No dia a dia da advocacia nos deparamos como casos estranhos, sendo que muitas pessoas por desconhecimento das leis, se acham no direito de criar problemas com um condomínio ou o proprietário de uma casa que resolve fazer reformas. Uma situação que causou perplexidade foi ouvir o relato de um dono de uma casa comercial que foi surpreendido pelo arquiteto que projetou o prédio há anos. Este entrou no recinto, repleto de clientes e ameaçou processar o proprietário exigindo a retirada dos toldos colocados para proteger seus clientes do sol e da chuva, bem como demolir o que tinha sido edificado recentemente. A situação constrangeu o comerciante diante da clientela perplexa, pois ficou incapaz de se defender dessas sonoras ofensas. O arquiteto alegou que as alterações no prédio não poderiam ser feitas sem a sua autorização e que nem mesmo outro arquiteto poderia fazê-las sem o seu consentimento.
Direito de propriedade x direitos autorais
O direito autoral protege o trabalho intelectual do arquiteto, sendo dessa forma proibida a venda do projeto a terceiros, mas não autoriza o arquiteto a proferir ameaças, que constituem crime previsto no art. 147 CP, sendo cabível também indenização por danos morais e materiais.
Terminada a obra, o dono do imóvel não fica refém do arquiteto, podendo usar, gozar e dispor do bem conforme art. 1.228 do Código Civil, tendo assim autonomia para alterar e até demolir o imóvel, da mesma forma que o dono de uma obra de arte pode destruí-la, ou de um carro alterá-lo sem a autorização do seu criador, pois estará apenas modificando um objeto que lhe pertence.
A Constituição Federal assegura que o direito de propriedade pode ser exercido sem influências externas, desde que não prejudique terceiros ou as normas de edificação estipuladas pelo município.
Os proprietários de imóveis não estão eternamente vinculados ao arquiteto que projetou a obra, pois este pode ter elaborado um projeto ruim, ultrapassado ou se desentendido com o dono do imóvel. Se a limitação ao direito de propriedade tivesse fundamento, seria um estímulo à prática de chantagem, já que o arquiteto poderia cobrar valor extorsivo para fazer outro projeto ou altera-lo, o que atenta contra a livre concorrência e a liberdade de trabalho. E se ele morresse, seus herdeiros seriam os detentores desse poder absurdo de “engessar” as obras por ele projetadas?
Além disso, haveria uma verdadeira “guerra” entre a classe, pois seriam constantes as ações de indenização dos arquitetos que tivessem seus projetos supostamente “violados” por outro colega de profissão, sem a sua autorização.
Proteção é limitada
A lei dos direitos autorais tem aplicação restrita, e proíbe a modificação por terceiros do projeto não edificado ou a venda da “ideia”, para evitar que alguém lucre com seu trabalho.
Somente os imóveis tombados pelo Poder Público são juridicamente imodificáveis. Portanto, o dono do imóvel poderá alterá-lo a qualquer tempo, independentemente da autorização do arquiteto que o projetou, já que não há na lei tal restrição à propriedade, e, havendo ameaças por parte do arquiteto, este poderá vir a responder por seu ato ilegal.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
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