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O DIREITO DE ACESSO ÀS IMAGENS DO CONDOMÍNIO – Câmera – Câmeras

Assembleia deve regulamentar o funcionamento do monitoramento das imagens   

   O crescimento da violência e a precariedade da segurança pública estimulou os condomínios e empresas colocarem circuitos internos de TV com o objetivo de inibir atos ilícitos e facilitar a identificação de quem pratica condutas antissociais ou lesivas ao patrimônio. Ocorre que a instalação desses equipamentos gera grande polêmica no tocante ao acesso e uso das imagens.                       

   A instalação de câmeras em locais que possibilitam monitorar o acesso ao edifício, como portaria, corredores e garagem é a opção mais comum e interessante, podendo ser disponibilizadas as imagens para todas as unidades, sem limitação, pois consiste no direito de qualquer morador saber quem entra nas dependências do condomínio.

   Contudo, para melhor avaliar a legalidade da instalação das câmeras é importante entender que os condomínios edilícios são compostos de áreas privativas – que consistem nos apartamentos, salas ou lojas – e de áreas comuns, como a portaria, corredores, garagem, salão de festas e quadras

   Considerando que estas pertencem à coletividade condominial, é dever da respectiva administração estimular a adoção de procedimentos e mecanismos que aumentem a segurança, nos termos do inciso V do artigo 1.348 do Código Civil (CC).

   Nesse sentido, os tribunais têm garantido o direito do condomínio em instalar câmeras de vigilância nas áreas comuns. Vejamos a decisão do TJMG:

   EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER – TUTELA ANTECIPADA – REQUISITOS – AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA E FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO

   Para o deferimento da tutela antecipada é indispensável a existência dos requisitos exigidos pelo art. 273, do Código de Processo Civil.

   Não se observa a presença de prova inequívoca da verossimilhança das alegações da parte no tocante à nulidade da assembleia por desobediência às disposições da convenção condominial, uma vez que há indícios de que, costumeiramente, a assembleia se realiza e delibera por procedimento distinto daquele previsto na convenção, sendo indispensável a dilação probatória.

   Não havendo comprovação de que as câmeras instaladas vêm devassando a intimidade do agravante, em especial diante de documentação fotográfica que mostra as câmeras apontadas para as áreas comuns, não se detecta a presença de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Recurso a que se nega provimento. (TJMG – Agravo de Instrumento nº 0783846-80.2013.8.13.0000 – 9ª Câmara Cível – Des. Rel. Amorim Siqueira – Data da Publicação: 17/03/2014).

   A jurisprudência tem confirmado o direito de a assembleia aprovar a instalação de câmeras de forma criteriosa. Não pode um ou outro condômino criar obstáculo quanto ao direito de gravar uma assembleia ou quanto o que ocorre nas áreas comuns de acesso às unidades do edifício, conforme podemos ver na decisão do TJRJ:

   Gravação das assembleias – Instalação de circuito fechado de TV. Monitoramento das áreas comuns. Formalidades e cautelas: Mero equipamento de segurança, destinado a monitorar a circulação do corredor e hall dos elevadores… não interfere no exercício da nobre profissão do advogado, nem no relacionamento deste com os seus clientes. Prédios públicos e privados, bancos e ruas, Shoppings e campus Universitário, até Tribunais de Justiça são dotados desses outros equipamentos, até mais sofisticados, indispensáveis para garantir em um mínimo de segurança, e nem por isso nos sentimos constrangidos… (TJRJ – Ac. unân. da 2.ª Câm. Cív. reg. em 16/10/03 – Ap. 2003.001.17359 – Capital – Rel. Des. Sergio Cavalieri Filho; in ADCOAS 8224327).

   Entretanto, as imagens das câmeras instaladas em locais confinados, como o elevador, salão de festas, sala de ginástica, área da piscina, devem, preferencialmente, serem visualizadas somente pelo porteiro/zelador e o administrador, pois essas não interessam aos moradores em geral, exceto no caso de registro de uma situação que coloque em risco a segurança. 

   Caso a imagem registre um ato infracional de uma criança, deverá o síndico ter mais cuidado, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, o art. 247, determina que a criança não poderá ser exposta, sendo viável borra a imagem da mesma para evitar sua identificação.             

   Os equipamentos evoluíram, havendo alguns que possibilitam criar grupos de usuários, com permissões diferentes, bem como o acesso pelo celular e pela TV de cada apartamento, sendo importante saber definir e regulamentar esses acessos com técnica jurídica. Nesse ponto, deve-se atentar para a norma legal local, caso exista, conforme o município. Por exemplo, na cidade de São Paulo, há o Decreto nº 43.236, de 22/05/2003 que determina a colocação de placas informativas sobre filmagem em ambientes, nos seguintes termos:

Art. 2º. Nos ambientes, internos ou externos, controlados por câmaras de vídeo, deverão ser afixadas placas informativas com os seguintes dizeres: “O AMBIENTE ESTÁ SENDO FILMADO. AS IMAGENS SÃO CONFIDENCIAIS E PROTEGIDAS NOS TERMOS DA LEI.”

Parágrafo único. As placas deverão ser afixadas de maneira a permitir sua perfeita visualização pelo público, nos pontos de entrada e de saída dos ambientes, e ter as seguintes características:[…]                       

   Na ocorrência de um delito, como o dano ou o furto de um objeto ou a prática de um ato antissocial, caberá à pessoa interessada solicitar ao síndico, por escrito, o acesso às imagens, devendo fundamentar o motivo. Por sua vez, caberá ao síndico disponibilizar a visualização das imagens, podendo, inclusive, fornecer cópia caso a mesma registre um ato ilícito, mediante as devidas cautelas, pois essas imagens pertencem à coletividade.                       

   O síndico não pode simplesmente negar o acesso da imagem ao condômino. Isso, pois, a imagem registrada advém de um equipamento adquirido com o dinheiro dos próprios condôminos, visando justamente registrar fatos que podem facilitar a elucidação de situações irregulares. Nesse sentido o TJSP decidiu:

   PROCESSO CAUTELAR. Exibição de documentos relativos à administração do condomínio. Inteligência dos artigos 1.348, VIII do Código Civil. Dever do síndico, como representante do condomínio, de permitir o acesso a documentos referentes à administração, de interesse geral de todos os condôminos. Contas já aprovadas em assembleia. Irrelevância. Documentos que não podem permanecer sigilosos. Recusa implica descumprimento de dever legal por parte do réu. Imagens de circuito interno do condomínio. Alegando o apelante não mais possuir as gravações, autor não se desincumbiu do ônus probatório que sobre ele recaía por força do art. 357, in fine, do Código de Processo Civil. Não há dever, legal ou convencional, do réu quanto à manutenção, em arquivo, de tais gravações. Neste ponto, o pedido é improcedente. Hipótese de sucumbência recíproca, ante o acolhimento parcial do recurso. Recurso provido em parte.(TJ-SP – Apelação Cível nº 01316485120108260100 SP 0131648-51.2010.8.26.0100 – 6ª Câmara de Direito Privado – Des. Rel. Ana Lucia Romanhole Martucci – Data de Publicação: 12/09/2014)           

   A administração não deve permitir o uso das imagens para fins que não sejam os de garantir a segurança dos moradores e ocupantes. Dessa forma, pode ser negado o acesso às imagens quando o marido deseja saber o horário que a esposa entrou no prédio, a mãe que quer monitorar se a filha saiu de madrugada ou o uso das imagens para questões de litígios familiares, como guarda e visitação dos filhos, pois essas questões particulares não dizem respeito ao condomínio, as quais devem se limitar à segurança. 

LIMITES DO USO DA IMAGEM                       

   O condomínio poderá instalar o circuito interno da TV com a aprovação da maioria simples na assembleia, salvo se a convenção estipular quórum diferente. Não tem sentido a alegação de ofensa ao direito de imagem ou intimidade, pois as câmeras não são instaladas dentro das unidades privativas.                       

   Diante do princípio constitucional previsto no art. 5º, no inciso “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, cabe ao síndico ou administrador, orientar o porteiro sobre a importância de não fazer comentários impróprios, porque em alguns casos haverá riscos para o condomínio se as imagens forem utilizadas de forma indevida ou maliciosa. Aconselha-se ter cuidado antes de liberar uma gravação para qualquer morador, sendo prudente ver primeiro o que foi registrado, especialmente se as imagens forem de um local confinado, como por exemplo, o elevador.

 

   O Código Civil protege esses direitos consagrados na CF, que caso sejam afrontados poderão gerar o direito de indenização com base nos artigos 186 e 927 do CC. 

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.                       

   No caso das imagens revelarem atos irregulares de algum morador, e tendo ocorrido uma reclamação formal sobre essa conduta, o síndico poderá notificar e multar, conforme o caso. Poderá, inclusive, utilizar a imagem como prova do fato denunciado pelos vizinhos.                       

   Entretanto, consiste num desvio da finalidade do circuito interno o uso das imagens para notificar ou punir um morador em relação a um ato que ninguém reclamou, pois diante da ausência de queixa, supostamente não ocorreu qualquer dano. As câmeras não podem ser utilizadas para alguém ficar 24 horas vigiando uma pessoa para que venha a obter uma imagem de uma situação imprópria. É sabido que nos edifícios há casos de conflitos ou de alguma antipatia, não podendo o síndico abusar de sua condição de ter acesso às imagens para perseguir um desafeto.

CÂMERAS AJUDAM A DESVENDAR ATOS ILÍCITOS                       

   Vemos nos telejornais vários crimes, assaltos, acidentes de veículos nas vias públicas sendo esclarecidos ou provados com imagens de câmeras que focam as entradas e vias externas dos edifícios. Essas imagens podem ser solicitadas pela Justiça ou pelas autoridades nos termos previstos no CC.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

           REGRAS CLARAS EVITAM CONFUSÃO                        

Cabe ao condomínio coibir atos irregulares, devendo atender aos pedidos dos moradores que reclamam de danos, tais como, os furtos e vandalismo na garagem. Se determinado morador tem seu carro constantemente danificado dentro da garagem, tendo em vista que geralmente o condomínio não tem o dever de indenizar, não poderá este manter uma situação que favoreça a continuidade dos danos aos veículos.                        

Neste caso, poderá a assembleia aprovar a instalação de câmeras em toda a garagem ou então – para evitar ser responsabilizado por omissão – não criar nenhum obstáculo para que o dono do automóvel instale uma câmera sobre a sua vaga, de maneira que venha a impedir o vandalismo ou identificar o infrator.                       

Sendo aprovada a instalação do circuito interno de TV, caberá à assembleia buscar assessoria jurídica para formalizar as regras que evitarão riscos e polêmicas, tendo em vista serem diversas as situações que exigem prévia regulamentação para que o administrador saiba agir com celeridade no momento que forem utilizadas as imagens.

 

Este artigo foi publicado na Revista BDI Boletim do Direito Imobiliário

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br