamente perigosa, pois pode atingir veículos ou pessoas que passem próximos ao local. Causa estranheza o volume de construtores que deixam de fazer os reparos dos vícios de construção, preferindo provocar uma demanda judicial com o condomínio ao se recusar consertar os defeitos. A falta de consciência e do risco talvez explique tal atitude, pois no decorrer dos anos do processo, tendo que esperar a perícia judicial e depois a condenação para cumprir seu dever, poderá ocorrer uma tragédia em decorrência da queda de partes da fachada, havendo vários relatos de óbitos no país. Tal situação gera o direito da família da vítima vir a requerer uma indenização por décadas para o sustento dos filhos e esposa que dependiam daquele que foi vitimado em decorrência da irresponsabilidade do construtor ou,0 dependendo do caso, dos condôminos.
Nos edifícios mais antigos, que não têm mais a garantia da construtora, vemos que apesar dos condôminos saberem o que é certo e errado, de maneira impressionante, quando se trata da assembleia, em alguns casos, parecem perder a sensatez, pois deixam de cumprir com a sua responsabilidade.
É comum vermos casos de consertos protelados em edifícios, o que faz com que o vício construtivo aumente e atinja até a área interna de apartamentos, como ocorrem com infiltrações decorrentes de defeitos no telhado. Notamos que muitas vezes não há dúvidas quanto à obrigação de realizar o conserto, mas há uma postura de inércia dos condôminos, que fazem de tudo para evitar o gasto com o reparo necessário, mas que, ironicamente, provocam o agravamento dos custos do conserto, já que terão que indenizar também outros danos. Quando o assunto evolve reparos de problemas estruturais, a rapidez na solução é fundamental, sendo ilógico imaginar que o dano vai se resolver sozinho, por milagre ou mágica. É preciso agir e cabe aos condôminos faze-lo o quanto antes, pois a cada dia que passa o problema apenas se agrava e encarece.
No dia 15/10/19, vimos a lamentável queda do Edifício Andrea, em Fortaleza, sendo que uma vistoria técnica de engenharia havia apontado 135 pontos de avarias estruturais no pilotis do prédio. As notícias divulgadas sobre essa tragédia informaram que mesmo sendo urgente a reforma, a síndica demorou anos, tendo buscado orçamentos diversos e o condomínio optou pela contratação da proposta de menor valor, ignorando que qualidade tem custo maior. Obras necessárias e urgentes, como trocar um cano estourado ou um portão arrobado, bem como restabelecer o funcionamento do elevador, podem ser realizadas independentemente de autorização prévia da assembleia, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 1.341 do Código Civil, tendo o dever se convoca-la logo a seguir. Entretanto, diante do seu elevado custo e tendo em vista que pilastras demoram anos para ruir, a contratação da empresa para fazer os reparos poderia ter ocorrido com tranquilidade, muito antes da queda do prédio.
A análise desse caso demonstra as consequências da negligência nos reparos e manutenção dos edifícios, pois a inércia dos moradores, a atitude de deixar para o outro fazer, mesmo diante de danos iminentes, coloca em risco a vida e o patrimônio próprio e alheio. Passou da hora de refletirmos sobre essa postura, que tem se tornado um traço negativo de personalidade, uma triste característica cultural, como ocorre com o lamentável “jeitinho brasileiro”.
Este artigo foi publicado no jornal O TEMPO
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor-adjunto em MG do Instituto Brasileiro do Direito Imobiliário
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