Pelo visto a tática de algumas construtoras de contar com a inércia dos compradores de hotéis lançados para receber os turistas da Copa do Mundo de 2014 e que até hoje não estão concluídos está dando certo. Desde 2019 há construtora tentando inverter a situação, pois apesar de estar com a obra atrasada há sete anos, vem notificando os compradores alegando que estes devem pagar multa rescisória por terem parado de pagar as prestações. Nada mais absurdo. Na verdade, esses compradores ficaram decepcionados ao perceberem em março de 2014, que alguns hotéis tiveram a construção abandonada e, de forma lógica suspenderam os pagamentos diante da evidência do prejuízo.
Dentre esses hotéis destaca-se o Site Savassi com 440 unidades hoteleiras, situado na Av. do Contorno com Av. Getúlio Vargas, que foi incorporado pela Maio Empreendimentos e construído pela Construtora Paranasa que tiveram seus recursos desviados. O empréstimo de R$80 milhões que o Banco do Brasil destinou exclusivamente para a obra foi empregado em outros negócios da construtora, conforme pode ser visto no vídeo “Assembleia Paranasa”, que está no YouTube. Aquela reunião foi realizada em 29/09/19, depois de meses com a obra paralisada, havendo a previsão de entrega em 2020, ou seja, com sete anos de atraso. Assista os vídeos no Youtube:
Vídeo Assembleia – Paranasa II
Os atos irregulares da Maio Paranasa geraram o processo criminal o qual foi divulgado no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na matéria intitulada “TJMG aplica medidas cautelares a empresários”.
Obviamente, os compradores têm direito de serem indenizados por esses anos sem receber rendimentos. Nesses contratos de promessa de compra e venda consta multa somente contra o comprador que vier a infringir o contrato, sendo que o correto é a multa ser bilateral. Ocorre que, em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STF), ao julgar recurso repetitivo, firmou o entendimento com o Tema 971: “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor”.
Diante disso, há duas situações a favor do comprador: 1ª) se continuou a pagar pela obra, certamente já quitou todo o valor há anos. Por isso, faz jus à uma compensação, denominada fruição, correspondente ao rendimento de teria mensalmente durante os anos de atraso. 2ª) Caso tenha suspendido os pagamentos, pode notificar a construtora e exigir a devolução de tudo que pagou, corrigido pelo INCC, com juro de 1% ao mês, mais a multa de 20% sobre o valor total do contrato atualizado até o dia do efetivo pagamento. O STF já firmou entendimento em 2016 de que a devolução do valor deve ser de imediato, não podendo o construtor condicionar o pagamento à venda da unidade objeto da rescisão.
Portanto, consiste numa manobra maliciosa a construtora que está atrasada há sete anos tentar inverter a situação ao notificar o comprador para lhe cobrar multa e dizer que devolverá seu crédito não se sabe quando. O correto é a incorporadora/construtora devolver o dinheiro do comprador, acrescido da multa de 20%, tudo devidamente corrigido. Entretanto, a experiência comprova que ela só fará isso se for obrigada judicialmente. Mas, diante da frustração e da angústia que afligiram muitos compradores, a construtora sabe que terá lucro com a prescrição que está para ocorrer pela inércia das vítimas.
No caso do apart-hotel, pelo fato de o comprador pode utilizá-lo pessoalmente, emprestá-lo ou alugá-lo diretamente para quem bem desejar, fica evidente que se trata de aquisição de propriedade. O proprietário tem a prerrogativa de colocar seu apart-hotel no pool para ser administrado pela Operadora ou então assumir a posse dele e fazer o que bem entender.
Todavia, no caso dos condohóteis, os compradores deixaram de ser informados que na verdade não compraram realmente uma propriedade, pois são proibidos de ocupá-la ou locá-la para terceiros. É bem diferente de um apart-hotel, casa, apartamento ou loja, que se enquadram no Código Civil que define o que seja propriedade, conforme art. 1.228 “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”
Em 2011 alertamos que os compradores estavam sendo enganados em relação as vendas das unidades hoteleiras como se fossem apart-hotéis. Somente dois anos depois nossa denúncia foi confirmada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que em 2013 publicou uma nota esclarecendo que os compradores de condohóteis fizeram um mero “investimento coletivo”, sujeito a riscos de ganhos ou perdas conforme a desempenho do hotel. Essa transação se enquadra no art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor, da mesma forma que os investimentos bancários.
Há ainda outro grande problema, pois os hotéis que estão sendo concluídos correm o risco da Prefeitura de Belo Horizonte condicionar a concessão do alvará de funcionamento ao pagamento pela construtora da multa milionária prevista no art. 2º da Lei nº 9.952/2010, nos termos do art. 2º do Decreto nº 17.086, que determina pesada penalidade contra as construtoras “que não iniciaram o funcionamento, prestando serviços de hospedagem, até 30 de junho de 2014”.
É importante o comprador de unidade na planta agir com técnica jurídica e celeridade para amenizar seu prejuízo decorrente do descumprimento do contrato pela incorporadora e construtora que têm obtido lucro com a falta de atitude daqueles que foram prejudicados com a não entrega do empreendimento.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
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