Lojistas devem exigir abertura da caixa preta das contas do condomínio
Causa perplexidade os excessos que os shoppings centers cometem ao cobrar despesas condominiais dos lojistas, pois muitos valores deveriam ser pagos pelo proprietário/locador, vez que dizem respeito unicamente ao interesse dele por se tratar de despesas estruturas e de melhorias do seu patrimônio. Como se não bastasse essa prática ilegal cometida há décadas, agora no momento estão fechados desde 20 de março de 2020, os inquilinos de alguns shoppings centers foram surpreendidos ao receber o boleto do mês de abril com a cobrança do valor da energia elétrica e do ar-condicionado da loja, constando os mesmos valores de março, como se a loja, bem como, o centro de compras estivesse funcionando.
Quanto ao valor da quota de condomínio, alguns shoppings concederam um desconto de 20% para iludir os lojistas, sendo isso irrisório. Na prática a redução de custos com a dispensa de funcionários, com a concessão de férias, o não consumo de energia elétrica, água, limpeza, vigilância, dentre outros custos do mall é muito superior ao desconto de 20% ou 30%.
O correto seria não cobrar nada já que o Shopping não consiste numa locação de uma loja, mas sim a entrega de um complexo de atividades com diversos atrativos para atrair grande volume de público. E se o locador não entrega isso, deixa de ter o direito de receber os aluguéis e encargos com base no artigo 476 do Código Civil.
Há inúmeros casos de shoppings que fazem reformas, trocam grandes equipamentos de ar-condicionado, dentre outros investimentos que deveriam ser pagos unicamente pelo empreendedor/locador, mas transfere esses custos para os inquilinos de forma camuflada, sendo tal procedimento ilegal. O inquilino, nos termos dos artigos 23 e 54 da Lei do Inquilinato, tem o dever de pagar somente as despesas necessárias ao funcionamento da edificação, as quais se enquadram no rateio da quota de condomínio, como os empregados (porteiros, seguranças, faxineiros) e demais equipamentos que são essenciais para manter e conservar as áreas comuns.
Cabe ao proprietário do shopping center arcar com os custos de quem administra o seu patrimônio, como seus superintendentes, administradores, contadores, advogados, gerentes, pois esses trabalham para aumentar o faturamento do empreendedor e não dos inquilinos.
EQUIPE QUE ADMINISTRA O SHOPPING TRABALHA PARA O LOCADOR
Para esclarecer melhor e não deixar dúvidas quanto a ilegalidade praticada pelos empreendedores, basta vermos que o proprietário de um imóvel quando opta por entregar a administração para uma imobiliária, a Lei do Inquilinato é taxativa ao determinar que cabe a ele pagar a comissão de 10% para a imobiliária, pois essa lhe presta o serviço. Ao cobrar dos inquilinos as despesas de administração e os custos de quem defende os interesses dos empreendedores/locadores, esses cometem contravenção penal prevista no inciso I, do artigo 43 que estabelece: “Constitui contravenção penal punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida a favor do locatário: I – exigir, por motivo de locação ou sublocação, quantia ou valor além do aluguel e encargos permitidos”.
O rateio de despesas do condomínio não pode ser inflado com despesas e custos de empregados e materiais que visam beneficiar o proprietário, pois este obtém mensalmente milhões de reais com os aluguéis para custear aqueles que trabalham em prol de seu enriquecimento.
SHOPPINGS NEGAM ACESSO À DOCUMENTAÇÃO DO CONDOMÍNIO
Os shoppings sabem que cobram valores ilegais e por essa razão lutam ferozmente contra os processos judiciais movidos pelos inquilinos, sindicatos e associações que solicitam o acesso às notas fiscais, contratos e documentos que compõem a contabilidade maquiada para esconder os milhões de reais cobrados indevidamente dos lojistas.
Esses abusos acontecem em razão do receio do lojista exigir seu direito de ter acesso a todos os documentos a cada sessenta dias. A lei é clara ao determinar que o locador, no caso de shopping center, tem o direito de cobrar a quota de condomínio somente se ele comprovar a legitimidade da cobrança. Não pode o shopping negar o acesso aos documentos que fundamentam o rateio das despesas, pois a lei concede o direito de os inquilinos fiscalizarem tudo a cada dois meses. Entretanto, por serem mal assessorados juridicamente, os inquilinos deixam de fiscalizar e assim estimulam a perpetuação da má-fé e das cobranças questionáveis que geram lucros inconfessáveis para o empreendedor.
SINDICATO PODE EVITAR COBRANÇAS ABUSIVAS
Diante desse cenário, é dever dos sindicatos dos lojistas exigir o acesso a toda documentação contábil, evitando assim que seus associados sejam lesados. As perícias judiciais que apuram as contas dos shoppings constatam situações inacreditáveis. Dentre os diversos casos, citamos como exemplo, o caso do Shopping Diamond Mall em Belo Horizonte-MG, que lutou anos para não permitir o acesso aos documentos. Em 2008, a perícia judicial apurou que os lojistas pagaram a mais de rateio R$36.000.000,00 no decorrer do período de 2002 a 2007, sendo que esse valor deveria ter sido custeado pelo locador/empreendedor.
Não tem sentido os lojistas pagarem os honorários dos advogados, das empresas de auditoria, os cursos dos diretores e gerentes do proprietário do shopping, bem como as viagens e mudanças dos executivos realizadas juntamente com seus funcionários e familiares.
Nas perícias são constatadas a contratação pelos shoppings de várias consultorias sem indicação do motivo, montagem dos setores de sua administração com aquisição de computadores, periféricos, aplicativos, pessoal, ocupação de espaços dentro do shopping, usufruindo de energia, água, ar-condicionado, profissionais, material de escritório, sendo que todos esses custos são de único e exclusivo interesse do proprietário do empreendimento. E ainda, sobre tudo que é gasto, o locador acrescenta uma taxa de administração entre 5 a 10% e embute no rateio do condomínio.
A má-fé não tem limites, pois até o custo das auditorias de vendas, que são realizadas junto à “boca do caixa” das lojas durante o período de festas, de interesse apenas do proprietário/locador por visarem o aumento do aluguel percentual, são cobradas dos inquilinos.
Caso os sindicatos de lojistas tomassem as devidas providências jurídicas, de maneira profissional, milhares de inquilinos dos shoppings centers seriam beneficiados com a redução drástica das quotas de condomínio. A cobrança das despesas comuns é realizada sem qualquer critério matemático, pois o CRD (coeficiente de rateio de despesas) é inexplicável, pois muda conforme a conveniência. Basta vermos que em alguns shoppings o m² de uma loja pequena paga de quota condominial em torno de R$180,00 e de uma loja de grande porte é cobrado apenas R$40,00. Em muitas situações é possível configurar o crime de estelionato (art. 171, Código Penal), sendo que há casos de o empreendedor não pagar nenhum centavo do CRD das lojas que estão vazias e nem sobre as enormes áreas que ocupa para seu escritório pessoal e de seus prestadores de serviços.
ESTACIONAMENTO – DISTRIBUI AS DESPESAS, MAS O LUCRO É PRIVADO
Quanto aos estacionamentos toda a receita é destinada ao locador, mas as despesas com empregados, segurança e equipamentos do referido espaço são cobradas dos lojistas, com o acréscimo de mais 10% a título de taxa de administração. Esses 10% são cobrados também sobre as obras estruturais, de reformas, ampliações, paisagismo e até na compra de novos equipamentos de ar-condicionado que caberiam somente ao proprietário arcar. Dessa maneira, o proprietário do shopping só recebe lucro e não arca com quase despesa alguma, já que os lojistas não reivindicam seu direito de pagar o que é realmente justo e legal.
Esse artigo foi publico no jornal Mercado Comum no item 19.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis em BH-MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br